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A narrativa permite um discurso mais ligado à vida, às vivências, à experiência e, também, por sua vez, pode envolver com naturalidade a expressão dos pensamentos, dos sentimentos, dos desejos das pessoas implicadas na investigação... Isso supõe um desafio para os padrões acadêmicos. (Remei Arnaus, no Epí(dia)logo do livro Déjame que te cuente) Após interlocuções com os professores da Universidade de Barcelona: José Contreras, Remei Arnaus, Montse Ventura e Jorge Larrosa32, sobre minhas dúvidas

32 Interlocuções presenciais realizadas no período do Doutorado-sanduíche na Universidade de Barcelona, sob a orientação da Professora Núria Lorenzo – de abril de 2014 a março de 2015. Tais encontros tiveram a intenção de dialogar sobre minhas dúvidas e inquietações metodológicas a respeito da construção da narrativa da minha tese. Os professores José Contreras e Jorge Larrosa e as professoras Remei Arnaus e Montse Ventura foram escolhidos por terem pesquisas e escritos sobre narrativa e experiência educativa disponíveis, também, nas publicações Investigar la

experiência educativa (CONTRERAS; PÉREZ DE LARA, 2010) e Déjame que te cuente: ensayos sobre narrativa y educación (LARROSA, 2008).

e inquietações metodológicas a respeito da construção da narrativa da minha tese, me aproximei das ideias sobre narrativa e investigação narrativa da pesquisadora Jean Clandinin e do pesquisador Michael Connelly (CLANDININ, 2013; CONNELLY; CLANDININ, 2008; CLANDININ; CONNELLY, 2000), que me clarearam princípios e possibilidades para a construção do meu caminho narrativo autoformativo.

Clandinin e Connelly compreendem a investigação narrativa como uma metodologia de pesquisa e uma forma de compreender uma experiência narrativamente. Esta proposta metodológica emergiu dos seus estudos desenvolvidos a respeito do ensino e do conhecimento do professor, com a vida na sala de aula, com a vida nas escolas e com a vida em outro panorama educacional (CLANDININ; CONNELLY, 2000). Foi a maneira que construíram para estudar o conhecimento experiencial dos professores, o qual concebem como um “conhecimento pessoal, prático e conformado por e expressado na prática” (CLANDININ, 2013, p. 9).

A razão principal para o uso da narrativa na investigação educativa é que nós, seres humanos, somos organismos contadores de histórias, organismos que, individual e socialmente, vivem vidas relatadas. O estudo da narrativa, portanto, é o estudo da forma pela qual nós, seres humanos, experimentamos o mundo. (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 11)

Aqui, a experiência é um termo chave, pois entendem que “Educação e estudos educacionais são formas de experiência” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 18) e propõe que a melhor forma de representar e de entender a experiência é por meio da narrativa. Compreendem também que a experiência acontece narrativamente, então a investigação narrativa é a forma da experiência narrativa. Sendo assim, indicam que a experiência educacional pode ser estudada narrativamente.

Experiência é o que nós estudamos e nós a estudamos narrativamente porque o pensamento narrativo é a forma chave da experiência e a forma chave de escrever e pensar sobre isso. Na realidade, o pensamento narrativo é parte do fenômeno da narrativa. Poderíamos dizer que o método narrativo é uma parte ou aspecto do fenômeno narrativo. Então, nós dizemos que narrativa é, ambos, o fenômeno e o método das ciências sociais (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 18).

Definem a natureza da experiência, a partir de John Dewey, como sendo: pessoal e social, ao mesmo tempo. Pessoas são indivíduos e precisam ser compreendidas como tal. Mas, estão sempre em relação e em interação, sempre em um contexto social. Outra característica da experiência é continuidade/ temporalidade, ou seja, “experiências crescem para além das outras experiências e

experiências levam a novas experiências”. Independente de onde nos posicionarmos nesse continuum, sempre teremos uma base de experiências no passado e seremos direcionados para uma experiência no futuro, portanto é situada no tempo e em um contexto individual e social. Dessa forma, eles pensam a Educação como sendo formada por uma história, “que está sempre mudando e que sempre está indo para algum lugar” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 2). Comentam que o trabalho de Dewey lhes forneceu um pensar sobre a experiência para “além da caixa-preta” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 50), que vai para além da noção de experiência como algo irredutível de tal modo que não se possa examiná-lo.

