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As propostas de Edgar Morin, a respeito do paradigma, do pensamento e do conhecimento complexos são oriundas de várias teorias das quais o conceito de Complexidade é o mais expressivo. Surgiu na Ciência com o desenvolvimento da física quântica, da teoria da informação, da cibernética, da teoria dos sistemas, do conceito de auto-organização da biologia do século XX. Em termos gerais, Complexidade significa ‘aquilo que é tecido junto’ (MORIN, 2007). Mas não se resume a isto, pois este significado modifica toda a maneira de como se compreende o ser e a realidade na qual se vive, a maneira de como se pensa, constrói e organiza o conhecimento e a maneira como se age e desenvolve as atividades em geral.

Além disso, as discussões propostas por estas novas ciências revelaram que o paradigma da simplificação – baseado nos princípios da disjunção, da fragmentação, da simplificação – não dava mais conta de resolver os novos desafios encontrados. Com base nessas mudanças, uma das questões que Morin apresenta são suas ideias acerca do paradigma que emerge, o Paradigma da Complexidade.

Para iniciar a travessia por sua compreensão da palavra paradigma, apresento alguns conceitos, presentes em sua obra Introdução ao Pensamento Complexo:

Qualquer conhecimento opera por seleção de dados significativos e rejeição de dados não significativos; separa (distingue ou disjunta) e une (associa, identifica), hierarquiza (o principal e o secundário) e centraliza (em função de um núcleo de noções chaves). Estas operações, que se utilizam da lógica, são de fato comandadas por princípios ‘supralógicos’ de organização do pensamento ou paradigmas, princípios ocultos que governam nossa visão das coisas e do mundo sem que tenhamos consciência disso. (MORIN, 2007, p. 10) A palavra paradigma é constituída por certo tipo de relação lógica extremamente forte entre noções-mestras, noções-chaves, princípios- chaves. Esta relação e estes princípios vão comandar todos os propósitos que obedecem inconscientemente seu império. (MORIN, 2007, p. 59) Um paradigma é um tipo de relação lógica (indução, conjunção, disjunção, exclusão) entre certo número de noções ou categorias mestras. Um paradigma privilegia certas relações lógicas em detrimento de outras, e é por isto que um paradigma controla a lógica do discurso. O paradigma é uma maneira de controlar ao mesmo tempo o lógico e o semântico. (MORIN, 2007, p. 112)

Dessas definições, podemos extrair relações com outros conceitos importantes, (a) o paradigma desempenha, ao mesmo tempo, papel subterrâneo e soberano em qualquer teoria, doutrina e ideologia; (b) os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles; (c) é inconsciente, mas irriga o pensamento consciente, controla-o e, nesse sentido, é também superior à consciência.

Podemos perceber que Morin estabelece forte ligação entre as noções de paradigma e de pensamento. Cabe ressaltar que “se o paradigma rege os usos metodológicos e lógicos, o pensamento deve vigiar o paradigma” (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009, p. 38) e que o Pensamento Complexo não é uma nova lógica. Ele precisa da lógica aristotélica, mas necessita também transgredi-la, colocando em evidência outros modos de se usar a lógica. Para tanto, as operações lógicas que regem essas noções são: distinguir (diferenciar) sem disjungir (separar) e de associar sem reduzir. Então, para compreender que paradigma é esse, faz-se necessário compreender como esse pensamento é regido por estas lógicas e quais as características o compõem.

Que pensamento é esse?

Morin nos convida a refletir: há sempre a necessidade de se pensar assim, de forma complexa (tecida em conjunto), quando nós precisamos articular, relacionar, contextualizar (e isso ocorre quase sempre!).

Para ele, pensar significa construir uma arquitetura de ideias em movimento. E por ser complexo, possui várias características, como: (1) está aberto ao

inesperado e é capaz de rever as teorias e ideias para ser capaz de recebê-lo; (2) não recusa de modo algum a clareza, a ordem, o determinismo. Mas considera-os insuficientes, pois sabe que não se pode programar a descoberta, o conhecimento nem a ação; (3) reconhece e examina os fenômenos como sendo multidimensionais; (4) reconhece e trata as realidades que são ao mesmo tempo solidárias e conflituosas; (5) respeita as diferenças e reconhece a unicidade; (6) distingue noções e as une, ao mesmo tempo; (7) é capaz de se desdobrar em uma ética da união e da solidariedade em humanos; (8) é capaz de não se fechar no local e no particular, mas de conceber conjuntos; (9) favorece o senso de responsabilidade e Cidadania; (10) pressupõe o reconhecimento dos princípios de incompletude e de incerteza; (11) é um pensamento que liga, que enfrenta a incerteza, que reata, articula, compreende e, que por sua vez, desenvolve sua própria autocrítica; (12) reconhece uma causalidade circular e multirreferencial; (13) reconhece a necessidade de integração do observador e do conceptor em sua observação e em sua concepção; (14) não resolve por si só os problemas, mas se constitui em uma estratégia para resolvê-los; (15) reconhece o estado transitório e quase esquemático de todo conceito; (16) não despreza o simples, mas critica a simplificação; (17) é rotativo, em espiral; (18) deve realizar a rotação da parte para o todo e do todo para a parte, do objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto; (19) supõe um duplo jogo: simplificar/complexificar; (20) é lógico, mas reconhece o movimento inevitável do pensar e da imaginação; (21) tem a ambição de dar conta das articulações entre os campos disciplinares; (22) é multidimensional e aspira um conhecimento também multidimensional, mas sabe que o conhecimento completo é impossível; (23) o pensamento deve ser feito por meio de macroconceitos, ou seja, por meio da associação de conceitos/noções até então separados, por vezes antagônicos; (24) tem como princípios lógicos necessariamente a disjunção (separação), a conjunção (união) e a implicação (encadeamento).

