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Por ser um processo de pesquisa e de formação ao mesmo tempo, orientado “por um projeto de conhecimento coletivo e individual, associado a um projeto de formação existencialmente individualizado (JOSSO, 2004, p. 85 – grifos da autora), é uma metodologia aberta à experiência que oferece um procedimento adequado a um processo de conhecimento que envolve os colaboradores na objetivação de seu projeto e de seus pressupostos. Compreende que “processo de conhecimento como um prolongamento e uma volta ao processo de formação” (JOSSO, 2010, p. 143). É também um “apoio a uma pedagogia de autoformação e do projeto que se baseia na experiência de vida dos aprendentes” (JOSSO, 2010, p. 133).

Além disso, a autora a concebe como:

uma espécie de interação centrada na gestão da intersubjetividade entre os pesquisadores e os atores-participantes, interações que permitem criar as condições necessárias à compreensão da formação dos aprendentes pela mediação de uma experiência formadora, isto é, reunindo as dimensões existencial (implicação direta) e intelectual (reflexão sobre essa implicação), sua realização implica o encaminhamento de um processo de aprendizagem nessa metodologia. (JOSSO, 2010, p. 145)

E destaca ainda um aspecto essencial desta proposta metodológica:

Nosso processo utiliza a construção da narrativa de vida como uma mediação para uma reflexão formativa sobre os processos de formação, de conhecimento e de aprendizagem. Assim, a construção da narrativa e a sua

escrita, tendo a narrativa como produto, não é o que está em jogo na nossa metodologia, ainda que seja indissociável de um processo contínuo de produção de uma narrativa (JOSSO, 2004, p. 85).

Cabe ressaltar que a autora (2010), baseada em Freire e Rogers, entende a formação como uma pesquisa existencial e intelectual que propicia tomadas de consciência de si e de seu ambiente natural e humano, se tornando, assim, uma atividade transformadora do pesquisador e do sujeito que aprende.

Ao falar sobre o que ela entende por consciência e tomada de consciência, Josso discorda de Morin, pois ela não compreende a consciência como um produto do cérebro, como produto e produtor de reflexividade, mas sim como “um atributo do meu ser no mundo e, talvez, um atributo especificamente humano” (JOSSO, 2010, p. 124).

Sendo assim, ela considera a tomada de consciência (conscientização) das objetivações do pensar (os saberes) como algo que nem é transmissível e nem ensinável, mas que pode ser realizado por todo o ser humano que “se põe em contato com o que faz consigo mesmo, entre os outros, numa atividade mental, ou seja, ser consciente do lugar da consciência em toda atividade” (JOSSO, 2010, p. 124). A tomada de consciência também pode ser entendida como “a atenção voltada para qualquer coisa, como a entrada de um elemento até então não percepcionado no campo da consciência” (JOSSO, 2010, p. 132).

Sob essa perspectiva da consciência, a autora compreende a Pesquisa- formação como uma “metodologia de abordagem do sujeito consciencial, de suas dinâmicas de ser no mundo, de suas aprendizagens, das objetivações e valorizações que ele elaborou em diferentes contextos que são/foram os seus” (JOSSO, 2010, p. 125), com os quais cada um esculpe sua existência.

A proposta da Pesquisa-formação é fruto das oficinas realizadas sobre História de Vida, ao longo da sua trajetória formativa, na qual ela desenvolveu suas próprias narrativas de formação, e também de experiências profissionais em que ela e sua equipe de pesquisadores-formadores trabalharam com histórias de vida em formação em seminários universitários ou em sessões de formação contínua de profissionais da Educação, do campo social e da saúde, fora do contexto universitário. (JOSSO, 2004)

Então a metodologia proposta, que será detalhada a seguir, reflete os caminhos construídos e os momentos de trabalho individual e em grupo que as

atividades formativas com turmas propiciavam. Cada turma contava com um grupo de pessoas que estavam todos ali, em um mesmo período de tempo, desenvolvendo a pesquisa, a formação e os diálogos sobre suas narrativas de formação.

Metodologia da Pesquisa-formação: a espiral formativa do caminhar para si

Três níveis de profundidade permitem caracterizar as grandes etapas do trabalho biográfico, da construção da narrativa da história de formação (JOSSO, 2004, p. 61-86):

 Nível 1 – evidência do processo de formação  Nível 2 – evidência do processo de conhecimento  Nível 3 – evidência do processo de aprendizagem

Esses níveis podem ser trabalhados como etapas sucessivas, uma depois da outra, ou podem ser, ao mesmo tempo, trabalhadas em “circuitos abertos e retroativos, permitindo o aprofundamento progressivo no momento de uma nova apropriação do questionamento” (JOSSO, 2004, p. 61).

