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Capítulo I Parentalidade no Período Escolar

2. Comportamento parental e idade escolar

A terceira infância corresponde ao período cronológico ente os 5-6 e os 12 anos. Porque a criança entra na escola por volta dos 6 anos, muitas das vezes utiliza-se a designação de criança em idade escolar como referência a este período de desenvolvimento infantil. O período escolar representa uma nova fase na vida da criança, caracterizada por transformações físicas, emocionais, relacionais e cognitivas que irão, inevitavelmente, conduzir a alterações nas relações entre pais e filho (Collins, Madsen, & Susman-Stillman, 2002; Herbert, 2004).

Nesta fase ocorrem muitas transformações cognitivas, sendo caracterizada por Piaget (1977) como o período das operações concretas. Resultam como principais aquisições cognitivas da criança entre os 6 e os 12 anos a diminuição do egocentrismo, um aumento das capacidades de memória, de raciocínio abstracto e de utilização da linguagem simbólica, e a possibilidade de estabelecer planos e definir objectivos a cumprir. Todas estas alterações cognitivas da criança possibilitam uma maior compreensão de si própria e dos outros, das relações e da sociedade, aumentando a sua

Estilos educativos parentais e qualidade da vinculação no período escolar

competência social (Collins et al., 2002; Herbert, 2004; Mayseless, 2005). Também contribuem para o desenvolvimento do seu raciocínio moral, que se faz acompanhar por uma maior capacidade de auto-regulação do comportamento e da conformidade às normas (Grolnick & Gurland, 2002; Kochanska & Aksan, 2006; Piaget, 1977).

As alterações cognitivas da criança durante a idade escolar vão possibilitar que desenvolva a sua capacidade de internalização, processo natural pelo qual os indivíduos adquirem no exterior atitudes, normas, padrões e regras comportamentais e as incorporam de modo a transformarem-nas em valores próprios ou mecanismos reguladores (Grolnick & Gurland, 2002; Grusec & Ungerer, 2003; Herbert, 2004; Kochanska & Aksan, 2006). Na medida em que a criança vê a sua capacidade de internalização aumentada, assiste-se a um declínio dos comportamentos impulsivos e a um aumento da obediência às figuras de autoridade, resultante da maior capacidade de exercer controlo voluntário sobre o seu comportamento (Cruz, 1999; Herbert, 2004; Kochanska & Aksan, 2006). Por conseguinte, a capacidade de auto-regulação refere-se à competência da criança para aceitar regras, regular emoções, tolerar as frustrações inerentes às situações sociais e adiar gratificações (Feldman, Masalha, & Alony, 2006; Kochanska & Aksan, 2006).

Paralelamente ao desenvolvimento da internalização e da auto-regulação, ocorre a diminuição dos comportamentos de controlo dos pais e uma transição para a sua autonomia, visto que a criança se sente cada vez mais responsável pelos seus comportamentos (Grolnick & Gurland, 2002; Kochanska & Aksan, 2006). A criança desenvolve também muito o seu auto-conceito, tendo uma percepção mais profunda de si e dos outros, reflexo da sua maior consciência das normas socioculturais e das expectativas em relação ao seu comportamento (Collins et al., 2002; Cummings & Schermerhorn, 2003).

A criança aumenta, assim, progressivamente, a sua capacidade de autonomia, estabelecendo relações mais diversificadas. O desenvolvimento social e afectivo da criança no período escolar envolve uma mudança nas características da ecologia das relações e nos elementos da rede social pessoal, sendo exposta a cada vez mais agentes de socialização (educadores, professores, treinadores, pares).

Nesta idade, há uma alteração da natureza das relações de amizade, em que os amigos assumem uma importância crescente (Collins et al., 2002; Hartup, 1996). As relações com os pares são complementares às relações que a criança estabelece com os seus pais, na medida em que estes podem promover experiências em áreas diferentes e complementares das que a criança tem oportunidade de vivenciar na família, aumentando o nível de companheirismo e de intimidade até à pré-adolescência (Collins &

Madsen, 2003; Franco & Levitt, 1998; Hartup, 1996; Parke, 2002). De acordo com esta perspectiva, alguns dos resultados desenvolvimentais da criança são principalmente influenciados pela família, como o desenvolvimento de vínculos sociais precoces, enquanto que outros resultados desenvolvimentais são mais influenciados pelos pares e pela escola (Collins & Madsen, 2003; Parke, 2002). Por seu lado, os irmãos têm um papel determinante no treino e desenvolvimento de competências que são essenciais na interacção com outras crianças, e na promoção do acesso a outros contextos extra- familiares (Freijo & Artetxe, 2008; Parke & Buriel, 2006). Os irmãos podem, ainda, ser figuras de vinculação subsidiárias e fontes de suporte em situações stressantes (e.g. divórcio dos pais) e ter o papel amortecedor do impacto de uma relação problemática da criança com os pais (Teti, 2002).