Definem narrativa como o fenômeno que se investiga e como metodologia de investigação. Compreendem que narrativa é a “qualidade que estrutura a experiência que será estudada e é também o nome dos padrões de investigação que serão utilizados para o seu estudo”. Sendo assim, para preservar essa distinção, propõe chamar o fenômeno de a “história” ou “relato”, e a investigação de “narrativa”. Pelo fato de a narrativa ser a forma de caracterizar os fenômenos da experiência humana, consideram seu estudo “apropriado para muitos campos das ciências sociais” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 12).

Em estudos nos quais pesquisadores e praticantes são pessoas diferentes, Connelly e Clandinin (2008), para iniciar um processo de investigação narrativa, ressaltam que as questões éticas e de negociação da entrada em situação de campo são muito importantes de serem garantidas e cuidadas pelo pesquisador, de maneira semelhante também nos indicam Gastón Pineau (2006), Marie-Christine Josso (2004; 2010) e Patrick Paul (2013), quando falam das questões éticas da pesquisa com história de vida.

A investigação narrativa é um tipo de investigação colaborativa e se constitui em uma “relação”, ou seja, pela “interpenetração de duas ou mais esferas pessoais de experiências”. Nesta relação entre pesquisador e praticantes, a investigação se constitui também de “comunidade de atenção mútua”, que significa dizer “quando ambos, investigadores e praticantes, contam suas histórias sobre sua relação na investigação, é muito possível que sejam histórias que se refiram à melhora de suas próprias disposições e capacidades (empoderamento – empowerment)”. Os dois são membros dessa comunidade que tem valor para ambos e que considera o valor de ambos. (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 19)

Com base em Hogan (1988), Connelly e Clandinin (2008, p. 19-20) apresentam como elementos importantes para a relação de investigação: “igualdade entre os participantes, a situação de atenção mútua e os sentimentos de conexão”. Ressaltam, particularmente para a investigação narrativa, a importância de “um certo sentido de igualdade entre os participantes” na qual todos – investigadores e praticantes – devem ter voz dentro dessa relação.

Na investigação narrativa é importante que o investigador escute primeiro a história do praticante e o praticante quem primeiro conta sua história. Mas isto não quer dizer que o investigador permaneça em silêncio durante o processo da investigação. Quer dizer que, ao praticante, a quem durante muito tempo foi silenciado na relação de investigação, se está dando o tempo e o espaço para que conte sua história, e para que sua história ganhe autoridade e validade que tiveram sempre os relatos de investigação. (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 21)

Os autores também compreendem a investigação narrativa como um processo de colaboração que permite e requer a mútua explicação e reexplicação de história ao longo do caminho da investigação, onde todos tenham voz para contar suas histórias. Neste processo de construção dessa história compartilhada da investigação narrativa, “o investigador tem que ser consciente de estar construindo uma relação em que ambas as vozes possam ser ouvidas” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 22). Por ser construída nessa relação entre sujeito pesquisador e sujeito pesquisado e por ambos terem sua voz considerada, respeitada e representada, em um contínuo processo de construção e reconstrução, em uma causalidade circular, percebo que a narrativa reintroduz ambos os sujeitos envolvidos no processo de conhecimento, conforme a Complexidade nos indica via operador cognitivo reintrodução do sujeito cognoscente (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009; MORAES;VALENTE, 2008), que enfatiza a necessidade de reintroduzir o papel do sujeito observador em todo o conhecimento, epistemologicamente e metodologicamente.

Dessa maneira, a investigação narrativa tenta dar conta dos múltiplos níveis “temporalmente simultâneos e socialmente interativos” que estão em jogo durante a realização de uma investigação narrativa (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 22).