A construção da narrativa biográfica requer a capacidade de análise das próprias práticas e experiências, tanto profissionais quanto pessoais, pois exige que se ponha em evidência, simultaneamente “as componentes de suas experiências ou práticas e as ‘lições’ que foram tiradas na própria ocasião ou que surgem no momento do trabalho biográfico” (JOSSO, 2004, p. 62).

Essa espiral evolutiva da construção da narrativa, associada ao próprio processo de construção, explicita o caráter transformador potencial do trabalho intersubjetivo sobre as narrativas, tanto nos trabalhos em grupo realizados, quanto nos momentos individuais, pois as pessoas em formação “são progressivamente levadas a uma peregrinação que gera vários efeitos de sentido e tomadas de consciência” (JOSSO, 2004, p. 62).

Para que seja uma Pesquisa-formação propriamente dita, a construção do objeto de reflexão, a narrativa da história de formação, que representa a formação do ponto de vista do aprendente, não deve ser um simples relato de fatos e eventos formativos da vida da pessoa. Ela deve “passar pelo desenvolvimento de uma capacidade de apropriação deste objeto” (JOSSO, 2004, p. 63). Para que isso aconteça e a pesquisa progrida, é necessário que os sujeitos discutam suas opiniões momentâneas e também classifiquem “as experiências que subentendem

os seus pontos de vista e que sejam capazes de dar conta do seu processo reflexivo, aqui e agora, sobre estas experiências” (JOSSO, 2004, p. 63).

Em seguida, detalharemos cada um dos níveis dessa espiral retroativa de construção da narrativa (JOSSO, 2004, p. 63-86):

Nível 1 – evidência do processo de formação

Objetivo: explicitar a formação pela construção da narrativa da história de

vida do sujeito, da organização do sentido para si e o trabalho de intercompreensão do processo de formação.

Caracterização: atividade de (re)construção das experiências de vida que

parecem significativas para compreender como e porque o “eu” se tornou no que ele pensa caracterizá-lo no momento da abordagem. É a primeira etapa do trabalho biográfico, pode ser considerada “uma nova forma de apropriação da narração, tendo em vista a construção e a compreensão da narrativa, associada ao percurso da formação e [...] ao processo de formação atualizado pelo autor” (JOSSO, 2004, p. 64). Propicia ao sujeito a situar-se em sua história e na sua continuidade temporal e também a “questionar-se sobre sua visão de mundo em sua dimensão terrestre [...] e em sua dimensão cósmica [...]. [...] tem o efeito de clarear a atitude do sujeito a respeito da aprendizagem e das atividades educativas” (JOSSO, 2010, p. 189).

Fases/circuitos: São ao todo quatro fases ou circuitos. As duas primeiras

fases são dedicadas à narrativa oral e, nas duas fases seguintes, os sujeitos desenvolvem a narrativa escrita.

 Fase 1: preparação individual, onde cada um desbrava e seleciona os períodos significativos do seu percurso de vida e da listagem das experiências significativas de cada período.

 Fase 2: socialização oral, ao longo da qual emerge uma primeira narrativa, embora inspirada na seleção inicial, “toma liberdades, suscita novas recordações, tenta oferecer uma primeira interpretação do que foi formador” (JOSSO, 2004, p. 64). Pode-se perceber um primeiro levantamento dos fios condutores que atravessaram os diferentes períodos. Evidencia práticas formativas do percurso escolar profissional e outras aprendizagens organizadas, como oficinas de formação, além de “experiências de vida que o autor considera terem deixado uma marca

formadora” (JOSSO, 2004, p. 64). Começa a aparecer um autorretrato com “fragmentos de uma busca de si e da sua projeção, colocando em cena um sujeito que, ainda não se reconheça sempre como tal, age sobre situações, reage a outras, ou ainda, deixa-se levar pelas circunstâncias” (JOSSO, 2004, p. 64). A elaboração desse relato impõe algumas fases “de triagem, de estruturação, de balizamento das continuidades e descontinuidades que constitui, apesar de seu caráter não sistemático, uma primeira abordagem da narrativa” (JOSSO, 2010, p. 190).