Além disso, o pensamento deve enfrentar o emaranhado das retroações, a solidariedade dos fenômenos, a incerteza, a contradição. Para tanto, Morin (2010a) propõe alguns princípios que orientam esta aventura. Não são princípios simplesmente justapostos, são necessários uns aos outros, ou ainda, são distintos e complementares.

Aponta sete operadores cognitivos ou princípios metodológicos para um pensamento que une, ou seja, um Pensamento Complexo, que resumidamente são: (1) princípio sistêmico ou organizacional – compreende que a soma das partes é maior e menor do que o todo; (2) princípio hologramático – compreende que a parte está representada no todo e o todo está representado na parte; (3) princípio da autonomia/dependência – compreende a relação de auto-eco-organização, evidencia que, para manter sua autonomia, qualquer organização precisa realizar trocas com o meio que a nutre e ao qual transforma; (4) princípio do circuito retroativo – compreende que a causa influencia no efeito que influencia novamente sobre a causa; (5) princípio do circuito recursivo – compreende que os produtos são necessários para a própria produção do processo, dinâmica autoprodutiva e auto-organizacional; (6) princípio dialógico – compreende que os opostos são indissociáveis, inseparáveis em uma mesma realidade; (7) princípio da reintrodução do sujeito cognoscente em todo o conhecimento – compreende que é necessário reintroduzir o papel do sujeito observador em todo o conhecimento. Estes princípios serão mais detalhados no item Pesquisa baseada na Complexidade e na Transdisciplinaridade.

Dentro da noção de paradigma e de Pensamento Complexos, aparece clara uma outra concepção: conhecimento. A relação entre o pensamento e o conhecimento, ambos complexos, pressupõe que, para este pensamento, o caminho do conhecimento nunca termina; enfatiza-se a humanidade do conhecimento; compreende-se que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes; reconhece que o Pensamento Complexo deve ser capaz de unir e solidarizar conhecimentos separados. Destacando essa relação entre pensamento e conhecimento, Morin afirma:

O Pensamento Complexo também é animado por uma tensão permanente entre a aspiração de um saber não fragmentado, não compartimentado, não redutor, e o conhecimento do inacabado e da incompletude de qualquer conhecimento. (MORIN, 2007, p. 7)

Que conhecimento é esse?

O conhecimento, como fruto da atividade do pensamento, regido pelo paradigma, – todos complexos – reconhece como válido o princípio de Blaise Pascal:

Como todas as coisas são causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas e todas são sustentadas por um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero

impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes. (MORIN, 2010a, p. 88) Esse princípio convida à compreensão de um conhecimento em movimento que: (1) progride indo das partes para o todo e do todo para as partes; (2) comporta o erro e a ilusão; (3) comporta a integração do conhecedor em seu conhecimento; (4) desenvolve teorias abertas, racionais, críticas, reflexivas, autocríticas e aptas a reformar-se; (5) da mesma forma que a organização viva, deve ser, ao mesmo tempo, aberto e fechado; (6) reconhecer as disciplinas e as ideias como tecidos em conjunto; (7) é, ao mesmo tempo, tradução e reconstrução do mundo exterior e comporta interpretação.

Nesse sentido, ao analisar o conhecimento científico, reconhece que ele é um poderoso meio de detecção de erro e de luta contra as ilusões. Mesmo assim, os paradigmas, que controlam a Ciência e a produção do conhecimento, também podem desenvolver ilusões. Por isso, nenhuma teoria está imune ao erro. Além disso, Morin apresenta uma nova compreensão sobre a objetividade científica. Ele não a vê mais como um dado e, sim, como um produto, pois nós “somos produtores dos objetos que conhecemos; cooperamos com o mundo exterior e é esta co- produção que nos dá a objetividade do objeto” (MORIN, 2007, p. 111).

Paradigma, pensamento e conhecimento nutridos pela Complexidade são três conceitos que não podem ser revelados um sem o outro, apesar de ser possível distingui-los individualmente. Além disso, estabelecer o adjetivo ‘complexo’ a todos eles agrega uma série de outras noções, de outros conceitos, como incerteza, abertura, reflexão, multidimensionalidade, articulação, ligação, entre outros, que interagem na construção de cada um dos conceitos referidos, qualificando-os particularmente.

Sob a ótica da Complexidade, falar de paradigma implica em falar de pensamento, que implica em falar de conhecimento, que implica em falar de paradigma e assim segue em um movimento em espiral, estabelecendo uma causalidade circular e recursiva.

O paradigma para que seja complexo, segundo Morin, é necessário que reconheça o pensamento, as realidades, os conhecimentos, as relações e os fenômenos como tecidos em conjunto, além de permitir distinguir (diferenciar) sem disjungir (separar) e de associar sem reduzir.