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Capítulo II Vinculação no Período Escolar

4. Qualidade da vinculação na infância e desenvolvimento posterior

Uma questão muito debatida é se as experiências na infância têm uma influência predominante no desenvolvimento posterior e na personalidade do indivíduo. Muitos investigadores sublinham a importância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento ulterior, na medida em que as experiências precoces servem para moldar e seleccionar

experiências posteriores. Bowlby e Ainsworth destacaram o papel das relações precoces nas diferenças individuais, ao nível da qualidade de organização da vinculação e do desenvolvimento ao longo da infância, que reflectem a forma de representação das figuras de vinculação (Ainsworth et al., 1978; Jongenelen et al., 2006). Deste modo, assume-se que a qualidade da relação precoce da criança com os pais tem um efeito continuado na adaptação dentro e fora do contexto familiar (Bowlby, 1969; Sroufe, 2002). A teoria da vinculação tem servido de base para inúmeros estudos que procuram relacionar a qualidade das relações precoces de vinculação com o ajustamento posterior da criança em várias áreas, como o ajustamento psicológico em geral, a competência social e as relações com os pares, as competências cognitivas e o funcionamento académico. Os estudos longitudinais têm demonstrado que as crianças que desenvolvem uma vinculação segura aos seus pais durante os primeiros anos de vida apresentam, posteriormente, um melhor funcionamento psicológico, social e cognitivo e uma maior capacidade de resiliência (Bohlin et al., 2000; Booth, Rubin, & Rose-Krasnor, 1998; Greenberg, 1999; Grossmann et al., 2005; Jacobsen, Edelstein, & Hofmann, 1994; Lewis et al., 2000; Main et al., 2005; Moss et al., 2005b; Sroufe, 2002; Sroufe et al., 2005; Thompson, 1999), em comparação com as crianças classificadas como inseguras. Portanto, a segurança da vinculação continua a influenciar as competências sociais e emocionais das crianças no período escolar, sendo um factor protector para comportamentos de internalização e de externalização (Dallaire & Weinraub, 2007).

As crianças com uma vinculação segura percebem os pais como disponíveis quando têm algum problema, o que pode promover as suas competências de interacção social (Verschueren & Marcoen, 2005). Existe uma importante evidência científica sobre a influência da qualidade da vinculação precoce no estabelecimento de outros tipos de relações interpessoais (Freitag et al., 1996; Fury et al., 1997; Grossmann et al., 2005; Hartup, 1996; Moss et al., 2005b; Overbeek, Stattin, Vermulst, Ha, & Engels, 2007; Verschueren & Marcoen, 2005). Neste sentido, a segurança da vinculação da criança aos pais durante os 2 primeiros anos de vida associa-se a diversos indicadores de competência social da criança na relação com os pares e com os professores no período escolar (Collins et al., 2002; Sroufe et al., 2005). Assim, as crianças seguras têm uma maior probabilidade de, posteriormente, terem sucesso nas relações sociais (e.g. com irmãos, pares, professores e outros adultos não familiares), na negociação e resolução de tarefas desenvolvimentais, bem como de sentirem um maior bem-estar emocional (Berlin & Cassidy, 1999; Thompson, 2006).

As crianças que desenvolveram uma vinculação mais segura com os seus cuidadores durante a primeira infância também apresentam uma melhor adaptação

Estilos educativos parentais e qualidade da vinculação no período escolar

escolar, sendo descritas pelos seus professores como menos agressivos e mais competentes no estabelecimento de relações de amizade e têm relações com os professores mais satisfatórias e de confiança, à semelhança das relações de confiança que mantêm com os seus pais. Estas crianças adquirem um auto-conceito mais positivo e um sentimento de auto-confiança que lhes permite sentirem-se mais competentes em novas tarefas e aprendizagens, o que influencia positivamente a sua atitude perante a escola e a sua predisposição para aprender e, em consequência, o desempenho escolar (Aviezer, Sagi, Resnick, & Gini, 2002; Granot & Mayseless, 2001; Oliva & Palacios, 2008; Wartner et al., 1994; Younger et al., 2005).

Em oposição, uma vinculação insegura tem sido associada a dificuldades no funcionamento sócio-emocional e cognitivo da criança. Ou seja, as crianças com uma vinculação mais insegura têm a auto-estima mais baixa, maiores dificuldades de ajustamento académico e no estabelecimento de relações interpessoais (Booth, Rose- Krasnegor, McKinnon, & Rubin, 1994; Granot & Mayseless, 2001; Simons, Paternite, & Shore, 2001; Vivona, 2000). Do mesmo modo, as crianças que, durante a idade escolar, desenvolvem relações insatisfatórias com os seus pares, enfrentam maiores riscos de terem problemas comportamentais, dificuldades emocionais e académicas durante a infância e a adolescência (Collins et al., 2002).

