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COMPETÊNCIAS NA FORMAÇÃO DE POLICIAIS RODOVIÁRIOS FEDERAIS

Marco Palhano55 Nivaldo Minervi56 Araci Asinelli-Luz57

INTRODUÇÃO

A formação inicial e continuada de professores é tema recorrente nas discussões educacionais contemporâneas. Sob diferentes denomi-nações e perspectivas (educador, mediador, instrutor, docente, tutor, mestre, incluindo as versões de gênero), o profissional professor vem sendo foco de discussões e perspectivas de formação tendo em vista o sucesso que se espera na aprendizagem de crianças e adolescentes, na recuperação da escolaridade perdida de jovens, adultos e idosos, bem como no desempenho dos diferentes profissionais que ocupam funções sociais as mais diversas. E não é diferente com os profissionais que atuam no campo da segurança pública.

Neste capítulo vamos abordar a formação docente no âmbito da Polícia Rodoviária Federal (PRF) a partir da percepção dos autores sobre evento de atualização pedagógica ocorrido em 2019. O servidor policial ou administrativo que atua como docente assume tal responsabilidade e a desempenha tendo como discentes os candidatos a policiais em início de carreira ou os pares que necessitam de aperfeiçoamento e/ou atualizações frente à dinamicidade da sociedade e da profissão, seja em cursos obrigatórios ou facultativos, de atualização ou especialização.

Vale informar que a PRF tem, em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil,

55 Bacharel em Direito (UFPR), Mestrando em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, Setor de Educação da UFPR, Policial Rodoviário Federal. (marcopalhano@

yahoo.com.br)

56 Graduado em Estatística (UFPR), Mestre em Engenharia da Produção (UFPR). Policial Ro-doviário Federal, Coordenador da Escola Superior da Universidade Coorporativa da PRF.

(nivaldominervi@yahoo.com.br)

57 Licenciada em História Natural, (PUCPR) Mestre (UFPR) e Doutora (USP) em Educação.

Professora dos Programas de Pós-Graduação em Educação (Acadêmico e Profissional) do Setor de Educação da UFPR. (araciasinelli@hotmail.com)

a então denominada Academia Nacional da PRF, hoje Universidade Corporativa da Polícia Rodoviária Federal – UniPRF58 (a partir de 18 de Outubro de 2019), onde é desenvolvida a formação específica do policial rodoviário federal.

ATUALIZAÇÃO PEDAGÓGICA DE INSTRUTORES DO QUADRO DE DOCÊNCIA DA PRF

Tendo em vista a formação profissional, de setembro a dezembro de 2019, de 1160 novos agentes policiais rodoviários federais (APRF), a instituição planejou e organizou evento de atualização pedagógica destinada a Instrutores do Quadro de Docência da PRF, ocorrido de 8 a 19 de Julho de 2019 nas dependências da UniPRF. O público-alvo da capacitação foi composto de 60 docentes divididos em duas turmas.

A atualização teve por objetivo preparar os participantes para atu-ação como coordenadores pedagógicos (formadores de formadores) no workshop de atualização pedagógica que ocorreu no mês seguinte (agosto de 2019) para cerca de 400 instrutores (docentes) que atuariam na formação dos candidatos à PRF. Além do concurso público, os can-didatos aprovados passam por formação específica. Somente após esta formação os candidatos têm a confirmação ou não da vaga, que depende do desempenho no curso, bem como do próprio interesse em assumir.

O ensino da PRF teve uma inflexão em 2016, quando a equipe responsável pela formação dos policiais rodoviários federais iniciou leituras e estudos relacionados à formação da docência de Paulo Freire e ao desenvolvimento do pensamento complexo, na perspectiva de Edgar Morin. Neste mesmo ano, de 24 a 27 de maio, em Fortaleza - Ceará, Brasil, houve o Congresso “Saberes para uma cidadania planetária”

e a PRF se fez presente. Esse evento foi fundamental para a decisão da Teoria da Complexidade, na especificidade do Pensamento Com-plexo, em diálogo com o processo Ensino-Aprendizagem (E-A) por competências passar a ser a diretriz da formação do profissional da PRF. Esta formação abrange diversas habilidades técnicas e áreas do conhecimento desenvolvidas no formato de 26 (vinte e seis) disciplinas (listadas no anexo 1) que são abordadas de forma inter-relacionada.

