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Capítulo I Parentalidade no Período Escolar

3. Comportamento parental e desenvolvimento no período escolar

3.2 Factores relacionadas com os pais

A literatura tem enumerado as diversas características dos pais que influenciam a escolha dos seus comportamentos educativos e a relação destes com o desenvolvimento infantil, nomeadamente a personalidade e o temperamento, a presença de psicopatologia, a história de relação com os próprios pais e o padrão de vinculação, bem como a idade e o género. Acrescente-se que o tipo de família, a qualidade da relação parental e o tipo de co-parentalidade praticada também influenciam o comportamento parental e o desenvolvimento da criança5.

A personalidade dos pais actua marcadamente sobre o funcionamento parental, seja directamente no modo como interpretam e respondem ao comportamento da criança, seja indirectamente na percepção e reacção a variáveis como a relação conjugal, o apoio social ou o estatuto socioeconómico (Aluja, del Barrio, & García, 2007; Clark, Kochanska, & Ready, 2000; Conley et al., 2004).

A saúde mental dos pais, designadamente a presença de psicopatologia e de dificuldade emocionais e comportamentais, estão commumente associadas a um menor envolvimento, responsividade e sensibilidade parentais, bem como a estilos educativos parentais mais negativos caracterizados pelo uso de técnicas de controlo hostis e menos contingentes (Bögels & van Melick, 2004; Conley et al., 2004; Lim, Wood, & Miller, 2008; Muris & Merckelbach, 1998). A presença de psicopatologia influencia a interacção que os pais estabelecem com os seus filhos, tendo sido identificadas relações directas e indirectas entre a ocorrência de psicopatologia nos pais e as dificuldades cognitivas, emocionais e sociais da criança (Gross et al., 2008; Lim et al., 2008; Muris & Merckelbach, 1998; Pesonen, Räikkönen, Heinonen, Järvenpää, & Strandberg, 2006; Shelton & Harold, 2008).

Os pais baseiam os seus comportamentos parentais nas experiências de cuidados e na história de vinculação e das relações com os seus familiares. Há, inclusivamente, vários estudos que confirmam a transmissão intergeracional da parentalidade e das relações maritais em três gerações, que traduz o processo através do qual a geração anterior influencia o comportamento da geração seguinte (Conley et al., 2004; Cowan & Cowan, 2002). Assim, o tipo de estratégias disciplinares que os seus

próprios pais utilizaram (Belsky, Jaffee, Sligo, Woodward, & Silva, 2005; Capaldi, Pears, Kerr, & Owen, 2008; Perris & Andersson, 2000; Smith & Farrington, 2004; Thompson, 2006), as histórias de vinculação com as suas figuras parentais (Fonagy, Steele, & Steele, 1991; Sheftall, Schoppe-Sullivan, & Futris, 2010), e a segurança da vinculação adulta em relações íntimas (Shelton & Harold, 2008) influenciam significativamente a qualidade das relações familiares, os processos parentais e os seus resultados, sendo bons preditores do comportamento parental.

No que concerne a variável idade dos pais, grande parte da literatura deriva do estudo da maternidade na adolescência, devido ao número crescente das taxas de maternidade na adolescência. Portugal é o segundo país da União Europeia, a seguir ao Reino Unido, com a taxa mais elevada de maternidade na adolescência (INE, 2007; Simões, 2004). Na medida em que ocorrem simultâneamente exigências desenvolvimentais relacionadas com a adolescência e com a maternidade, poderão derivar daí algumas dificuldades acrescidas no cumprimento das tarefas associadas à adolescência e à maternidade, sendo comum falar-se numa dupla crise desenvolvimental (Jongenelen, 2004).

O comportamento parental das adolescentes tem sido caracterizado como imaturo, instável e ineficaz, sendo comum o uso de um estilo educativo negligente ou autoritário e abusivo, mais punitivo e restritivo (Andreozzi, Flanagan, Seifer, Brunner, & Lester, 2002; Borkowski, Bisconti, Willard, Keogh, & Whitman, 2002; Mollborn & Dennis, 2010). Já a literatura mais recente sublinha que a maioria das mães adolescentes não demonstra dificuldades no desempenho das tarefas parentais, não sendo mais restritivas ou punitivas na interacção com os seus filhos do que as mães adultas (Soares et al, 2001), tal como não há diferenças na qualidade da interacção mãe-bebé (Chase- Lansdale & Brooks-Gunn, 1994; Jongenelen, 2004). Porém, coloca-se a questão de saber se estes problemas antecedem ou são consequência da maternidade na adolescência (Jongenelen, 2004; Whitman, Borkowski, Keogh, & Weed, 2001).

