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Os teóricos Maurice Tardif, Clermont Gauthier, Selma Garrido Pimenta e António Nóvoa, assim como pesquisadores tais como Borges (2019), Azevedo (2007), Barros (2016), Cunha (2014), Chamorro (2015), por meio de estudos e/ou pesquisas sobre a docência, vêm apontando a necessidade do desenvolvimento de atividades formativas que tenham como perspectiva a construção de saberes docentes necessários à ati-vidade profissional dos professores. Neste sentido, argumentamos em favor da urgência do desenvolvimento de uma mudança de paradigma em relação aos processos formativos (BORGES, 2019), evidenciando que esses processos necessitam valorizar e priorizar a prática docente, tendo-a como ponto de partida e de chegada dos processos de formação docente (PIMENTA, 2005).

De acordo com Tardif (2002), os processos de formação devem es-tar fundamentados na construção e/ou mobilização de quatro categorias dos saberes docentes que necessitam ser desenvolvidos para qualificar a prática profissional do professor e prepará-lo para os desafios da prática cotidiana. Esses saberes caracterizam quatro importantes cate-gorias: saberes da formação profissional, saberes curriculares, saberes disciplinares e os saberes experienciais que precisam ser evidenciados nos processos formativos.

Pimenta (2005) propõe uma categorização um pouco diferente da categorização proposta por Tardif, destacando três categorias cen-trais: saberes da experiência, saberes do conhecimento e os saberes pedagógicos. A autora acrescenta, ainda, que no processo de formação inicial docente precisam colaborar para que o acadêmico se veja como um professor e construa a sua identidade docente.

Teorizando sobre a especificidade de atividade docente e os sabe-res necessários para exercê-la, Clermont Gauthier compreende que a profissão docente constitui-se em uma atividade que pressupõe saberes específicos e alerta para dois equívocos verificados nos processos de profissionalização docente: “de um ofício sem saberes e o de saberes sem ofício” (GAUTHIER, 2013, p. 28). Ademais, corroborando Pimenta (2005) e Tardif (2002) ao defender que “devemos levar em conta o contexto complexo e real no qual o ensino evolui, “senão os saberes isolados corresponderão à formalização de um ofício que não existe”

(GAUTHIER, 2013, p. 28), o pesquisador apresenta outra organização em relação à constituição de saberes que podem servir de parâmetro para o desenvolvimento de processos formativos, são eles: os saberes disciplinares, saberes curriculares, saberes das ciências da educação,

saberes da tradição pedagógica, saberes experienciais e os saberes da ação pedagógica.

Apresentamos a seguir, de forma sumarizada, as categorizações apresentadas por Tardif, Gauthier e Pimenta, bem como as suas prin-cipais características.

Quadro 1: Os saberes docentes segundo Tardif, Gauthier e Pimenta

1. Saberes da formação profissional (das ciências

1. Saberes disciplinares (a matéria) 4. Da tradição pedagógica (o uso) no cotidiano docente e socialmente acumulada) (construídos a partir da prática pedagógica) Fonte: Elaborado pelos autores a partir das categorizações dos saberes

docentes desenvolvidas por Tardif, Gauthier e Pimenta.

É possível identificar que, de um modo geral, as categorizações se aproximam em alguns aspectos e se diferenciam em outros. Por exemplo, Tardif (2002), Pimenta (2005) e Gauthier (2013) valorizam os saberes da experiência como categoria particular que se refere ao cotidiano docente, onde os professores não apenas validam e trans-mitem, mas são os próprios produtores. A respeito da especificidade desse saber, os autores consideram os saberes da experiência como um saber de “primeira mão”, ou seja, os professores são os protago-nistas na construção desta categoria de saber, enquanto nas demais, eles são apenas os transmissores de um conhecimento produzido por outros atores.

Além disso, os saberes disciplinares são evidenciados no estudo de Gauthier (2013) e Tardif (2002), enquanto que Pimenta (2005) propõe uma categoria denominada saberes do conhecimento, que aponta para

os três autores caracterizam uma categoria de saberes que se refere aos saberes desenvolvidos a partir das disciplinas do quadro disciplinar da formação inicial ou de outros processos formativos, sendo que esses saberes se referem aos “conhecimentos dos quais os professores são especialistas” (PIMENTA, 2005, p. 23). Esta categoria de saberes corresponde “aos diversos campos do conhecimento” (TARDIF, 2002, p. 38), referindo-se “aos saberes produzidos pelos pesquisadores e cien-tistas nas diversas disciplinas científicas... integrados à universidade sob a forma de disciplina, no âmbito de faculdades e cursos distintos”

(GAUTHIER, 2013, p. 29).

Outro ponto em comum nos trabalhos desses autores é a ênfase nos saberes curriculares, que se referem aos saberes que constituem os programas escolares, isto é, aqueles relacionados ao currículo, aos objetivos, conteúdos e métodos que são fundamentais a atuação docente (TARDIF, 2002). Esses saberes são organizados no contexto do ambiente escolar (ou por órgãos gestores competentes) transfor-mando-se “num corpus que será ensinado nos programas escolares”

(GAUTHIER, 2013, p, 30).

Os saberes da formação profissional apontados por Tardif (2002, p. 36) são aqueles saberes relacionados à articulação entre as ciên-cias e a prática docente, noutras palavras, são “o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições” por meio da formação docente onde o objetivo é incorporá-los a prática docente, tornando-a como prática científica, transformando-se em um tipo de tecnologia da aprendiza-gem. Em síntese, os saberes profissionais se referem aos saberes das ciências da educação e da ideologia pedagógica, que são evidenciados por Gauthier como sendo saberes profissionais específicos que em-bora não ajudem o professor diretamente a ensinar, “informam-no a respeito de várias facetas de seu ofício ou da educação de um modo geral” (GAUTHIER, 2013, p. 31).

