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Parte II – Fundamentação epistemológica – Informação, Comunicação e Tecnologia

Capítulo 2 – Informação

2.3. Competências para um mundo multimodal

2.3.3. Competências para a autonomia cidadã

Em artigo onde resume o resultado da pesquisa sobre alfabetização em informação que aplicou em professores de duas universidades australianas, a pesquisadora Christine Susan Bruce (2003) apresenta sete categorias (que chamou Sete Caras) em que foram agrupados, pelos entrevistados, os conceitos de Alfin: em torno da tecnologia da informação, da informação como processo, do controle da informação pelo usuário, a construção do conhecimento, a extensão do conhecimento e o saber. Nesta última categoria, diz a autora, o indivíduo faz a sábia utilização da informação/conhecimento a favor do coletivo, a partir da consciência ética e de valores. Trata-se da adoção de valores pessoais para o uso na relação com o outro.

Para Cuevas-Cerveró (2013), a formação de competências não diz respeito apenas à capacitação dos cidadãos no uso das tecnologias, mas, também, à formação permanente em direção à ideia de uma cidadania digital, ciber-cidadania ou e-cidadania, vinculadas à regulamentação de analisar direitos humanos e os direitos de cidadania para a sociedade da informação. A partir do viés dos Direitos Humanos, López e Samek (2011, p. 33) apontam como obstáculos à inclusão a pobreza informativa, a exclusão digital, a censura, o uso político das tecnologias, a desinformação, a manipulação dos meios de comunicação e a destruição da informação pública. Como fatores que propiciam a inclusão, López e Samek (2011) sublinham, no que consideram nível estratégico, a importância de impulsionar a revisão de políticas de informação que perpetuam a exclusão (econômica, jurídica, social ou política) de diversas populações, das cidades aos lugares mais remotos. Para eles, os excluídos são parte interessada no desenho das linhas da política de informação, quando o que se pretende é a inclusão crítica. Os autores referem-se mais especificamente à atuação dos bibliotecários e ressaltam que a inclusão digital deve estar estreitamente relacionada com o discurso sobre o direito à informação.

Ao analisar o contexto da formação de competências em informação por bibliotecas e universidades iberoamericanas, Uribe Tirado (2014) listou 75 lições aprendidas por profissionais destas instituições em programas de Alfin. Ele categorizou estas lições em quatro categorias: relativas ao contexto social e organizacional específico; aos processos de ensino e pesquisa; aos processos de aprendizagem; e aos processos de avaliação da qualidade e do melhoramento contínuo. Ainda que trate das questões específicas ao mundo acadêmico de Ibero-América, estas categorias são semelhantes para o planejamento da formação de competências em redes. Entre os resultados encontrados, ele ressalta que um programa deste tipo deve estar planificado e estruturado tanto no plano estratégico-administrativo, quanto no didático-pedagógico.

Em reflexão sobre a alfabetização em tempos de web 2.0, Area (2011, p. 10-11), doutor em pedagogia e catedrático em didática e investigação educativa, fala em alfabetizações para a cidadania digital. Ao tratar da questão, sob a perspectiva do ensino regular, o pesquisador de origem catalã há 25 anos radicado nas Ilhas Canárias observa que hoje os jovens têm acesso aos dados, na web, mas não conseguem fazer o arrazoado fundamentado sobre esses dados. Não se trata de “encher a cabeça” dos jovens de informação, diz, mas em ordenar e dar sentido a essa informação e ao conhecimento prévio com que esses jovens chegam à escola. As habilidades a serem desenvolvidas nos alunos, segundo o pesquisador são: saber buscar informação na internet; saber discernir e discriminar a

informação valiosa da irrelevante; ter a capacidade de analisar a informação e sintetizar com as próprias palavras de forma correta; saber transmitir e difundir a informação. O autor considera que a formação ou alfabetização nos novos códigos e formas comunicativas da cultura digital é bastante complexa e vai muito além da visão reducionista e mecanicista de que a alfabetização consiste em simples conhecimentos instrumentais. Essas análises de Area são transponíveis para outros ambientes, além do escolar, que envolvem o aprender a aprender, a formação permanente.

Area (2011) não renega o uso instrumental das tecnologias, também aprendido pelos indivíduos e propõe, a partir de extensa revisão de literatura, que essas destrezas/habilidades sejam ligadas à aquisição de competências relacionadas com busca, análise, seleção e comunicação de dados e informação, para que estes sejam transformados em conhecimento:

...a alfabetização na cultura digital supõe aprender a manejar os equipamentos, o software vinculado a eles, e o desenvolvimento de competências ou habilidades cognitivas relacionadas com a obtenção, compreensão e elaboração da informação, assim como o cultivo e o desenvolvimento de atitudes e valores que dêem sentido e significado moral, ideológico e político às ações desenvolvidas com as tecnologias. (AREA, 2011, p. 12)

Por esta perspectiva, que Area afirma ser “devedora” de Paulo Freire, a alfabetização deve representar a aquisição de recursos intelectuais necessários ao indivíduo para interagir com a cultura existente e para recriar esta cultura de um modo crítico e emancipador, ao mesmo tempo direito e necessidade dos cidadãos na sociedade da informação. Essa alfabetização será o desenvolvimento de processos dirigidos a qualquer sujeito, para que ele aprenda a aprender – adquira habilidades de auto-aprendizagem para o resto da vida; saiba enfrentar a informação – buscar, selecionar, elaborar e difundir a informação necessária e útil; possa qualificar-se profissionalmente para o uso das novas tecnologias; tenha consciência das implicações econômicas, ideológicas, políticas e culturais da tecnologia em nossa sociedade. (AREA, 2011, p. 12-13)

As habilidades e competências são estruturadas por Area (2011) em quatro dimensões formativas: instrumental, relacionadas com o uso de programas e equipamentos; cognitiva, que diz respeito à busca, coleta, avaliação, compreensão, recriação e comunicação da informação; sócio-comunicacional, ligada à produção (individual ou colaborativa) de textos de natureza diversa, com a comunicação fluida dessa produção com base em normas de

comportamento positivo na relação com o outro; axiológica, que diz respeito à tomada de consciência de que do ponto de vista social não há neutralidade nas tecnologias, na informação e na comunicação.

Mensurar habilidades e competências é parte do processo de diagnóstico para planejar, mas, isolada, sem acompanhamento, é informação de pouca valia. Neste sentido, o planejamento tem que ser permanente, transformado em acompanhamento, controle, avaliação:

… a avaliação pode ser concebida como parte do processo de aprendizagem social e do desenvolvimento da autonomia política dos cidadãos, construída por uma rede de relações compartilhadas de informações e conhecimentos sobre o programa, de maneira estruturada e qualificada. A avaliação oferece ferramentas essenciais desde a simples mensuração à negociação de juízos de valor, critérios, procedimentos e resultados para a construção de relações transformadoras … (BRANDÃO, 2009)

Pesquisadores brasileiros – especialmente os do GPCI e de grupos associados – em torno do tema de competência realizaram nos três últimos anos edições do Seminário de Competência em Informação: Cenários e Tendências para discutir estratégias comuns e troca de conhecimentos. Os três encontros ocorridos33 apontaram para três caminhos que precisam ser trilhados em conjunto no que se refere ao planejamento de ações de comunicação e de informação: a questão social e o papel das bibliotecas na educação; competência é direito fundamental da pessoa humana; e um contexto iberoamericano de desenvolvimento de pesquisas e troca de experiências e informações.