O estudo da influência da idade dos pais no desenvolvimento das crianças, indica que os filhos de mães adolescentes, em comparação com os filhos de mães adultas, apresentam mais complicações obstétricas, problemas médicos e baixo peso à nascença, prematuridade, mortalidade neo-natal, atrasos no desenvolvimento cognitivo, problemas sócio-emocionais, comportamentais e académicos, e percentagens mais elevadas de vinculação insegura (Borkowski et al., 2002; Lourenço, 1998; Mollborn & Dennis, 2010; Spieker & Bensley, 1994; Weed, Keogh, & Borkowski, 2006; Whitman et al., 2001). Apesar dos resultados inconsistentes e contraditórios, a comparação entre filhos de mães adolescentes e adultas tem revelado poucas diferenças desenvolvimentais

Estilos educativos parentais e qualidade da vinculação no período escolar

durante os primeiros três anos de vida, aparecendo as maiores divergências no período pré-escolar e escolar (Coley & Chase-Lansdale, 1998). A maior percentagem de problemas presentes nos filhos de mães adolescentes tem sido relacionada com dificuldades parentais inerentes ao nível socioeconómico, à paternidade adolescente e a famílias grandes, e não exclusivamente com a idade da mãe (Carothens, Borkowski, & Whitman, 2006; Voydanoff & Donnelly, 1990). Poder-se-à questionar se estes resultados pessimistas derivam do facto de as mães serem adolescentes, ou também porque este grupo está particularmente exposto a acontecimentos de vida negativos e apresenta, à partida, condições mais desfavoráveis que poderão influenciar os resultados (Carothens et al., 2006; Jongenelen, 2004). Assim, a investigação sugere que podem ser encontrados vários desenlaces em relação ao desenvolvimento e ajustamento psicossocial das mães adolescentes e seus filhos (Whitman et al., 2002).

A investigação tem salientado diferenças de género no modo como o pai e a mãe se relacionam com o seu filho. Em geral, as mães passam mais tempo com as crianças do que os pais (Collins & Russell, 1991; Parke, 2002), ainda que quando os pais e a criança estão juntos, existe igualdade na frequência com que cada um toma iniciativa em estabelecer a interacção com o filho, bem como o filho estabelece contacto com a mesma frequência com ambos os pais (Russell & Russell, 1987). Têm, ainda, sido descritas diferenças no envolvimento materno e paterno em função do contexto e do tipo de actividade, sendo a mãe mais frequentemente responsável pelas tarefas de cuidados ao filho e o pai investindo nas actividades lúdicas (Grossmann et al., 2002; Lewis & Lamb, 2003; Monteiro, Veríssimo, Castro, & Oliveira, 2006). Neste contexto, o pai dedica-se mais a desenvolver actividades com contacto físico com a criança, enquanto a mãe realiza mais jogos com objectos, com conteúdo verbal e cognitivo, e responsabiliza-se pelos cuidados à criança (e.g. higiene, alimentação, ajuda nos trabalhos de casa) (Collins & Madsen, 2003; Collins et al., 2002; Lewis & Lamb, 2003).

Tendo em consideração a maior quantidade de tempo e de actividades partilhadas entre mãe e filho, não será de estranhar que os estudos indiquem que as mães, em comparação com os pais, têm a oportunidade de desenvolver relações mais intensas com os seus filhos, na expressão de afecto positivo e negativo, de suporte e de controlo (e.g. Castro et al., 1997; Russell & Russell, 1987). Assim, as mães são descritas como mais envolvidas, mais sensíveis e tendo um afecto mais positivo do que os pais (Barnett, Deng, Mills-Koonce, Willoughby, & Cox, 2008; Baumrind, 1989; Castro et al., 1997; Paulson & Sputa, 1996; Russel & Russel, 1987). Os resultados não são de estranhar, na medida em que normalmente as mães mantêm uma maior interacção com os seus filhos, em comparação com os pais.