Portanto, além da formação multidisciplinar (a diversidade de técnicas), é necessária a formação transdisciplinar/metadisciplinar, ou seja, que

as diferentes habilidades convirjam no agir-sentir-pensar do PRF de forma integrada e convergente para a competência da atuação policial.

Nesta perspectiva se deu o processo de formação a ser descrito, na etapa atualização pedagógica (EAP), conforme especificado no fluxograma apresentado na figura 1.

FIGURA 1 – FLUXOGRAMA DE FORMAÇÃO DA PRF

FONTE: PALHANO; MINERVI; ASINELLI-LUZ, 2020.

O ambiente de educação corporativa no qual se insere a UniPRF tem sua prática pedagógica orientada ao desenvolvimento de competências e ao estabelecimento de relações de ensino e aprendizagem que considerem a complexidade do mundo ao redor, a riqueza das experiências pessoais e profissionais dos envolvidos e os valores institucionais - integridade, respeito, profissionalismo, excelência e transparência. A abordagem da teoria da complexidade e do fator desenvolvimento humano como parte do desenvolvimento profissional são norteadores da prática educativa. O Projeto Básico (PRF, 2019) do evento de atualização pedagógica estabeleceu sua

FONTE: PALHANO; MINERVI; ASINELLI-LUZ, 2020.

O ambiente de educação corporativa no qual se insere a UniPRF tem sua prática pedagógica orientada ao desenvolvimento de com-petências e ao estabelecimento de relações de ensino e aprendiza-gem que considerem a complexidade do mundo ao redor, a riqueza das experiências pessoais e profissionais dos envolvidos e os valores institucionais - integridade, respeito, profissionalismo, excelência e transparência. A abordagem da teoria da complexidade e do fator

desenvolvimento humano como parte do desenvolvimento profissio-nal são norteadores da prática educativa. O Projeto Básico (PRF, 2019) do evento de atualização pedagógica estabeleceu sua programação e justificou a opção de abordagem e concepção do curso, bem como a excepcionalidade da contratação de professores externos, à medida em que afirma que a existência de múltiplas disciplinas não garante a competência profissional, bem como salienta a busca da formação integral, necessária para toda a vida.

A formação por competências já é parte integrante das diretrizes da PRF. Neste sentido, é familiar ao policial rodoviário federal o que se convencionou chamar de CHA, em seu processo formativo:

conhecimento, habilidade e atitude. Ao reafirmarmos a formação por competências na perspectiva da complexidade, buscamos refinar os conceitos e integralizá-los numa formação que agrega, inclui, unifica, promove o diálogo entre os diferentes saberes e proporciona o desen-volvimento de habilidades para o alcance da competência profissional.

No mencionado Projeto Básico estão assim apresentados os conceitos básicos relacionados à formação por competências:

a) CONHECIMENTO: Distinguir as principais concepções pedagógicas; Distinguir as etapas da elaboração do plano de aula; Avaliar as técnicas de ensino aplicável à educação corporativa; Diferen-ciar Cartesianismo e sistemismo; DiferenDiferen-ciar as diferentes fases e ferramentas avaliativas; O perfil do Docente na era da pós-verdade; Discutir sobre o Projeto Político Pedagógico; Construir competên-cias. b) HABILIDADE: Utilizar Métodos e técnicas que facilitem o processo de ensino aprendizagem, focando em especial nas metodologias ativas; Se-lecionar ferramentas avaliativas adequadas; Pro-mover a cultura da proteção e garantia dos direi-tos humanos; Elaborar o plano de aula, conforme preconizado pela PRF. c) ATITUDE: Agir de acordo com os valores institucionais (Profissionalismo, Honestidade, Equidade, Proatividade, Cordialidade, Comprometimento, Espírito de equipe, Transparên-cia e Responsabilidade socioambiental) Demonstrar os atributos desejáveis ao Instrutor PRF (Respeito, Humildade, Tolerância, Cooperação, Empatia, Sa-ber escutar/SaSa-ber conviver, Valoriza o pluralismo

Para melhor compreensão sobre os envolvidos no processo de formação, há dois papéis exercidos na docência: Coordenadores pe-dagógicos e instrutores (docentes). A etapa de atualização pedagógica (EAP) foi destinada a 60 coordenadores pedagógicos. São chamados coordenadores pedagógicos os docentes PRF que, dadas suas carac-terísticas de liderança, experiência na docência, disponibilidade e o desempenho nas avaliações de discentes e de pares nos eventos em que tenham participado, atuaram como formadores de formadores no workshop com o grupo de 400 instrutores, bem como supervisiona-ram os momentos de formação dos 1160 candidatos a novos policiais rodoviários federais durante o curso de formação profissional. São chamados de instrutores os 400 PRF que atuaram como docentes, diretamente junto aos novos postulantes à carreira.