Como se vê, os estudos longitudinais indicam que os modelos internos dinâmicos que a criança elabora sobre as suas figuras de vinculação influenciam o seu comportamento nas interacções sociais, nomeadamente nas competências sociais na relação com os pares (Freitag et al., 1996; Fury et al., 1997; Moss et al., 2005b; Verschueren & Marcoen, 2005). Enquanto as crianças seguras desenvolvem expectativas positivas sobre as interacções sociais e sabem utilizar melhor as competências sociais adequadas, já as crianças com uma vinculação insegura têm maior probabilidade de desenvolver relações problemáticas com os pares e com outras pessoas fora do contexto escolar (Booth-LaForce et al., 2005; Coleman, 2003; Verschueren & Marcoen, 2005). Têm sido identificados diversos factores que contribuem para o desenvolvimento de relações problemáticas com os pares, como as expectativas negativas da criança sobre as relações e as atribuições negativas sobre os comportamentos dos pares, dificuldades de auto-regulação emocional, e a pobreza das competências sociais (Cassidy, 1994; Cassidy, Kirsh, Scolton, & Park, 1996; Coleman, 2003; Kerns et al., 2006).

A teoria da vinculação também aborda a relação entre a qualidade da vinculação e a psicopatologia na criança. Uma grande parte da investigação tem referido associações entre a insegurança da vinculação e a presença de mais problemas de internalização e de externalização no período escolar e na adolescência (Booth-LaForce

et al., 2005; Brown & Whiteside, 2008; Brumariu & Kerns, 2010; Grossmann et al., 2005; Muris et al., 2000, 2003b, 2004; Soares, Carvalho, Dias, Rios, & Silva, 2007a; Sroufe et al., 2005). Não obstante, os resultados sobre as relações entre os diferentes tipos de vinculação insegura e perturbações distintas na criança são inconsistentes dependendo, designadamente, da idade (Doyle & Markiewicz, 2005; Granot & Mayseless, 2001; Greenberg, 1999; Moss et al., 2005b) e do género da criança (Nishikawa et al., 2010).

A literatura tem, ainda, corroborado que diferentes padrões de vinculação se associam a distintos problemas de ajustamento da criança. A vinculação evitante parece associar-se de modo mais consistente a resultados mais pobres ao nível da competência social, emocional e cognitiva, bem como à incidência de mais problemas de comportamento na presença de riscos contextuais. Este parece ser o grupo mais vulnerável face a riscos contextuais (Belsky & Fearon, 2002; Carvalho, 2007; Veríssimo, Monteiro, Vaughn, & Santos, 2003). Em contraste, nem sempre são identificadas diferenças entre os grupos seguro e ambivalente (Veríssimo et al., 2003). Por seu lado, a vinculação desorganizada associa-se de forma mais consistente com a presença de mais problemas de internalização e externalização (Lyons-Ruth, & Jacobvitz, 1999; Moss et al., 2005b), ainda que alguns estudos encontrem a mesma incidência de problemas em crianças com uma vinculação desorganizada e evitante (Granot & Mayseless, 2001).

Por fim, acrescente-se que a investigação sobre a relação entre o desenvolvimento da criança e a história dos pais com os seus próprios progenitores tem sublinhado uma associação entre o padrão de vinculação dos pais e o desenvolvimento dos filhos. Assim, as histórias de vinculação dos pais influenciam directamente a qualidade da relação conjugal e o comportamento parental, influindo indirectamente no ajustamento da criança (Cowan & Cowan, 2002; Shelton & Harold, 2008).

5. Conclusão

Em síntese, a teoria da vinculação pressupõe que a vinculação é uma necessidade humana básica que assegura a sobrevivência da espécie, ao garantir a protecção da criança perante eventuais perigos. É importante considerar o contexto de desenvolvimento do indivíduo para a avaliação da vinculação em idade escolar, na medida em que se deve contemplar, por exemplo, o efeito interactivo da vinculação da criança com outros factores familiares e extra-familiares que influenciam a relação pais- criança (Belsky, 2005; Kerns et al., 2005). Ainda que sejam mais sublinhados os efeitos directos da vinculação sobre o desenvolvimento da criança, é importante não perder de perspectiva que há um efeito bidireccional e co-variado das múltiplas variáveis que

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actuam no contexto da interacção pais-filho (Cowan & Cowan, 2002; Parke & Buriel, 2006). Logo, a vinculação também pode provocar um efeito indirecto, bem como interagir com outras variáveis presentes (Booth-LaForce et al., 2005; Doyle & Markiewicz, 2005).

O capítulo seguinte é dedicado à relação específica entre a qualidade da vinculação da criança e o comportamento parental das figuras cuidadoras, analisando a contribuição do estilo educativo parental para a segurança da vinculação. Também será abordado o impacto que o tipo de família tem no comportamento parental, na qualidade da vinculação da criança, assim como são referidos outros factores relacionados com o tipo de família, como a qualidade da relação interparental e da co-parentalidade.

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Capítulo III