No mesmo sentido, os estudos que utilizam o EMBU-C dão conta que a criança percepciona níveis mais elevados de suporte emocional, de tentativa de controlo, e de rejeição no comportamento parental da mãe, em comparação com o pai (Canavarro & Pereira, 2007a; Castro et al., 1993; Nishikawa et al., 2010; Paulson & Sputa, 1996). Isto é, as mães pontuam mais alto em todas as dimensões do instrumento, sendo esta diferença de pontuação entre os dois progenitores mais notória em relação ao suporte emocional (Márquez-Caraveo et al., 2007). Similarmente, os autores que recorrem ao EMBU-P referem que a mãe, em comparação com o pai, percepciona a presença de níveis mais elevados de suporte emocional, de tentativa de controlo e de rejeição (Castro et al., 1997; Paulson & Sputa, 1996; Pereira et al., 2007a, 2009). Em convergência com a literatura, também Pereira et al. (2009) identificaram valores de suporte emocional e de tentativa de controlo maternos superiores aos paternos numa amostra portuguesa.

Quando confrontadas as percepções de rapazes e raparigas, são as raparigas que identificam menor rejeição do pai e da mãe, maior suporte emocional da mãe e menor controlo do pai (Canavarro & Pereira, 2007a; Markus et al., 2003).

Alguns estudos têm, igualmente, enunciado diferenças na parentalidade dos progenitores em função do género da criança. Nesta linha, tem sido sugerido que os pais do género masculino são os mais influenciados pelo género dos seus filhos (Cruz, 2005; Lytton & Romney, 1991). Todavia, os resultados são um pouco contraditórios, visto que tanto indicam que os pais são mais punitivos e controladores com os filhos do mesmo género (e.g. Barnett et al., 2008; Baumrind, 1971), como com os filhos do género oposto (Mulhern & Passmanm 1981, cit. in Cruz, 2005). Por exemplo, no estudo de Canavarro e Pereira (2007b) tanto o pai como a mãe percepcionam que rejeitam mais os seus filhos rapazes.

Em contrapartida, diversas pesquisas apoiam a ideia da semelhança entre pai e mãe, no que respeita às atitudes, estilos educativos e estratégias disciplinares utilizadas com os filhos (Florsheim & Smith, 2005; Kerr, Lopez, Olson & Sameroff, 2004). Assim, tem sido chamada a atenção para a interdependência entre o comportamento materno e paterno, afirmando-se a relação dinâmica e de influência mútua que se estabelece entre ambos. Pois, tem-se comprovado a influência que o comportamento materno tem no comportamento paterno, designadamente o impacto negativo que o comportamento materno pobre e intrusivo tem sobre o comportamento paterno (Barnett et al., 2008; Capaldi et al., 2008; Florsheim & Smith, 2005). Ainda que não se compreenda totalmente quando e como é que existe semelhança entre o comportamento parental do pai e da mãe, alguns autores sugerem que pode depender da qualidade da relação entre ambos (Barnett et al., 2008).

Estilos educativos parentais e qualidade da vinculação no período escolar

Em particular, os estudos que utilizam o EMBU-C têm identificado uma correspondência entre a percepção da criança e do adolescente sobre o comportamento parental do pai e da mãe (Castro et al., 1993; Márquez-Caraveo et al., 2007; Markus et al., 2003; Muris et al., 2003a; Nishikawa et al., 2010). Uma hipótese explicativa para esta associação sugerida por Halverson (1988) é que as crianças mais pequenas têm dificuldade em comparar os seus pais com outros, categorizando o comportamento parental com menor precisão (Márquez-Caraveo et al., 2007).

