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Capítulo I Parentalidade no Período Escolar

1. Parentalidade e comportamento parental

1.2 Principais dimensões do comportamento parental: suporte e controlo

O estudo da parentalidade tem feito emergir duas dimensões principais: suporte/afecto (afecto - hostilidade) e controlo (permissividade – restritividade). A

dimensão suporte/afecto reúne os comportamentos dos pais que contribuem para que a

instrumental e agrupa os comportamentos encetados pelos pais para orientar o comportamento da criança no sentido desejado (Barber, 2006; Darling & Steinberg, 1993; Maccoby & Martin, 1983; Schaefer, 1965). Uma socialização eficaz da criança deverá contemplar estas duas dimensões da parentalidade de um modo flexível e adaptado às situações e características da criança (Grusec & Ungerer, 2003).

São diversos os estudos que identificam o suporte/afecto e o controlo como dimensões independentes (Caron, Weiss, Harris, & Catron, 2006; Maccoby & Martin, 1983; Muris, Mesters, Merckelbach, & Hülsenbeck, 2000; Muris, Meesters, & van der Berg, 2003b; Perris, Jacobsson, Lindstrom, von Knorring, & Perris, 1980). Os instrumentos Egna Minnen Besträffende Uppfostran-P (EMBU-P) e Egna Minnen

Besträffende Uppfostran-C (EMBU-C), utilizados no presente estudo para avaliar a

percepção da mãe e da criança sobre os estilos educativos parentais, são baseados numa abordagem dimensional do comportamento parental, e diferenciam as dimensões do comportamento parental suporte emocional, rejeição e tentativa de controlo (Canavarro & Pereira, 2007ab; Castro, Pablo, Gómez, Arrindell, & Toro, 1997; Castro, Toro, Arrindell, van der Ende, & Puig, 1990; Castro, Toro, Van Der Ende & Arrindell, 1993).

1.2.1 Dimensão de suporte/afecto

A presença de suporte/afecto parental caracteriza-se por um comportamento carinhoso e responsivo face à criança, demonstrado através da expressão de afecto positivo, do uso do reforço positivo, da aceitação da criança, da vinculação e da sensibilidade às suas necessidades, em oposição à presença de rejeição e criticismo (Barber, 2006; Conley et al., 2004; Davidov & Grusec, 2006a; Grusec et al., 2000; Pettit, Bates, & Dodge, 1997). Esta dimensão pode assumir outras designações, nomeadamente envolvimento emocional/desligamento, amor/hostilidade, amor/frieza, aceitação/rejeição, calor/ hostilidade, responsividade, centração da criança, carinho, empatia/rejeição e indiferença (Grolnick & Gurland, 2002; Maccoby & Martin, 1983; Rohner, 2004; Schaefer, 1965).

Rohner (2004) desenvolveu uma teoria (Parental Aceptance Theory) sobre a dimensão aceitação/rejeição, que tem como pressuposto basilar a necessidade básica da criança de sentir-se amada e aceite pelas pessoas significativas na sua vida, sendo que, quando se sente rejeitada, parece mais predisposta a desenvolver diversos problemas de ajustamento (Rohner, Khaleque, & Cournoyer, 2005). Este modelo diferencia quatro

Estilos educativos parentais e qualidade da vinculação no período escolar

classes de comportamentos: aceitação/afecto (ou não aceitação/falta de afecto), hostilidade/agressão, indiferença/negligência e rejeição indiferenciada (Rohner, 2004).

Vários autores relacionam a dimensão aceitação/rejeição a uma atitude parental, mais do que a uma prática educativa, que nos endereça para a qualidade da relação entre pais e filhos (Grusec & Ungerer, 2003).

A investigação tem concluído que, em geral, a dimensão suporte/afecto relaciona- se positivamente com o desenvolvimento da criança em diversos domínios, ao promover a internalização2, a obediência, competências de socialização, e associando-se a menos problemas de internalização e de externalização3, designadamente problemas emocionais e comportamentais. Neste sentido, um estilo educativo parental de suporte e afecto promove a competência cognitiva e social na criança (e.g. comportamento pro- social), a auto-estima, menos problemas de comportamento, um melhor desempenho escolar e uma vinculação mais segura4 (Baumrind, 1989, 1991; Belsky & Fearon, 2008; Davidov & Grusec, 2006b; Dishion & McMahon, 1998; Doyle & Markiewicz, 2005; Grolnick & Gurland, 2002; Hoffman, 1994; Jones, Forehand, Rakow, Colletti, McKee, & Zalot, 2008; Kochanska & Aksan, 1995; Kuppens, Grietens, Onghena, & Michiels, 2009; Michiels et al., 2010; Muris et al., 2003b).