[...] a pessoa está vivendo suas histórias em um contínuo contexto experiencial e, ao mesmo tempo, está contanto suas histórias com palavras enquanto refletem sobre suas vivências e as explicam para os demais. Para o investigador, isto é parte da Complexidade da narrativa, porque a vida é uma questão de crescimento rumo a um futuro imaginário e, por tanto, implica recontar histórias e tentar revivê-las. Uma mesma pessoa está

ocupada, ao mesmo tempo, em viver, em explicar, em re-explicar e em re- viver histórias. (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 22)

Em uma investigação narrativa, ao ser capaz de ver e de escrever relatos sobre experiências diárias dos praticantes (professores, alunos, administradores etc), os autores Clandinin e Connelly nos indagam com perguntas para serem refletidas durante o processo de pesquisa: “Até qual distância temos que ir em uma investigação do passado e do futuro dos participantes? Quais esferas da comunidade devem ser indagadas e até qual grau de profundidade social deve se desenrolar a investigação?” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 22). Nesse sentido, creio ser importante ao longo da narrativa, refletir e responder a estes questionamentos.

Como nós, investigadores, fazemos parte do processo de investigação de uma investigação narrativa, o processo se torna mais complexo no qual, graças à própria investigação, as narrativas dos praticantes e do investigador se tornam “uma construção e re-construção de uma narrativa compartilhada” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 23). Compreendo, aqui, que elas se tornam um tecido conjunto (MORIN, 2007) de realidades, vozes e histórias, ou seja, uma narrativa compartilhada de natureza complexa.

Semelhante à abertura, ao uso e à integração de multi-metodologias, sejam elas qualitativas ou quantitativas, da Complexidade e da Transdisciplinaridade (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2009; MORAES; VALENTE, 2008), na construção imbricada entre participante e investigador, em uma investigação narrativa, várias formas de geração de dados podem ser utilizadas, como:

[...] notas de campo da experiência compartilhada, anotações em diários, em transcrições de entrevistas, em observações de outras pessoas, em ações de contar relatos, de escrever cartas, de produzir textos autobiográficos, em documentos (como planos de aula e boletins), em materiais escritos como normas ou regulamentos, ou por meio de princípios, imagens, metáforas, filosofias pessoais. (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 23)

E como escrever a narrativa?

Connelly e Clandinin (2008) comentam que nem sempre é claro quando se começa a escrita do estudo. Às vezes, temos a impressão de começar a escrita na entrada em campo durante as discussões com os praticantes, ou até mesmo quando se formularam as primeiras ideias para o estudo. Inclusive os vários materiais produzidos ao longo da investigação podem aparecer, em detalhes, como partes importantes do documento final. Relatam que, até o rascunho final, a geração de

dados e a escrita vão se encontrando e se imbricando. “Não é absolutamente claro quando acaba a geração de dados e quando começa a escrita” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 31). Mas ressaltam que é importante que o investigador, desde o início, tenha consciência de onde se deseja chegar e dos seus objetivos, mesmo que estes se modifiquem no percurso.

Estruturando a narrativa: o cenário e a trama

Como forma de estruturar a narrativa, os autores propõem que se defina o tempo (trama) e o espaço (cenário) nos quais ela irá se desenrolar. “O tempo e o espaço, a trama e o cenário, trabalham juntos para criar qualidade experiencial da narrativa” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 35)

Definem como cenário: “o lugar onde a ação ocorre, onde os personagens se formam, onde vivem suas histórias, e onde o contexto social e cultural tem o papel de constranger ou de permitir” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 36). Na escrita do relato, ambiente físico e humano devem estar em harmonia com o contexto, que pode estar composto pelos ambientes físicos e humanos diferentes da sala de aula, por exemplo. “Estabelecer o contexto do cenário pode ser mais problemático para o escritor que desenhar os outros dois componentes porque o contexto está ‘fora da vista’ e requer buscas ativas durante a geração de dados” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 37). Os autores comentam que cenários compostos por personagens, ambientes físicos e contextos são elementos essenciais para a narração.

A trama é definida como o tempo no qual a narrativa acontece e tem como estrutura básica: passado, presente e futuro. Os autores explicam que “diferentes tipos de dados tendem a fortalecer estas diferentes localizações temporais” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 38), por exemplo, relatos e biografias tendem a estar situados no passado; fotografias e entrevistas tendem a estar situadas no presente; e cartas, diários e observação participativa tendem a estar situados no futuro.

Sugerem, então, que no início da narrativa se apresente um esquema

narrativo que ofereça uma ideia da investigação em sua globalidade, permitindo ao

leitor fazer uma avaliação descritiva geral. Este esquema deve ser composto por “descrições gerais do cenário e da trama, alguns esboços dos personagens-chave, os espaços principais e os acontecimentos fundamentais que figuram na narrativa.