É importante salientarmos que a PRF não é uma carreira hierar-quizada, com níveis distintos e progressivos, como ocorre nas polícias militares e nas forças armadas. Na PRF todos os policiais podem atuar na atividade-fim (nas rodovias e áreas de interesse da União), podendo ser nomeados/convidados a exercerem funções de administração e/ou gerenciamento (chefias de núcleos, de setores, seções, serviços, divisões, coordenações, superintendências, coordenações-gerais e diretoria, em estrutura que se assemelha aos demais órgãos da administração direta do poder Executivo federal). Vencido o tempo de cumprimento da função, o profissional pode retornar ao desempenho da atividade-fim.

A atuação na docência é possível após capacitações prévias, participação e aprovação em Curso de Formação de Docentes e posterior convocação para atividades de formação/capacitação/atualização.

Para a atualização pedagógica dos profissionais PRF envolvidos em todo o processo formativo apresentado no fluxograma da figura 1, a UniPRF convidou professores externos, doutores de notório saber e com vínculo acadêmico para trabalharem em três eixos da Educa-ção: Complexidade, Competências e Formação de Formadores, tendo por pressuposto o amplo debate conceitual e metodologias ativas, na perspectiva da Andragogia59. Esse tripé procura fortalecer o que de bom já existe na formação e identidade da PRF, mas numa ver-tente que destaca a necessária visão sistêmica, a integralidade entre conhecimento e sociedade, entre crise e superação, entre o todo e as partes. Uma formação situada no seu tempo e espaço, completa, mas necessariamente inconclusiva, capaz de atualizações e adaptações às

59 A Andragogia prevê metodologias ativas apropriadas ao público adulto. O profissional adulto é protagonista de sua aprendizagem. Aprende por desejo e necessidade. O aprender está calcado em sentido e significado para o aluno adulto, neste caso, o profissional PRF.

mudanças que acompanham a dinamicidade da vida e do mundo. Vi-vência e experiência se conectam e o todo se faz presente na dinâmica da atualização pedagógica.

A ideia de complexidade não é nova e Boaventura de Souza Santos, a partir do que ele chama de crise do paradigma dominante (a racio-nalidade científica), faz uma interessante incursão sobre o percurso da ciência no tempo para nos apresentar, a partir das ciências sociais não positivistas, o que denomina traços principais de um paradigma emergente e defende “que a ciência em geral, depois de ter rompido com o senso comum, deve transformar-se num novo e mais esclarecido senso comum” (SANTOS, 2004, p. 9). Neste sentido, defende seu ponto de vista a partir de quatro teses: 1. Todo conhecimento científico-natural é científico-social; na qual afirma que “deixou de ter sentido e utilidade”

a dicotomia entre ciências naturais e ciências sociais e, portanto, as dicotomias entre homem e natureza, entre seres vivos e não vivos, entre ordem e desordem; 2. Todo conhecimento é local e total, numa crítica às especializações que não conseguem mais participar do todo e convidando à transgressão disciplinar em busca da transdisciplina-ridade; 3. Todo conhecimento é autoconhecimento, de tal forma que as explicações sobre os objetos e as coisas sejam também explicações sobre nós; 4. Todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum, porque o senso comum é transparente, não segrega, reúne. É a forma como a ciência chega ao cotidiano, como se traduz “em sabedoria de vida”. (2004, p. 61-91).

Quando do planejamento e execução do EAP, era vigente o Decreto nº 5.707/2006, que previa textualmente o “desenvolvimento de compe-tências institucionais por meio do desenvolvimento de compecompe-tências individuais” (BRASIL, 2006) em seus conceitos. As conceituações de Perrenoud (2002) e Zabala e Arnau (2014) foram base para a elabora-ção dos conteúdos tratados, conceituando competência como aptidão para enfrentar situações e resolver problemas, mobilizando recursos cognitivos e fazendo intervenções eficazes nos diferentes âmbitos da vida. A opção da educação por competências em detrimento do modelo de desempenho ou simples treinamento foi explorada enfatizando a necessidade de provocar o aprendizado para a curiosidade, o interesse pela crise, pela problematização e pela busca de soluções.