Para estimular uma reflexão do que está em jogo nestas duas primeiras fases a autora destaca algumas perguntas (JOSSO, 2004, p. 65): Terei mesmo uma história? Vale a pena contá-la? O que é que os outros vão pensar de mim a partir do que vou contar? O que foi significativo na minha vida? O que contar de mim entre tudo o que é possível contar? O que desejo partilhar ou guardar para mim? O que vou fazer com as questões e com o olhar dos outros? Como vou dar conta do caminho interior que acompanha os “fatos” da minha vida? Como podemos falar de nós de forma que isso possa ser interessante para todo o grupo? A minha vida é como a de todos os outros?, O que há de especial para ser contado?

 Fase 3: escrita da narrativa a ser realizada individualmente por cada participante. Com a posse da gravação da socialização oral realizada, cada um colocará a sua narrativa no papel e, para isso, pode realizar um amplo diálogo com as narrativas ouvidas e com as partilhas feitas nas duas primeiras fases. O tempo para esta parte varia de um a dois meses.  Fase 4: leitura interpretativa de cada narrativa escrita visando o

delicado trabalho de compreensão e de evidenciação do processo do parceiro. O que está em jogo nesta fase é “precisamente o jogo das subjetividades em presença para, por um lado, mostrar o potencial da polissemia das experiências e, por outro, começar a por em evidência o que caracteriza uma subjetividade” (JOSSO, 2004, p. 67).

Nas fases 3 e 4 temos um conjunto de atividades reflexivas, ora individuais, ora coletivas que alimenta a tomada de consciência daquilo que foi formador e em que nível foi, mas também “das dinâmicas as quais o sujeito se entregou ou se deixou levar” (JOSSO, 2010, p. 189), das significações que ele cria, das continuidades e descontinuidades. A autora chama a atenção sobre “o que é

projetado a partir da situação aqui e agora” (JOSSO, 2010, p. 189). Este também pode ser considerado um processo de conhecimento que busca a compreensão da formação do sujeito e do seu lugar neste percurso.

Neste nível 1, o processo de conhecimento do sujeito que está em jogo diz respeito aos seguintes aspectos (JOSSO, 2004, p. 68-69):

 Apresentar o conhecimento da formação de si por meio de recordações relativas a atividades, contextos e situações, encontros, pessoas significativas, acontecimentos pessoais, sociais, culturais ou políticos; recordar-se de si para si mesmo, numa partilha com os outros, bem como na diferenciação e na identificação com as recordações dos outros.

 Revisitar o conhecimento de “si” por meio do que diz dele a narrativa considerada no seu movimento geral e nas suas dinâmicas, nas suas periodizações, nos seus momentos-charneira34 (processo de formação), a fim de extrair, a partir daí, as características identitárias e as projeções de si, as valorizações que orientam as opções, os elementos de auto- retrato, que dão os contornos da personalidade.

 Reinterrogar o conhecimento de si no jogo das semelhanças/ diferenças provocada pela comparação com as outras narrativas.

Nível 2 – evidência do processo de conhecimento

Objetivo: levantar, por meio dos confrontos intersubjetivos, os argumentos,

as palavras-chave, as expressões estandardizadas que evidenciam os registros das ciências do humano nos quais se exprime a tomada de consciência sobre si e sobre o seu meio humano e natural, as auto-interpretações e as intercompreensões do seu processo de formação. Levantar um itinerário de conhecimentos e dos referenciais que o acompanharam em relação à formação em curso, interrogando-se sobre a evolução do conhecimento de si e de seu ambiente humano “por meio das ideias, dos sistemas de pensamento das representações que a narrativa põe em ação” (JOSSO, 2010, p. 189). Buscar compreender o “lugar das significações atribuídas às experiências relatadas na narrativa” (JOSSO, 2010, p. 189), que faz parte da dimensão consciencial.

Observação 1: os conceitos de processo de formação, de conhecimento e de

aprendizagem são usados em dois níveis lógicos: o das histórias de vida e o do trabalho sobre essas histórias. “[...] os três processos observáveis [...] encaixam-se e articulam-se nos três processos referenciáveis à escala de uma vida; e isto porque

34“Momentos ou acontecimentos charneira são aqueles que representam uma passagem entre duas etapas da vida, um “divisor de águas” [...] (N.R).” (JOSSO, 2004, p. 64)

se trata da mesma pessoa” (JOSSO, 2004, p. 69). A autora destaca o efeito de retroação que a vivência de um seminário ou sessão tem na vida da pessoa em seu movimento existencial e vice-versa.