Clermont Gauthier propõe outras duas categorias de saberes, os saberes da tradição pedagógica e os saberes da ação pedagógica. Os saberes da tradição pedagógica se referem saberes que são cristaliza-dos ao longo do tempo, como por exemplo, a maneira de dar aula e a representação da profissão docente que “serve de molde para guiar os comportamentos dos professores” (GAUTHIER, 2013, p. 32). Os saberes da ação pedagógica caracterizam os saberes experienciais dos profes-sores que se tornam públicos e são testados a partir de pesquisas com foco nos processos e nas práticas que envolvem a sala de aula.

A análise comparativa sobre as categorizações dos saberes docen-tes apresentadas anteriormente não teve o objetivo de evidenciar as

aproximações entre as categorias, embora sejam possível vislumbrá-las, mas sim, contribuir para a discussão e reflexão sobre a importância do desenvolvimento de saberes específicos que são fundamentais na formação da identidade docente.

Tendo em vista que a identidade profissional do professor é cons-truída, sobretudo, a partir dos seus saberes, dos significados sociais da profissão e a revisão dos significados sociais, das tradições e práticas consagradas, do “confronto entre as teorias e práticas, da análise sistemática das práticas a luz das teorias existentes, da construção de novas teorias”, consideramos que os processos de formação inicial e continuada precisam favorecer aos futuros professores e professores o desenvolvimento desses saberes. Por meio desses processos, os pro-fessores constroem também de seus valores, história de vida, saberes e suas representações (PIMENTA, 2005, p. 19).

Outro aspecto evidenciado pelos autores é o entendimento de que é preciso superar “a tradicional fragmentação dos saberes da docência”

(PIMENTA, 2005, p. 25), ou seja, ressignificar as atividades formativas supõe planejar os processos face às necessidades docentes tendo o con-texto profissional como base, bem como valorizar o desenvolvimento dos saberes docentes em um sentido mais conjunto, agrupado, conexo.

Obviamente, isto significa que desenvolver os saberes docentes de forma isolada é formalizar uma profissão que não existe (GAUTHIER, 2013).

Em síntese, os processos formativos são fundamentais no desen-volvimento de diferentes aspectos dos saberes docentes relacionados aos conteúdos, ao currículo escolar, às orientações legais, à didática, às ideologias pedagógicas, aos campos dos conhecimentos, ao cotidiano escolar, bem como aos significados sociais relativos à profissão, entre outras questões.

Essas oportunidades precisam ser contínuas na carreira docente, propiciando condições para o professor estabelecer um aprofunda-mento de ideias, saberes, conceitos, bem como confrontá-los à luz da teoria, da crítica e da prática. Consequentemente, oportunizando as condições precípuas para formação de uma nova identidade que con-diz com a essência da sua profissão que é o ato de ensinar, bem como o enfrentamento e a superação dos desafios relativos a essa profissão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revisão sobre os saberes docentes abordados por Maurice Tardif,

e/ou urgência de repensarmos o desenvolvimento de processos for-mativos que oportunizem aos professores condições de construção de saberes que são essenciais à prática profissional. Saberes que podem estar relacionados ao currículo escolar, as disciplinas e especialidades da formação acadêmica, as ideologias e a didática, a experiência, os conhecimentos profissionais, etc.

Embora as atividades formativas, tanto inicial quanto continuada, contribuem no desenvolvimento de diferentes aspectos dos saberes docentes, é importante ter a prática docente como ponto de partida e de chegada para o planejamento e desenvolvimento desses processos.

Isto quer dizer evitar dois grandes erros, isto é, o da predominância de saberes sem ofícios e de um oficio sem saberes. No entanto não significa ignorar a luz da teoria sobre essa prática. Ademais, um ofício feito de saberes pressupõe um ofício que reconheça que os saberes são constituídos de forma conjunta e conexa, pois “isolados corresponderão à formalização de um ofício que não existe” (GAUTHIER, 2013, p. 25).

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Maria Cristina de Carvalho Cascelli de. Os saberes docen-tes na ação pedagógica dos estagiários de música: dois estudos de caso. 2007. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

BARROS, Matheus Henrique da Fonsêca. Saberes docentes e tecno-logias digitais de informação e comunicação (TDIC) no curso de licenciatura em música da UFPE. 2016. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, Ceará, 2016.

BORGES, Adilson de Souza. Ensino de música e tecnologias digitais:

saberes desenvolvidos por professores dos anos iniciais a partir de uma atividade formativa. 2019. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, 2019. Disponível em: <https://rd.uffs.edu.br/

handle/prefix/3049>. Acesso em 31 jul. 2019.

BORGES, Adilson de Souza; RICHIT, Adriana. Os saberes docentes:

uma reflexão sobre a importância da construção de saberes docentes em atividades formativas. Anais do II Congresso de Educação. Universidade do Oeste de Santa Catarina. São Miguel do Oeste: Editora Unoesc, p. 35-36,

2019. Disponível em: < https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/cong-educ/

issue/view/390>. Acesso em 10 mai. 2020.

CUNHA, Sandra Mara da. Eu canto para você: saberes musicais de professores da pequena infância. 2014. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.

GAUTHIER, Clermont [et al]. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas sobre o saber docente. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2013.

PIMENTA, Selma Garrido (Org.) [et al]. Saberes pedagógicos e ativi-dades docente. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2005.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Pe-trópolis: Vozes, 2002.

ZAVAGLIA, Tércia. Critérios de validade científica nas ciências hu-manas. Educação Santa Maria, v. 33, n. 3, p. 469-480, set./dez. 2008. Dis-ponível em: <https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/85/59>.

Acesso em: 07 mai. 2020.

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