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2.6 Evolução do conceito de competência

2.5.1 Competência individual

Os principais estudos sobre competência abrangem o nível individual. Sendo assim, os autores da corrente anglo-americana conceituam competência como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes expressas pelo desempenho profissional dentro de um contexto social. Em contrapartida, a corrente francesa defende que a competência individual implica saber mobilizar, integrar recursos, transferir conhecimentos, habilidades e recursos, num contexto profissional. Por tal razão, neste trabalho será adotada a segunda corrente, defendida pelos autores franceses e brasileiros, por considerar que a competência agrega valor socioeconômico ao indivíduo e, consequentemente, a organização.

A noção de competência individual foi definida por Le Boterf (2003) como a mobilização e a aplicação de conhecimentos e capacidades numa situação específica, a qual se apresentam recursos e restrições próprios. Dessa forma, a competência individual é o resultado de numerosas trocas de saberes e de numerosas conexões entre atividades diferentes (ZARIFIAN, 2001, p.115).

Em complementação, Le Boterf (2003) propõe que a competência precisa ser repensada principalmente nestes três eixos: formação da pessoa (sua biografia e socialização), formação educacional e experiência profissional. Para esse autor, em se tratando do indivíduo, competência é um saber agir responsável que implica na mobilização, integração de recursos e transferência de conhecimentos, recursos e habilidades (FLEURY; FLEURY, 2001, p. 29).

Pode-se falar de competência apenas quando há competência em ação, traduzindo-se em saber ser e saber mobilizar o repertório individual em diferentes contextos. Zarifian (2001) advoga que as pessoas deparam-se diariamente com situações inusitadas no seu ambiente de trabalho, sendo impensável prescrever com precisão o conjunto de tarefas e atividades que a pessoa terá de executar. Por conseguinte, não faz sentido vincular competência ao cargo, mas sim à pessoa que terá de compreender as demandas de seu contexto, bem como sobre a mobilização de seu repertório para atender a tais exigências de forma adequada (DUTRA, 2004, p.30). A partir disso, Fleury e Fleury (2001, p.30), com base nas idéias de Le Boterf (2003), defendem a noção de que as competências devem agregar valor econômico para a organização, e social para os indivíduos. No quadro 5, eles apresentam as dimensões da competência do profissional:

Saber agir Saber o quê e por que faz,

Saber julgar, escolher e decidir.

Saber mobilizar recursos

Criar a sinergia e mobilizar recursos e competências.

Saber comunicar Compreender, trabalhar, transmitir informações e conhecimento.

Saber aprender Trabalhar o conhecimento e a experiência, rever modelos mentais e saber desenvolver-se. Saber engajar-se e comprometer-se Saber empreender, assumir riscos;

comprometer-se com os objetivos da organização.

Saber assumir responsabilidades Ser responsável, assumindo os riscos e conseqüências de suas ações e sendo reconhecido

por isso.

Ter visão estratégica Conhecer e entender o negócio da organização, seu ambiente, identificando oportunidades,

alternativas. Quadro 5 : Dimensões da competência do profissional.

Analisando o quadro, fica evidente que competência não se reduz ao saber nem ao saber fazer, mas à capacidade de mobilizar e aplicar esses conhecimentos numa condição particular. A competência, portanto, não se restringe no âmbito dos recursos (conhecimentos, habilidades), mas na mobilização deles, visando à agregação de valor aos indivíduos e à organização (RUAS, 2005a).

Corroborando essa idéia, Zarifian (2001, p. 68 -70) afirma que “competência é o tomar iniciativa, e o assumir responsabilidade do indivíduo diante de situações profissionais com as quais se depara”. Tomar iniciativa é uma ação que modifica algo existente com a introdução do novo, que começa alguma coisa, que cria. Já assumir responsabilidade, caracteriza-se pela avaliação que o indivíduo faz da situação, adotando a iniciativa pertinente e assumindo os efeitos que decorrerão. Não se pode prescrever o comportamento que o indivíduo deve adotar diante de um problema, nem separá-lo dele.

Le Boterf (2003) advoga que o profissional competente é aquele que vai além do prescritivo, sabe agir e, portanto, toma iniciativas. Desse modo, o gerenciamento da competência ou do profissionalismo ocorre pela condução, ou seja, o gerenciador procura agir mais sobre o contexto favorável à emergência da competência do que sobre ela própria. Desta forma, o autor apresenta uma tipologia de saberes que devem ser dominados pelo indivíduo, para que ele seja capaz de administrar uma situação profissional complexa, conforme quadro abaixo:

• Saber agir com pertinência

• Saber mobilizar saberes e conhecimentos em um contexto profissional

• Saber integrar ou combinar saberes múltiplos e heterogêneos • Saber transpor

• Saber aprender e aprender a aprender

• Saber envolver-se Quadro 6: Saberes do Profissional

Fonte: adaptado de Le Boterf, 2003.