Observação 2: é importante que cada participante mostre seu ponto de vista,

explicite seus fundamentos, que “podem ser livrescos ou experienciais” (JOSSO, 2004, p. 71). Isto permite “uma leitura mais sistemática dos horizontes teóricos de que cada um se serve para se pensar, pensar o outro e as suas relações com o meio humano (em que está inserido este próprio processo) e natural” (JOSSO, 2004, p. 71).

Caracterização: é neste movimento reflexivo que a espiral se torna mais

aparente. O questionamento sobre os referenciais que surgiu das trocas entre os participantes e nas narrativas escritas “permite considerar as experiências relatadas e reintroduzir dimensões, por vezes esquecidas, no itinerário de vida associado ao itinerário de conhecimento” (JOSSO, 2004, p. 71). Este movimento retrospectivo pode provocar tomadas de consciência, tanto pela pluralidade de leituras de uma experiência, quanto pela evolução da visão de mundo. É neste segundo nível que o conceito de experiência pode ser retrabalhado no sentido de reforçar aquilo que forma uma experiência e aquilo que faz dela significativa do ponto de vista do itinerário de formação. O conceito será detalhado em seguida.

Observação 3: a natureza dos conhecimentos que estão em análise, neste

nível, são de três gêneros: psicossomáticos (relativo ao organismo, ao corpo aos movimentos, às sensibilidades estéticas, à vida emocional e pulsional, à dimensão existencial etc), instrumentais/pragmáticos (relativo ao uso e manutenção dos objetos de qualquer complexidade e aos processos e procedimentos técnicos) e reflexivos/explicativos/compreensivos (relativos à reflexão pragmática ou crítica, ao campo da solução de problemas criados pela adaptação do saber-fazer e de saberes de condições concretas).

Observação 4: a autora estabelece uma diferenciação entre o termo

‘conhecimento’, vinculando-o à fonte experiencial, e o termo ‘saber’, vinculando-o à fonte teórica ou à experiência de outros. Ou seja, “o conhecimento implica a presença de um sujeito individual que experimenta um saber já constituído ou tira reflexões de uma vivência, ou ainda que alimenta uma reflexão sistemática por uma experiência” (JOSSO, 2010, p. 270).

Sobre a relação entre o conhecimento para si e o conhecimento científico produzido, a autora comenta que por meio da Pesquisa-formação “a produção de conhecimentos pelos participantes para si mesmo prevalece sobre a produção de um saber científico” e que “as condições de produção desses conhecimentos e desse saber enfatizam o trabalho individual articulado a um trabalho em grupo” (JOSSO, 2010, p. 133).

Neste nível 2, o processo de conhecimento do sujeito que está em jogo diz respeito aos seguintes aspectos (JOSSO, 2004, p. 76-77):

 Tomada de consciência dos referenciais (saberes, ideologias, crenças) aos quais aderimos.

 Tomada de consciência da cosmogonia35 na qual nos inscrevemos, do seu caráter cultural, e das concepções da causalidade que caracterizam a nossa relação com a mudança.

 Tomada de consciência da nossa maior ou menor disponibilidade para com os referenciais novos que se ajustam mais ou menos bem aos nossos antigos referenciais, e/ou põem em questão a coerência da nossa hierarquia conceptual.

 Tomada de consciência das situações, dos acontecimentos, dos encontros que se colocaram em questão ou fizeram evoluir nossos referenciais, da crise epistemológica que eles provocaram, assim como os reajustamentos que tiveram que ser feitos.

Para transformar uma vivência em experiência

Josso comenta que os termos vivência e experiência são utilizados como sinônimos na linguagem corrente para “designar atividades, situações, acontecimento nos quais a pessoa foi implementada em um nível ou outro” (JOSSO, 2010, p. 266). Mas ela as compreende como termos diferentes. A vivência é “o conjunto dessas implicações ou interações semeadas diariamente ao longo de nossas vidas” (JOSSO, 2010, p. 266). Já o termo experiência, ela o compreende como “a atividade específica que consiste em analisar um ou várias vivências para delas extrair conhecimentos e/ou informações” (JOSSO, 2010, p. 266). Ela concebe este movimento de análise como uma “elaboração de significações que permite nomear um interesse ou uma utilidade que uma vivência nos ofereceu” (JOSSO, 2010, p. 266).