Porém, se existe uma correlação significativa entre o género dos pais e a relação estabelecida com a criança, de acordo com alguns estudos, as mesmas diferenças de género parecem ter uma menor significância no ajustamento psicológico e social da criança (Biblarz & Stacey, 2010). Não obstante, têm sido encontradas diferenças na influência das figuras parentais no desenvolvimento da criança, em função da combinação do género dos pais e da criança (Nishikawa et al., 2010; Roelofs et al., 2006). Neste sentido, um comportamento parental negativo do pai parece ter um maior impacto na manifestação de dificuldades de ajustamento nos rapazes, enquanto a mãe influencia mais predominantemente o ajustamento das filhas (e.g. Roelofs et al., 2006). Ainda que o nível de envolvimento dos pais com os seus filhos seja menor em comparação com as mães, os estudos têm salientado que os pais têm um papel essencial, principalmente no desenvolvimento social dos seus filhos, que se reflecte particularmente na relação da criança com os seus pares (Franco & Levitt, 1998; Isley, O’Neil, & Parke, 1996; Michiels et al., 2010). Por outro lado, a falta de envolvimento paterno e a indisponibilidade psicológica associam-se a resultados desenvolvimentais mais pobres (de Minzi, 2006; Sroufe, 2002).

Por fim, tem sido descrito que os estilos educativos e as práticas educativas parentais têm impacto no desenvolvimento da criança. O padrão autorizado, caracterizado por elevados níveis de envolvimento, afecto parental, controlo comportamental, e promotor da autonomia psicológica, tem sido consistentemente identificado como o estilo que mais contribui para o ajustamento psicossocial, comportamental e académico das crianças (e.g. Baumrind, 1971; Steinberg, Darling, & Fletcher, 1995). Assim, este estilo educativo associa-se a menos problemas de internalização e de externalização, melhores competências sociais e melhores estratégias de coping, melhor internalização, maior auto-estima e melhores resultados escolares (e.g. Baumrind, 1989, 1991; Cowan & Cowan, 2002; Mandara & Murray, 2002; Querido, Warner, & Eyberg, 2002).

Em oposição, os estilos educativos parentais negativos podem potenciar o risco de problemas de ajustamento e de psicopatologia. A rejeição, a insensibilidade parental,

baixos níveis de afecto, a sobreprotecção, o comportamento parental ansioso, e o uso de estratégias disciplinares ineficazes (e.g. afirmação de poder, punição física, hostilidade e controlo psicológico) têm sido relacionados com problemas de internalização e de externalização, problemas na formação da personalidade, vinculação insegura, menor capacidade de internalização e de auto-regulação, problemas comportamentais e académicos, comportamento anti-social, e menor competência social na criança (Bögels & van Melick, 2004; Davidov & Grusec, 2006b; Gladstone & Parker, 2005; Haskett & Willoughby, 2006; Hill, Bush, & Roosa, 2003a; Lindhout, Markus, Hoogendijk, & Boer, 2009; Luyckx et al., 2007; Mulvaney, & Mebert, 2007; Prevatt, 2003; Richmond & Stocker, 2008; Trautmann-Villalba et al., 2006; Wang et al., 2007).

Em estudos que utilizaram o EMBU-C, foram encontrados resultados semelhante (Bögels, van Oosten, Muris & Smulders, 2001; Brown & Whiteside, 2008; Grüner et al., 1999; Mofrad et al., 2009; Muris & Merckelbach, 1998; Muris et al., 2000, 2003b, 2004; Nishikawa et al., 2010; Pereira et al., 2009; Roelofs et al., 2006). Neste sentido, pais mais responsivos e afectuosos, mas não sobreprotectores, têm mais frequentemente filhos competentes, cognitiva e socialmente.

A literatura tem, ainda, indicado que um estilo educativo parental caracterizado pelo suporte e pela responsividade aos comportamentos da criança determina o tipo de impacto de práticas educativas específicas, como a monitorização ou o uso de controlo (Darling & Steinberg, 1993; McLoyd & Smith, 2002; Mofrad et al., 2009; Pereira et al., 2009; Towe-Goodman & Teti, 2008). Por exemplo, o estudo de Sentse et al. (2010) relatou que os pais, ao criarem uma atmosfera de interesse e carinho, que estimule os filhos a partilhar os acontecimentos que experienciam, têm maior probabilidade de terem filhos com menos comportamentos anti-sociais, talvez porque estes não sintam que estão a ser controlados ou que a sua autonomia está a ser comprometida.