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PLATÃO E O CONFLITO COM A ARTE

Os oitenta anos vividos por Platão foi marcado por acontecimentos históricos que o levaram a ser admirado como um sábio. Nails afirma que “Platão nasceu devidamente em 427, encontra Sócrates quando tinha 20 anos (e Sócrates tinha 60), funda a Academia aos 40, viaja para a Sicília aos 60 e morre na idade de 80.” (NAILS, 2006, p. 17). Platão teve papel fundamental no desenvolvimento da trajetória da humanidade, principalmente, depois da fundação da academia: considerou o conhe-cimento e o aprendizado; contribuiu para o surgimento da democracia;

fortaleceu a legitimação da cidadania e, por fim, desmitificou o que era a crença de um povo, ao sistematizar o saber e colaborar com o advento da ciência.

Cerca de 387 a.C. Platão funda em Atenas a Acade-mia, sua própria escola de investigação científica e filosófica. O acontecimento é da máxima importân-cia para a história do pensamento ocidental. Platão torna-se o primeiro dirigente de uma instituição permanente, voltada para a pesquisa original e concebida como conjugação de esforços de um grupo que vê no conhecimento algo vivo e dinâmico e não um corpo de doutrinas a serem simplesmente resguardadas e transmitidas. (PLATÃO, 1991, p. 15).

Os gregos antigos desenvolviam seus diferentes interesses a par-tir dos eventos que aconteciam na polis, que era a cidade-Estado12. Os

12 Toda a vida cultural da Grécia antiga desenvolveu-se estreitamente, vinculada aos aconte-cimentos da cidade-Estado, a polis. (PLATÃO, 1991, p. 7)

assuntos decorriam das diferentes circunstâncias que vivenciavam, uma delas, a vida cultural. No panorama histórico e geográfico, Atenas atingia o apogeu da vida política e cultural13 servindo de referência para outras cidades-Estado. Platão cresceu e foi educado nesse ambiente movimentado e, como era de se esperar, participante do processo.

Segundo Nails:

Platão e seus irmãos teriam recebido uma educação formal em ginástica e música, mas por “música” de-vemos entender os domínios de todas as Musas: não somente dança, lírica, épica e música instrumental, mas também leitura, escritura, aritmética, geome-tria, história, astronomia e mais ainda. A condução informal de um menino à vida cívica ateniense era responsabilidade fundamentalmente do irmão mais velho da família. (NAILS, 2006, p. 18).

No entanto, apesar desse envolvimento, Platão compreendeu os fenômenos da arte como um elemento conflituoso e problemático para uma “Cidade Justa”.14 Entendeu a Arte como uma “ameaça” às estruturas complexas para o estabelecimento do bem, da verdade e do conhecimento.

De um modo geral, Platão coloca no centro desse incômodo a poesia, ao entender o termo no sentido mais amplo: Mousiké, artes das musas.15 A Grécia antiga quase sempre designou a poesia como lugar fundamental para o saber e os poetas como soberanos. Assim confere Muniz: “A tradição grega, desde suas mais profundas raízes orais, sempre reconheceu na poesia sua principal fonte de conhecimento [...], nos poetas, suas autoridades supremas.” (MUNIZ, 2010, p. 16).

Nesse contexto, Platão encontra na Arte uma barreira para a con-solidação das questões referentes ao conhecimento, ao saber e à verdade, ou seja, uma disputa imediata entre a Arte e a Filosofia. Constata tam-bém a Arte como uma ameaça, pelo próprio modo operante em que se

13 Entre 460 e 430 a.C. Atenas conquista esse status após, principalmente, defender o mundo grego e derrotar os Persas. (PLATÃO, 1991, p. 8)

14 Em A República, importante obra de Platão, constrói-se dialeticamente, uma cidade “de palavras” justa para indivíduos justos. Muniz (2010).

15 Constituída e utilizada em conformidade de algumas situações da vida social e política, a poesia grega antiga é essencialmente oral. Implica sempre uma plateia; pressupõe a

apre-estabelece e percebe que os encantos artísticos devastam as fundamentais condições para promoção e acesso ao conhecimento.

Então, disse eu, depois disso devemos examinar a tragédia e Homero, que lhe serve de guia, já que de certas pessoas ouvimos dizer que os trágicos conhecem todas as artes, [...]. Devemos examinar se esses fulanos, tendo topado com esses imitadores, foram enganados e se, ao ver as obras deles, não perceberam que entre elas e o real há uma distância de três graus e que criá-las para quem não conhece a verdade é fácil, porque são fantasmas e não coisas reais aquilo que criam. (PLATÃO, 2006, p. 386-387).

Para combater esse conflito, Platão precisou construir uma estru-tura sistemática para desarticular a potência da Arte na polis, para isso, concebeu a mímesis, ao incorporar aos artistas o título de imitadores, sendo eles, assim, meros produtores de uma representação limitada com base em estruturas ilusórias e secundárias.

Sobre muitas questões relativas à nossa cidade, disse eu, tenho em mim que nós a fundamos, da melhor maneira possível. Isso, porém, afirmo sobretudo quando penso na poesia. [...] Dizer-vos (e não me denunciareis aos poetas trágicos e a todos os outros poetas imitadores...) que, ao que se vê, coisas desse tipo são uma violência contra a inteligência [...].

(PLATÃO, 2006, p. 381).

Desse modo, tem-se a relação da mímesis com o distanciamento da verdade concebida por Platão.

Platão desenvolve a ideia de que a mímesis é repre-sentação da aparência. [...] Desse ponto de vista, a mímesis teria, como que inscrita na sua própria natureza, a impossibilidade de mostrar as coisas como realmente são, limitando-se a mostrar como aparecem. Como representam a aparência das coi-sas, as artes miméticas mantêm com o original – do qual pretendem fornecer a cópia – uma relação tênue, forjada por uma semelhança superficial.

(MUNIZ, 2010, p. 31-32)

Nesse contexto, compreende-se o porquê de no Livro X, Platão querer banir a poesia16 da polis. A Arte fortalece a experiência do mundo sensível e aprofunda as sensações emocionais a ponto de impossibilitar o acesso à natureza do mundo inteligível, isto é, a influência provocada pelo artista ao construir uma obra de arte, se faz tão real que evita o descobrimento da natureza do sensível como imagem defeituosa.