35 Significado de cosmogonia: Criação ou origem do universo, especialmente como objeto de estudo ou de especulação; cosmogênese, cosmogenia. (Dicionário Michaelis, 2009, disponível em:

<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-

portugues&palavra=cosmogonia>. Acesso em: 3 jan.2014). Para a autora, a introdução desse conceito, sugerida aqui e ali, evoca a dimensão espiritual que pode também fazer parte desse processo formativo (JOSSO, 2004, p. 86).

Na perspectiva de transformação de uma vivência em uma experiência, a autora comenta:

O primeiro momento de transformação de uma vivência em experiência inicia- se quando prestamos atenção no que se passa em nós e/ou na situação na qual estamos implicados, pela nossa simples presença. A nossa atenção consciente é de algum modo solicitada, quer por nos apercebermos de uma diferença que julgávamos já ser do domínio do conhecido [...], quer porque uma emoção emerge com suficiente intensidade para que sejamos afetados por ela. Este primeiro momento de tomada de consciência encaixa-se quase imediatamente, salvo nos estados de choque, numa atividade mental de tipo intelectual que tenta rotular e percepção e que, ao fazê-lo, procura também dar sentido ao que se passou. (JOSSO, 2004, p. 73)

É justamente nesse momento de conceituação e de atribuição de sentido que a experiência se constitui. As vivências “atingem o status de experiências a partir do momento que fazemos um certo trabalho reflexivo sobre o que se passou e sobre o que foi observado, percebido e sentido” (JOSSO, 2004, p. 48).

De acordo com Pillar e Pontes (2014, p. 417), o contar histórias é uma das formas de atribuir sentido a uma experiência vivida e de “construir explicações ou previsões que projetem novas experiências”. Abrahão (2011, p. 166) também comenta que a elaboração de memoriais de formação – uma maneira de contar histórias sobre a formação – propicia a “rememoração com reflexão sobre fatos relatados”, sejam eles orais ou escritos, mediante uma narrativa de vida. Compreendo que a atribuição de sentido ao vivido seja possível a partir do momento que se faz esse relato com uma trama (enredo) que faça sentido ao sujeito que narra, com intenção, com ressignificação de aspectos, dimensões e momentos da formação, propiciando a compreensão da própria formação. A autora descreve este processo da seguinte forma:

Este é, para nós, o processo e a resultante da rememoração com reflexão sobre fatos relatados, oralmente e/ou por escrito, mediante uma narrativa de vida, cuja trama (enredo) faça sentido para o sujeito da narração, com a intenção, desde que haja sempre uma intencionalidade, de clarificar e ressignificar aspectos, dimensões e momentos da própria formação. No que respeita ao processo, trata-se de experienciar o momento da narrativa reflexionada também como um componente formativo essencial. Trata-se de o narrador, elaborador do próprio memorial, ser realmente o sujeito da narração (embora dela também seja objeto), consciente de que a reflexão empreendida é elemento sine qua non para a compreensão da própria formação e, ainda, de que o momento da narração, nos moldes aqui entendidos, é, também ele, momento formativo. (ABRAHÃO, 2011, p. 166) A experiência, como “associação da componente factual e circunstancial à componente compreensiva” (JOSSO, 2004, p. 73), pode ser utilizada no trabalho biográfico para articular “o processo de formação e de conhecimento em um retroativo”

(JOSSO, 2004, p. 74). Cada um deles pode se tornar referencial do outro e “trazer complementos e precisões à narrativa, favorecendo, assim, uma compreensão mais aprofundada da dinâmica da existencialidade” (JOSSO, 2004, p. 74).

Mas para que uma experiência seja considerada formadora é necessário falarmos sob o ângulo da aprendizagem, que define experiência formadora como:

uma aprendizagem que articula hierarquicamente: saber-fazer e conhecimentos, funcionalidade e significação, técnicas e valores num espaço-tempo que oferece a cada um a oportunidade de uma presença para si e para a situação, por meio da mobilização de uma pluralidade de registros. (JOSSO, 2004, p. 39)

Justamente o estudo sobre os processos de formação, de conhecimento e de aprendizagem, ou seja, realizar uma Pesquisa-formação “permite-nos estabelecer marcos importantes sobre o que são as experiências formadoras” (JOSSO, 2004, p. 49).

Nas narrativas de vida, as vivências são relatadas e, nesse processo de contar sobre, desenvolvemos uma significação, implicando a pessoa em sua globalidade, pois “comporta sempre as dimensões sensíveis, afetivas e