Um esquema narrativo pode ser chamado de um lingote de tempo e espaço” (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 46).

Uma consideração que os autores fazem em relação à narrativa é seu caráter de inacabamento. Apesar do documento escrito parecer definitivo e permanente, devido à qualidade de “criação contínua de novo significado” de uma narrativa (CONNELLY; CLANDININ, 2008, p. 40), os autores comentam que, como a vida, a narrativa é sempre inacabada, é um contínuo desenrolar no qual “as intuições narrativas de hoje serão os acontecimentos cronológicos de amanhã”, pois as histórias podem sempre ser recontadas e as vidas sempre revividas, uma ou outra vez sempre de novas formas. Nesse sentido de inacabamento, Morin (2007) também situa a incompletude de qualquer conhecimento produzido e, junto com Ciurana e Motta (2009, p. 40), comentam que “[...] uma obra complexa não deve dissimular seu inacabamento, mas revelá-lo”.

O espaço tridimensional da Investigação Narrativa

A partir das noções de experiência de John Dewey – situação, continuidade e interação – Clandinin e Connelly (2000) definem um espaço tridimensional de

pesquisa onde a investigação narrativa ocorre e que permite ao pesquisador

caminhar em quatro direções – para dentro (inward), para fora (outward), para trás (backward) e para frente (forward) – de maneira situada neste espaço.

Com este sentido deste espaço fundado por Dewey em nosso pensar sobre investigação narrativa, nossos termos são pessoal e social (interação); passado, presente e futuro (continuidade); combinado com a noção de local (situação). Este conjunto de termos cria um metafórico espaço tridimensional da investigação narrativa na qual a temporalidade é uma direção, o pessoal e o social é a segunda direção e o local é a terceira dimensão. [...] Por para dentro, nós entendemos em direção a condições internas, como os sentimentos, as expectativas, reações estéticas e disposições morais. Por para fora, nós entendemos as condições existenciais, que são o ambiente. Por para frente e para trás, nós nos referimos à temporalidade – que é passado, presente e futuro. [...] nós incluímos a dimensão local, dentro do ambiente. Agora nós acreditamos que é preferível ver o local como o terceiro termo, que tenta especificar de maneira concreta as fronteiras físicas e topológicas do cenário de pesquisa. (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 50-51 – grifos dos autores)

Tendo como referência este espaço tridimensional, os autores compreendem que os estudos têm uma dimensão temporal e estão endereçados a problemas situados e datados e devem focar no equilíbrio entre o pessoal e o social e que ocorrem em locais específicos ou sequências de locais específicos. Por tanto, os

investigadores devem situar seus estudos e a si mesmos neste espaço. Percebo aqui proximidade com as compreensões de Moraes e Valente (2008) quando nos dizem que o conhecimento produzido na pesquisa é pessoal, datado e dependente das relações que o sujeito estabelece com o objeto de estudo.

Do campo de pesquisa para os textos de campo

Clandinin e Connelly (2000) entendem que o termo dados “tende a carregar com ele a ideia de representação objetiva da experiência de pesquisa” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 93). Sendo assim, propõe o termo textos de campo, porque “eles são criados, e não encontrados ou descobertos, pelos participantes e pesquisadores para representar aspectos da experiência de campo” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 92).

Por meio destes materiais, contamos as nossas e as histórias dos outros com propósitos de pesquisa. Destacam que os mesmos também podem registrar e dizer muito sobre o que não é dito, sobre aspectos poucos visíveis ou até invisíveis. Os textos de campo podem preencher espaços criados pela memória, então devem ser bem detalhados, trazendo informações temporal, espacial, pessoal e social do(s) momento(s) que representam.

Entre alguns exemplos de textos de campo, citam: escritos autobiográficos, escritos de periódicos, notas de campo, cartas, conversas, entrevistas de pesquisa, histórias familiares, histórias de docência, documentos, fotografias, caixas de memórias e experiência de vida.

Dos textos de campo para os textos de pesquisa

Os textos de pesquisa são os textos finais narrativos da investigação que serão publicados, transformados em dissertações, teses e artigos. A transição de textos de campo para textos de pesquisa é vista como uma atividade complexa, por existirem muitos aspectos e dimensões a serem considerados. Não é considerada uma transição suave, onde uma pessoa simplesmente reúne os textos de campo, classifica-os, analisa-os e pronto.