Para dar conta das temáticas propostas no curso de atualização pedagógica – complexidade, competências e formação de formadores –, embora os saberes estejam imbricados e indissociáveis, foram es-truturados três eixos com cargas horárias e sequência em função da

FORMAÇÃO DOCENTE: importância, estratégias e princípios - Volume 2

docentes para oportunizar a interação com diferentes docentes e abordagens no mesmo dia, problematizando, reagindo, questionando, enfim, incomodando-se, desestruturando seus saberes e fazeres para, em seguida, formularem novas e outras possibilidades. O curso teve como objetivo capacitar o grupo de instrutores/coordenadores nas competências essenciais relativas às atividades de Coordenação Pe-dagógica e/ou de Formação de Formadores. A programação se deu conforme se visualiza na FIGURA 2.

FIGURA 2 – Programação do evento e legenda

embora os saberes estejam imbricados e indissociáveis, foram estruturados três eixos com cargas horárias e sequência em função da disponibilidade dos docentes convidados, mesclando-se as “entradas” docentes para oportunizar a interação com diferentes docentes e abordagens no mesmo dia, problematizando, reagindo, questionando, enfim, incomodando-se, desestruturando seus saberes e fazeres para, em seguida, formularem novas e outras possibilidades. O curso teve como objetivo capacitar o grupo de instrutores/coordenadores nas competências essenciais relativas às atividades de Coordenação Pedagógica e/ou de Formação de Formadores. A programação se deu conforme se visualiza na FIGURA 2.

FIGURA 2 – Programação do evento e legenda

FONTE: PRF, 2019.

Sob a denominação “Sociedade e Educação: o fazer e o pensar docente na perspectiva da complexidade”, a concepção da Teoria da Complexidade foi apresentada e desvelada na prática profissional do PRF em atualização pedagógica. Para Morin (1990, 1994, 2007),

Maturana; Varela (1995), Capra (1997), a complexidade se apresenta em múltiplas dimensões do conhecimento, do ser e da realidade, numa tessitura comum. Moraes sintetiza essa complexidade expressa na impossibilidade de separar o que está associado, “o indivíduo e o con-texto, a ordem e a desordem, o sujeito e o objeto, o professor e o aluno e todos os demais tecidos que regem os acontecimentos, as ações e as interações organizacionais que tecem a trama da vida”. (2015, p. 44).

Neste eixo foram trabalhados, a partir do paradigma da comple-xidade, a superação de uma visão mecânica para uma visão dinâmica e integrada, a passagem de uma perspectiva reducionista para a sistêmica e interconectada num grande elo de relações, do isolamento para a partilha e à construção coletiva. Neste sentido, os acontecimentos, as ações as interações entre os policiais, as retroações, os acasos, a ordem e a desordem, as ambiguidades e incertezas que emergiram, exigiram de todos os envolvidos uma visão, um fazer dialógico e questionador entre unidade e diversidade, entre quantidade e qualidade. A com-plexidade, no que diz respeito à formação profissional do policial que assume a docência, exige novas reflexões e atitudes: o questionamento constante, a dúvida e a incerteza. Nesse sentido, busca a superação de uma visão mecânica para uma visão dinâmica e integrada.

A prática do policial que assume a docência precisa desafiar o aluno a buscar uma formação crítica e competente, embasada numa visão de totalidade e, ao mesmo tempo, de incompletude, disponível e preparado para exercer os quatro pilares da educação propostos por Delors e os sete saberes para a educação do presente/futuro, segundo Edgar Morin. A docência, na complexidade, provoca o aprendizado para a curiosidade, o interesse pela crise, pela problematização e pela busca de soluções.

A capacitação de docentes num ambiente que se destina à for-mação de policiais traz em si diversos desafios imanentes à natureza da instituição. Como servidores de carreira em órgão de Estado que serve à sociedade policiando, fiscalizando, salvando vidas e sendo indutor de comportamentos e políticas públicas, os docentes PRF trazem consigo uma carga de expectativas e responsabilidades que extrapolam a mera transmissão de conhecimento em treinamentos de demonstração e repetição.

A teoria da complexidade aplicada à relação ensino e aprendizagem no ambiente corporativo materializa as dificuldades e incertezas do mundo contemporâneo de modo a dar suporte aos demais referenciais teóricos e a atribuir sentido e significado à abordagem transdisciplinar

metodologicamente isolada em disciplinas compõe um arcabouço que também considera os valores de todos os envolvidos e suas experiências pessoais e profissionais, bem como os entornos imediato e mediato em que está inserida a UniPRF – sendo parte de um todo, e contendo em si o todo.