Em oposição, um estilo educativo parental que recorre mais à rejeição e ao controlo, principalmente ao controlo psicológico, associa-se a resultados mais negativos na criança, que manifesta mais problemas de internalização e de externalização e uma vinculação mais insegura (Brown & Whiteside, 2008; Gladstone & Parker, 2005; Muris et al., 2000, 2003b; Pereira, Canavarro, Cardoso, & Mendonça, 2009). Neste contexto, alguns estudos têm sugerido que os estilos parentais disfuncionais relacionam-se mais fortemente com problemas de externalização do que de internalização (Muris et al., 2003b; Pereira et al., 2009).

2 A internalização no contexto do desenvolvimento remete para o processo natural pelo qual a criança adquire no exterior crenças, atitude e regras comportamentais e as incorpora de modo a transformá-las em valores próprios ou mecanismos reguladores (Grolnick & Gurland, 2002; Grusec & Ungerer, 2003; Herbert, 2004; Kochanska & Aksan, 2006).

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No contexto da presença de perturbação psicoafectiva na criança, os problemas de externalização abarcam comportamentos de oposição, comportamentos agressivos e hiperactividade; os problemas de internalização incluem ansiedade, depressão e sintomatologia somática (DSM-IV-TR, 2002). Os problemas de internalização e de externalização são as perturbações mais comuns no período escolar (Achenbach & Howell, 1993).

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1.2.2 Dimensão de controlo

O comportamento parental recorre-se do controlo como uma dimensão essencial para a socialização da criança, ao contemplar um conjunto de estratégias que têm como objectivo promover o cumprimento das regras e normas sociais (Grolnick & Gurland, 2002; Maccoby & Martin, 1983). O controlo parental é um construto complexo e variado, tendo sido diferenciadas diversas dimensões (e.g. disciplina, exigências de maturidade, coerção, indução de culpa, supervisão, monitorização, controlo hostil, punição, retirada de afecto). Também têm sido identificados diferentes tipos de controlo, como o controlo comportamental e o controlo psicológico (Barber, 2006). Neste sentido, diversos autores têm proposto diferentes terminologias, nem sempre equivalentes entre si, para designar a dimensão controlo (Grolnick & Gurland, 2002).

Na linha dos autores que consideram a existência de três dimensões do

comportamento parental (e.g. Barber, 2006; Grolnick & Gurland, 2002; Morris et al., 2006;

Soenens et al., 2008; Schaefer, 1965), o controlo pode ser dividido em duas dimensões independentes, havendo suporte empírico que apoia a distinção entre os construtos controlo comportamental e controlo psicológico (e.g. Kuppens et al., 2009).

O controlo comportamental compreende as acções empreendidas pelos pais para controlar ou gerir o comportamento da criança, de modo a corrigir os seus comportamentos inadequados através da disciplina e da monitorização e supervisão do comportamento. Os comportamentos de controlo parental que surgem antes do comportamento da criança compreendem técnicas de controlo que funcionam como um estímulo, com o objectivo orientar a acção da criança e alterar o curso da sua actividade. Por seu lado, os comportamentos parentais usados após o comportamento da criança têm como objectivo a correcção do comportamento. São referidos como estratégias disciplinares de controlo, normalmente divididas em técnicas de afirmação de poder, técnicas de retirada de afecto e técnicas indutivas. As duas primeiras técnicas de controlo são consideradas coercivas e mais negativas, enquanto a indução é uma forma menos negativa de controlo parental (Barber, 2006; Cruz, 2005; Hoffman, 1994).

A literatura sobre o impacto do controlo comportamental no desenvolvimento da criança tem evidenciado o seu efeito negativo ao nível de problemas de internalização, externalização, desempenho académico e competência social (Mofrad, Abdullah e Samah, 2009; Muris, Meesters, Schouten, & Hoge, 2004). Todavia, os resultados são contraditórios, sendo identificado um impacto negativo do controlo parental em alguns domínios e um impacto positivo noutros domínios do desenvolvimento da criança (Baumrind, 1991; Caron et al., 2006; Muris et al., 2003b; Sentse, Dijkstra, Lindenberg,