Le Boterf (2003) advoga que o profissional deve saber executar além do que é prescrito, ou seja, ele deve ser capaz de tomar iniciativas, decisões e assumir responsabilidades no dia-a-dia dentro de contextos normais ou excepcionais. Isto posto, para o autor a competência do profissional “envolve a mobilização de conhecimentos e habilidades

em contextos profissionais, de modo pertinente e em situações oportunas de trabalho”. Outra característica que diferencia o profissional competente é sua capacidade de escolher dentre as alternativas existentes a mais apropriada para cada situação, envolvendo a combinação de vários elementos dentro do repertório de recursos dispostos.

Considerando que o profissional competente é capaz de realizar mais do que atividades e tarefas repetitivas, ele transporta seus conhecimentos e habilidades para aprender a se adaptar às novas situações, além daquelas que está acostumado a lidar diariamente. Isso é possível devido à capacidade de o profissional está constantemente aprendendo com suas experiências, seja por meio da aprendizagem de circuito simples ou de circuito duplo (ARGYRIS, SCHÖN 1974). Por fim, o profissional deve envolve-se com as atividades que realiza, inclusive de forma afetiva, ou seja, aceitando seus acertos e erros. Essa atitude cria confiança junto aos seus pares e subordinados, pois, demonstra que o indivíduo está comprometido com o resultado final e assume as consequências de suas decisões (LE BOTERF, 2003).

Outra perspectiva que deve ser abordada é a das “competências gerenciais” que são exigidas dos executivos, devido às novas complexidades no ambiente de trabalho, especialmente em virtude de novas demandas do cenário global para o exercício da função gerencial. Sendo assim, o papel gerencial é caracterizado pelo exercício de habilidades técnicas — conhecimento específico de um cargo gerencial, normalmente associado à área funcional do gerente; habilidades humanas — forma de lidar com as pessoas; e habilidades conceituais — necessidade de o gerente ter uma visão sistêmica (BOOG, 1991, p. 129 e 130). As competências gerenciais, num nível individual, são geralmente concebidas como o resultado de um conjunto de conhecimentos, habilidades e atributos que o gerente emprega em determinadas situações e que agregam valor à organização e ao indivíduo (ODERICH, 2005, p. 90).

A partir disso, competência gerencial é a capacidade de mobilizar, integrar e colocar em ação conhecimentos, habilidades e formas de atuar a fim de atingir/superar desempenhos configurados na missão da empresa e da área, conforme ilustrado na Figura 5 (RUAS, 2005a, p.49 e 96).

Figura 5 : Competências Gerenciais. Fonte: adaptado de Ruas, 2005.

Além disso, Le Boterf (2003) afirma que os conhecimentos, habilidades e atitudes envolvidas nas competências são, na realidade, recursos de competências, fundamentais para o seu desenvolvimento e, como conseqüência, os três aspectos devem ser trabalhados em conjunto para a criação do conhecimento gerencial e melhoria do desempenho.

Assim, o desenvolvimento de competências ocorre por meio da aprendizagem individual e coletiva, envolvendo simultaneamente três dimensões: assimilação de conhecimentos; integração de habilidades; e adoção de atitudes relevantes para um contexto organizacional ou para a obtenção de alto desempenho no trabalho (RUAS, 2005a).

As idéias apresentadas sobre o desenvolvimento de competências gerenciais como um meio importante para a melhoria do desempenho organizacional foram corroboradas nos estudos conduzidos por Bitencourt (2002) em empresas australianas. Ela constatou que o programa desenvolvido pelo governo australiano denominado de “Força Tarefa”, baseado no desenvolvimento de lideranças e competências gerenciais, estimularam a formação e o desenvolvimento gerencial, contribuindo significativamente para a construção de um perfil gerencial que respondesse de forma mais efetiva aos novos desafios no ambiente nacional e no internacional. Além disso, a fundamentação do programa pautava-se na crença de que bons gestores representam a chave para uma economia mais competitiva e melhores resultados organizacionais.

Pode-se concluir que os modelos de competências gerenciais são propostas que apresentam um amplo escopo de reflexões acerca das necessidades de planejamento, desenvolvimento e acompanhamento do perfil e formação gerencial a partir da realidade individual e da estratégia competitiva de cada empresa. Esse fato caracteriza uma visão processual (desenvolvimento de competência), diferenciando-se de construtos que priorizam a listagem de atributos que, por si só, não agregam valor à organização ou às pessoas (BITENCOURT, 2002). Competências Atitudes Conhecimentos Habilidades Funções gerenciais gerenciais

Uma vez que este trabalho se propõe a entender o modo pelo qual as competências dos gestores são transferidas para suas unidades ou subunidades, abordaremos na próxima seção a questão dos recurso e das competências organizacionais.