Textos de campo tem um vasto e rico potencial de pesquisa. Nós retornamos a eles várias e várias vezes, trazendo nossas próprias vidas recontadas como investigadores, trazendo novos quebra-cabeças de pesquisa, e re-pesquisamos os textos. (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 132)

Para fazer esta transição, os autores Clandinin e Connelly (2000) perguntam pelo significado, significância social e propósito da pesquisa. São questões importantes desde quando a pesquisa começa, mas quando fazem a transição de textos de campo para textos de pesquisa questões como “Quem se importa?” e “E daí?” retornam. Apresentam outras perguntas orientadoras: Como nós sabemos que o nosso interesse de pesquisa é mais do que pessoal e mais do que trivial? Como nós sabemos se alguém irá se interessar? Nossa pesquisa fará diferença? Após ter alertado sobre a necessidade do investigador narrativo explicitar em seu trabalho o significado, a significância e o propósito de seu estudo (Quem? Por quê? O quê? Como? Qual contexto? Para quem?), apresentam algumas considerações práticas sobre a transição dos textos de campo para os textos de pesquisa.

Neste momento, destacam que deve haver certo distanciamento entre o pesquisador e os participantes para que o foco do pesquisador seja mais diretamente na leitura e releitura dos textos de campo para começar a compor os textos de pesquisa. Isso não significa que a relação com os participantes tenha terminado, mas muda de intensidade para que as histórias recontadas possam ser transformadas nos textos de pesquisa.

Sobre a análise e a interpretação, comentam que é bastante comum que uma investigação narrativa seja composta por muitos textos de campo e que é necessário lê-los e organizá-los, pois para saber o que fazer com todos esses materiais, é importante saber o que há neles. Para tanto, sugerem que se codifiquem entradas dos periódicos, das notas de campo, dos documentos e todo o resto, como datas, contextos, pessoas envolvidas. “Um investigador narrativo gasta muitas e muitas horas lendo e relendo textos de campo com o objetivo de construir uma crônica ou um sumário do que está contido nos diferentes grupos de textos de campo” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 131). Podemos também mapear os nomes das pessoas que aparecem nos textos de campo, lugares onde as ações e eventos ocorreram, linhas de história que interconectam os materiais, tensões que emergem, continuidades e descontinuidades etc.

No geral, textos de campo não tendem a ser reflexivos, tendem a ser mais descritivos, pois estão mais próximos da experiência. Esta característica deve ser contemplada nos textos de pesquisa. Comentam que, nesta transição, podem ser escritos vários textos intermediários, situados entre os textos de campo e o texto

final. Outro aspecto destacado é a importância do posicionamento do estudo e dos textos de pesquisa em seu contexto social e teórico e no espaço tridimensional da pesquisa, de maneira a compor “um texto que imediatamente olhe para trás e para frente, olhe para dentro e para fora e situe a experiência no local” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 140). A última consideração que os autores fazem é sobre o tipo de texto que se pretende escrever, pois há várias formas de se representar os textos de pesquisa.

Para tanto, é importante que os pesquisadores, sem especificar demais ou se limitar, devem imaginar a forma final do texto dissertativo. Recomendam que se imaginem os possíveis capítulos ou partes. Mas, ressaltam que no processo de escrita a forma muda e cresce, em uma visão orgânica deste trabalho de redação. É importante que se tenha em mente um equilíbrio entre “tensões da escrita no espaço tridimensional da investigação narrativa, da escrita de maneira que capture narrativamente as experiências de campo, e de equilibrar isto tudo com a audiência” (CLANDININ; CONNELLY, 2000, p. 154).

Os textos narrativos podem ter partes compostas por ricas descrições de pessoas, lugares e coisas. Podem ter outras partes que apresentam cuidadosamente os argumentos construídos que apresentem certo entendimento das relações entre pessoas, lugares e coisas. Podem também ter outras partes que contenham as narrativas detalhadas das pessoas situadas no local, no tempo, na cena, no contexto.

Para definir a forma dos textos de pesquisa, Clandinin e Connelly recomendam a leitura de outras dissertações narrativas e livros, a busca por metáforas, a percepção das suas próprias referências de leitura, a experimentação com as formas e com a escrita e o diálogo com colegas ou grupo de estudo com