Não obstante, os pais continuam a exercer um papel fundamental no suporte emocional dos filhos, sendo um dos principais objectivos do sistema parental a protecção quando a criança apresenta estados emocionais de desconforto e stress. Deste modo, as crianças no período escolar percepcionam os pais como os maiores prestadores de suporte emocional, instrumental, informacional, e de companhia (Furman & Buhrmester, 1992). As figuras parentais constituem-se enquanto figuras privilegiadas no suporte dirigido ao cumprimento das tarefas desenvolvimentais desta fase (Collins et al., 2002; Pereira, Canavarro, Mendonça, & Cardoso, 2005). No mesmo sentido, os pais são responsáveis por gerir a vida social dos seus filhos, regulando as oportunidades de contacto social com elementos do contexto extra-familiar (Collins et al., 2002; Franco & Levitt, 1998; Parke & Buriel, 2006; Parke et al., 2003; Ramey, 2002; Rutter, 2002).

O incremento destas capacidades precipita o desenvolvimento de novas expectativas parentais e permitirá um novo modo de relacionamento da criança com os seus pais. À medida que as crianças se autonomizam, assiste-se a um decréscimo das interacções face a face com os pais, o que acarreta modificações do comportamento parental, designadamente ao nível da supervisão, monitorização e do controlo. Em resultado da grande expansão das redes sociais durante o período escolar, os pais podem exercer uma menor supervisão directa, pelo que é necessário recorrer a estratégias de controlo que a própria criança possa usar quando não está com os pais, sendo referida a necessidade de emergência de um processo de co-regulação (Collins & Madsen, 2003). Os pais transferem gradualmente as responsabilidades de gestão dos comportamentos para a criança, enquanto a supervisionam, treinam e instruem para responder em situação de risco, permitindo-lhe uma maior responsabilização na regulação do seu próprio comportamento por períodos de tempo mais longos (Crouter & Head, 2002; Kobak, Rosenthal, & Serwik, 2005; Marvin & Britner, 1999; Parke et al.,

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2003; Pettit, Keiley, Laird, Bates, & Dodge, 2007). Assim, a relações entre pais e filhos na idade escolar e na adolescência, mais do que bidireccionais, são caracterizadas pela sua coordenação e co-regulação, possíveis porque a criança vê aumentadas as suas capacidades de comunicação, de planear e dirigir o seu comportamento com base na definição de objectivos, e de compreender as intenções, emoções e cognições dos pais (Ceballos & Rodrigo, 2008; Maccoby, 1992).

Os estudos indicam claramente que o comportamento parental influencia o desenvolvimento da criança durante o período escolar, e repercute-se no seu percurso desenvolvimental posterior. Deste modo, o estilo parental autorizado - caracterizado pela presença de responsividade e afecto e pelo uso de controlo firme - promove um desenvolvimento mais saudável nas dimensões afectiva, comportamental e relacional da criança, quando comparado como estilos parentais mais autoritários - caracterizados pelo uso excessivo de controlo e restrição, pela carência de demonstrações de afecto e sensibilidade às necessidades e características da criança - que têm um impacto negativo no percurso da criança (Baumrind, 1989). Pereira et al. (2009) identificaram o estilo educativo parental apoiante-controlador como sendo o mais comum em crianças portuguesas de idade escolar, caracterizado por níveis elevados de suporte emocional e de controlo parental. Este estilo é considerado pelos autores como adaptado às necessidades de controlo, monitorização e supervisão desta idade. Talvez o uso de um estilo parental autorizado seja encarado pela criança como mais positivo porque reflecte o interesse e suporte dos pais nas suas actividades, enquanto um estilo mais autoritário pode ser visto como intrusivo, controlador e significando desrespeito e falta de confiança dos seus pais (Collins et al., 2002; Darling & Steinberg, 1993).

Por fim, no que respeita ao uso de práticas educativas disciplinares no período escolar, verifica-se que os pais utilizam com mais frequência e com maior sucesso técnicas indutivas, recorrendo menos ao uso de técnicas de afirmação de poder, resultado do aumento da capacidade de auto-regulação na criança, que lhe permite controlar a sua impulsividade (Kochanska & Aksan, 2006). Durante este período é menos provável o surgimento de emoções negativas nas interacções entre pais e filho, pelo que ocorre um declínio no uso de técnicas disciplinares. Por outro lado, a criança utiliza outras estratégias para comunicar o seu desconforto emocional, como o recurso ao amuo, o humor deprimido, e o evitamento dos pais (Collins & Madsen, 2003).

Em resumo, a criança em idade escolar é mais responsável pela regulação do seu comportamento, devendo ser apoiada pelos seus pais nas transacções com contextos extra-familiares, através do controlo e da monitorização das actividades, e serão tanto mais eficazes quanto mais existir afecto, suporte e aceitação parentais.