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A NATUREZA E A OBRA DE ARTE; O BELO E A ALEGORIA DA CAVERNA

Para compreensão dos fenômenos que envolvem as reflexões obtidas a partir deste trabalho, compreende-se uma das principais convicções do mundo antigo: em algum momento da história do pensa-mento do homem, concluiu-se que toda e qualquer beleza só é possível na natureza. Logo, intui-se relações comparativas: toda obra de arte – que para Platão seria uma interferência do homem sobre o material sensível – para ser bela, deve ser, obrigatoriamente, uma imitação da natureza. Assim, a beleza está na natureza e, uma obra de arte só pode ser bela, se imitá-la. A sustentação dessa afirmativa emana no pensamento mitológico, momento anterior à história do pensamento filosófico. Das possibilidades consideráveis para a explicação, decidiu--se trazer a mais sólida – a Teogonia de Hesíodo.

Como o próprio nome sugere: teo = Deus; gonia = geração. Hesíodo descreveu como se deu a criação dos deuses e, como se estabeleceu a hierarquia entre eles. Zeus, após vencer conflito contra os Titãs, deci-diu “presentear” aqueles que com ele triunfou. Reorganizou o mundo e distribui partes dele a seus irmãos e demais seres, com isso, a nar-rativa de Hesíodo concebe, além da formação organizada do panteão mitológico, a disposição coordenada do cosmos. Constata-se, então, que é a partir desse momento que o mundo largou o caos e ingressou ao cosmos; o mundo que era caótico, passou a ser organizado.

Portanto, a mais sólida convicção do pensamento antigo é que se a natureza é bela, isto se dá devido a sua condição ordenada e cósmica.

Inclusive, os primeiros filósofos, já buscavam responder às questões sobre a organização cósmica.

No próprio vocabulário dos primeiros filósofos manifesta-se essa conexão: muitas das palavras que empregam sugerem experiências de cunho originariamente social, generalizadas para explicar a organização do cosmo. (PLATÃO, 1991, p. 8).

Os atributos de matematização, simetria, e harmonia compõem conjunto de características particulares que promovem beleza à na-tureza resultando em ordem universal: uma circunstância mimética na relação entre elas.

Platão trouxe até nós algumas reflexões sobre o Belo – Íon e Hípias Maior são alguns exemplos –, no entanto considerou-se aquela mais frequente nos textos filosóficos quando se aborda este assunto: o Livro 7 e 10 de ‘A República’. Platão concebe a perspectiva de que a beleza está na natureza e que, uma obra de arte para ser bela, deve imitá-la.

Todavia, Platão concebe esse processo imitativo de um modo próprio e particular. Para entendimento desse ponto de vista, faz-se necessário a analogia concreta com a Alegoria da Caverna.

Também conhecido como Mito da Caverna, trata-se, de um texto da obra ‘A República’. De modo resumido, a alegoria (PLATÃO, 2006) relata sobre pessoas que eram prisioneiras em uma caverna desde o nascimento.

Presas por correntes, permanecem todo o tempo em posição fixa, olhando para uma parede ao fundo, iluminada por uma fogueira. Nessa parede, reflexos de imagens – sombras – são projetados diariamente. Os prisio-neiros procuram dar nomes às diferentes sombras julgando as distintas posições: plantas, animais, pessoas e outros objetos. Em determinado momento, um dos detentos se solta, retirando-se da constante posição frente a parede e dispõe-se a explorar outras partes do interior da caverna.

Percebe, então, outra realidade: a existência de um mundo externo a ser explorado com possibilidades reais. Fica perplexo com os animais, com a natureza e com os elementos do mundo real. Encantado com suas desco-bertas, volta para o lugar onde passara momentos desprezíveis, a fim de contar as novas descobertas aos outros prisioneiros. Para a sua infelicidade, seu ato foi reprovado; ao contar o que viu e sentiu, foi achincalhado pelos outros que, ao chamá-lo de louco, preferiram acreditar na realidade que enxergavam na parede da caverna. Por meio dessa alegoria, Platão pro-põe uma metáfora que reflete uma das mais importantes teorias de seu pensamento: a existência de dois mundos, o sensível e o inteligível. Para melhor compreensão, segundo Morente, existe

a teoria de dois mundos: o mundo sensível e o mundo inteligível. Porque se, efetivamente, a

intui-ção sensível não serve para descobrir o verdadeiro ser, mas antes este há de ser descoberto por uma intuição intelectual, não pelos olhos do rosto, mas pelos interiores do espírito, o espetáculo do mundo, que o mundo oferece aos sentidos, é um espetáculo errôneo, falso, ilusório. E junto, ou defronte, ou em cima, ou ao lado deste mundo sensível, está o outro mundo de puras verdades, de puros entes, de puras realidades existentes, que é o mundo inteligível.

(MORENTE, 1980, p. 86)

O sensível é aquele conhecido pelos sentidos do corpo, é o mundo das coisas que percebemos como elas são; já o inteligível é aquele percebido pela razão do pensamento, é o mundo das ideias das coisas.

Num de seus diálogos, em A República, Platão com-para os dois mundos: o mundo sensível e o mundo inteligível, [...]; comparando-os às sombras que se projetariam no fundo de uma caverna escura, se por diante da entrada dessa caverna passassem objetos iluminados pelo sol. Do mesmo modo que entre as sombras projetadas por esses objetos e os objetos mesmos há um abismo de diferença, e, sem em-bargo, as sombras são, em certo modo, partícipes da realidade dos objetos que passam, desse mesmo modo os seres que comtemplamos, na nossa exis-tência sensível, no mundo sensível, não são mais que sombras efêmeras, transitórias, imperfeitas, passa-geiras, reproduções ínfimas, inferiores, dessas idéias puras, perfeitas, eternas, imperecíveis, indissolúveis, imutáveis, sempre iguais a si mesmas, cujo conjunto forma o mundo das idéias. (MORENTE, 1980, p. 89) Platão ao comparar sombras na parede da caverna a tudo aquilo o que se identifica com os sentidos do corpo, certamente, ele quis nos dizer que não há beleza onde há sombras, uma vez que é impossível concebê-las como alegoria de beleza. Assim, tudo aquilo o que con-templamos com os olhos não pode ser belo, mas sim, uma anomalia.

Belo, para Platão, é o que está “fora da caverna”, ou seja, nas ideias perfeitas – eidos. Aquilo que é projetado para “dentro da caverna” é nossa adequação às peculiaridades das experiências sensoriais.

Partindo do princípio platônico de que a beleza está nas ideias subjetivas e abstratas que temos das coisas, a música que ouvimos nunca poderá ser bela. Assim, existindo uma música “a”, outra música

“b” e, até uma música “c”; a beleza não estará nem em “a”, nem em “b”, nem em “c”, mas nas ideias que concretizam todas as músicas que fla-gramos pelos sentidos e que encontramos pelo mundo, inclusive, as músicas “a”, “b” e “c”. Dessa forma, considera-se que o Belo não é uma constatação empírica e, desse modo, nunca poderá ser encontrado pelo uso dos sentidos do corpo – mundo sensível –, mas sim, pelo uso da parte superior da alma – mundo inteligível.