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Parte II – Fundamentação epistemológica – Informação, Comunicação e Tecnologia

Capítulo 2 – Informação

2.3. Competências para um mundo multimodal

2.3.5. Morin e os saberes necessários ao cidadão do século XXI

Enquanto Freire (1999) dá a dimensão estrita aos saberes necessários ao processo ensino/aprendizagem, para a formação de cidadão crítico, autônomo, Edgar Morin (2002) busca delinear a questão a partir do problema da relação com o mundo como ele se apresenta ao cidadão neste século XXI. O antropólogo, sociólogo e filósofo francês enumera sete saberes necessários à educação do futuro, e, como Freire, insere neste ensino a ética, o ser humano como parte de um planeta complexo, fragmentado e ao mesmo tempo apenas uma comunidade planetária. Para este modelo, os saberes enumerados por Morin (2002) devem ser inseridos no planejamento de ações de comunicação e de informação com foco na oferta de multialfabetizações para a cidadania. Eis um breve relato de quais são, e a que se referem, esses saberes:

1. O primeiro saber é o que Morin denomina cegueiras do conhecimento com a justificativa de que o conhecimento não é utensílio pronto para usar, e que ele sempre carrega o risco de erro ou ilusão. Por esta visão, o conhecimento não é espelho do mundo, mas a transposição desse mundo por construções cerebrais, que se dão pelos sentidos e são reconstruídas pelas linguagens, culturas, subjetividades e afetividades. Para o bem, ou para o mal.

2. O segundo saber, o dos princípios de um conhecimento pertinente ao século XXI, envolve aprender a inserir os problemas locais e parciais nos globais. Morin (2002) considera “enfermidade cognitiva” não ter conhecimento dos problemas-chave do mundo e que a era planetária necessita situar tudo no contexto e no complexo planetário, e depois compreender o local a partir de um ponto de vista de um mundo mais complexo. O problema vital para o cidadão

deste milênio, segundo Morin, é como fazer para adquirir o acesso às informações sobre o mundo e para adquirir a possibilidade de articulá-las e organizá-las, para perceber e conceber o contexto, o global (no todo e em suas partes), o multidimensional, o complexo. O pesquisador francês propõe como solução reformar o pensamento, o que na educação diz respeito à aptidão de organizar o conhecimento.

3. Ensinar a condição humana, o terceiro saber apresentado por Morin, é uma crítica às caixinhas de disciplinas em que a educação se meteu. Para ele, a essência de todo o ensino deve ser a condição humana: os humanos devem reconhecer-se na sua humanidade e reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo que é humano. É situar o humano no universo, como indivíduo, como sociedade e como espécie, uma vez que a complexidade humana não se compreenderia separada desses elementos que a constituem: “todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana” (MORIN, 2002, p. 59). A unidade da espécie humana, no planeta Terra, não deve apagar a diversidade e vice-versa. Neste saber reside a complexidade das relações humanas, nas diferentes formas que essas relações adquirem, formal ou informalmente, em organismos, organizações, colégios invisíveis, redes dos mais diversos tipos e interesses. 4. A identidade terrena, no contexto de mundialização da sociedade, é o quarto

saber apontado por Morin e tem por objetivo mostrar a inter-solidariedade humana, sem que por isso se esconda a existência de opressão e dominação. Morin alerta que estamos submersos pela complexidade do mundo e que as infindáveis informações sobre o mundo afogam as nossas possibilidades de inteligibilidade. Ainda que considere que esta mundialização é evidente, subconsciente e onipresente, aponta os antagonismos que desafiam esta identidade: diferenças entre nações; diferenças entre religiões; laicidade e religião; modernidade e tradição; democracia e ditadura; ricos e pobres; Oriente e Ocidente; Norte e Sul. Neste contexto ele insere, ainda, os interesses estratégicos e econômicos das grandes potências e das multinacionais com vocação para o lucro.

5. Afrontar as incertezas é o quinto saber de Morin, que ao tratar do tema traz uma dúvida carregada de pessimismo: não sabemos se a humanidade vive a agonia de um mundo velho, que anuncia um novo nascimento, ou se é uma agonia mortal. Para este enfrentamento das incertezas, defende Morin, o ensinar tem que se ancorar na história, com a clareza de que a evolução é organizada/desorganizada no processo de transformação ou de metamorfose por que passam os indivíduos, a sociedade, a humanidade.

6. Ensinar a compreensão é meio e fim da comunicação humana, vital para que as relações humanas saiam do estado bárbaro da incompreensão, diz Morin. O sexto saber relaciona-se com o estudar a incompreensão em suas raízes, modalidades e efeitos, que são a causa de sua existência. Ainda que localizando este saber na comunicação, Morin garante que nenhuma técnica, neste campo, pode reduzir a incompreensão humana. Para ele, este é o papel espiritual da educação, que deve inserir esta questão em dois pólos: o planetário, que se refere à compreensão entre humanos; e o individual, que se refere às relações privadas entre próximos. Os obstáculos à compreensão, segundo o autor: ruído, polissemia, ignorância de ritos, incompreensão de valores imperativos de outras culturas, incompreensão dos imperativos éticos, impossibilidade de compreensão de uma estrutura mental. Também são obstáculos a indiferença, o egocentrismo, o etnocentrismo e o sociocentrismo, que consideram o que é estranho ou afastado como algo secundário, insignificante, hostil.

7. O sétimo saber diz respeito à ética, que, para Morin deve se localizar no gênero humano, na qualidade de antropoética, em que o ser humano é três coisas – indivíduo, sociedade e espécie – que são inseparáveis e interferem uma na outra. A ética do gênero humano, de que fala Morin, é uma ética que sai do âmbito da moral e tem duas finalidades políticas: de controle mútuo entre sociedade e indivíduo, por meio da democracia; de concepção da humanidade como uma sociedade planetária. Descartada como ditadura da maioria sobre as minorias, democracia supõe, neste contexto desenhado por Morin, a diversidade: de interesses e de ideias. Para o autor, a democracia pede consensos, e necessita diversidade e antagonismos.

2.4. Formar competências para um mundo multimodal, parte da ação comunicativa

A partir destas premissas, propõe-se que estes saberes sejam inseridos como parte do planejamento para a ação comunicativa e de informação em redes sociais em ambientes digitais. São a base que orienta o levantamento de informações para o diagnóstico da rede. Estes saberes podem se dar nas quatro dimensões formativas apontadas por Area (2011) e devem ser orientados para que o sujeito aprenda a aprender. O planejamento pode assentar-se em cinco tópicos, que reúnem e resumem Freire (1999) e Morin (2002), como apresentado na Quadro 2

Quadro 2 – Planejar para o entendimento a partir de Freire e Morin. Ética e estética do gênero

humano

Ética do gênero Humano; ética/ estética a ética no exemplo

Construção do

Conhecimento A pesquisa para construir o conhecimento; o conhecimento no século XXI Ensinar/aprender para o

entendimento Ensinar/aprender para a compreensão; a partir da condição humana; com a compreensão da identidade terrena; com respeito ao saber do outro; com reconhecimento das identidades e diferenças culturais

Riscos do conhecimento pela aceitação/rejeição do novo/velho; as cegueiras do conhecimento

Crítica e rigor Criticidade; rigorosidade metódica; reflexão sobre a prática; afrontar as incertezas