Estilos educativos parentais e qualidade da vinculação no período escolar

O controlo psicológico, intrusivo e coercivo, recorre a técnicas de manipulação da emoção que, por não satisfazerem as necessidades psicológicas e emocionais da criança, comprometem a sua individualidade, identidade e autonomia (Barber, 1996, 2006; Steinberg, 2005). É utilizada uma pressão social que é não responsiva às necessidades emocionais e psicológicas da criança, restringindo a sua expressão e autonomia (Barber, 1996, 2006; Maccoby & Martin, 1983). Vários estudos, em diferentes culturas, dão conta do impacto negativo do controlo psicológico no desenvolvimento psicológico e emocional de crianças e, principalmente, de adolescentes. Assim, associa- se a problemas de formação da personalidade, de internalização e de externalização, níveis baixos de bem-estar, comportamento hostil com os pares e baixo rendimento académico (Barber, 2006; Doyle & Markiewicz, 2005; Kuppens et al., 2009; Luyckx, Soenens, Vansteenkiste, Goossens, & Berzonsky, 2007; Morris et al., 2006; Putnick et al., 2008).

Em síntese, o controlo comportamental foca-se no comportamento da criança (e.g. responsabilidades em casa, modo de se comportar), ao passo que o controlo psicológico remete para o controlo dos processos psicológicos da criança (e.g. sentimentos, expressão verbal, identidade). Nesta continuidade, os dois tipos de controlo associam-se a diferentes tipos de problemas emocionais e comportamentais, isto é, o controlo comportamental associa-se mais frequentemente a problemas de externalização e o controlo psicológico a diferentes variáveis do ajustamento emocional (Barber, 2006).

Parece, ainda, importante analisar o modo como se combinam as diferentes dimensões do comportamento parental. O controlo parental insere-se num determinado clima emocional que influencia o modo como esta dimensão vai ser entendida pela criança e como vai influenciar o seu comportamento (Baumrind, 1991; Darling & Steinberg, 1993; McLoyd & Smith, 2002; Sentse et al., 2010; Towe-Goodman & Teti, 2008). Logo, o clima emocional onde ocorrem as práticas educativas parentais é a dimensão mais importante do estilo educativo parental, na medida em que o nível de envolvimento emocional do educador influencia o resultado desenvolvimental na criança (Dishion & McMahon, 1998; Herbert, 2004; Pereira et al., 2009; Towe-Goodman & Teti, 2008).

Os estudos que utilizam o EMBU-C têm destacado uma associação negativa entre a rejeição e o suporte emocional (Castro et al., 1993; Márquez-Caraveo, Hernández- Guzmán, Villalobos, Pérez-Barrón, & Reyes-Sandoval, 2007; Markus, Lidhout, Boer,

Hoogendijk, & Arrindell, 2003; Muris, Meesters, & van Brakel, 2003a; Nishikawa, Sundbom, & Hägglöf, 2010). Refira-se o estudo de Mofrad et al. (2009) que relatou uma associação mais significativa do controlo parental com sintomas de ansiedade de

separação em crianças, em comparação com a rejeição parental e, interessantemente, a rejeição parental evidenciou o poder de modificar o efeito do controlo parental no ajustamento da criança.

Diversos estudos que recorreram ao EMBU-C referem ser comum em crianças mais pequenas, com idades entre os 9 e os 11 anos, haver uma associação moderada da tentativa de controlo com o suporte emocional (Canavarro & Pereira, 2007a; Castro et al., 1993; Grüner, Muris, & Merckelbach, 1999; Markus et al., 2003; Nishikawa et al., 2010), ainda que esta dimensão apresente por vezes, em simultâneo, associações com a rejeição parental (Canavarro & Pereira, 2007a; Castro et al., 1993; Markus et al., 2003; Nishikawa et al., 2010). Algumas destas investigações também indicam que existe uma menor associação entre o suporte emocional e o controlo materno, ao passo que níveis mais elevados de controlo paterno são interpretados pela criança como correspondendo a maior afecto. Por seu lado, Márquez-Caraveo et al. (2007) descrevem, numa amostra de adolescentes, que o envolvimento materno se correlaciona de modo positivo igualmente com o suporte emocional e com a tentativa de controlo.

Uma das maiores críticas endereçadas ao campo de estudo do comportamento parental é a atribuição de diferentes significados aos conceitos pelos diversos autores, a que se junta a não especificação das variáveis envolvidas, designadamente das dimensões aceitação/rejeição e controlo parental (Cruz, 2005; Grolnick & Gurland, 2002; Maccoby & Martin, 1983). Nesta linha, os estudos apoiam que, em particular, a dimensão controlo é um construto heterogéneo (Canavarro & Pereira, 2007a; Castro et al., 1993; Kuppens et al., 2009; Márquez-Caraveo et al., 2007; Markus et al., 2003).