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Capítulo II Vinculação no Período Escolar

3. Factores que influenciam a qualidade da vinculação

3.2 Factores relacionados com as figuras de vinculação

A literatura tem enumerado o efeito de diversos factores relacionados com as figuras de vinculação na qualidade da vinculação da criança, como: a sensibilidade e

responsividade, as práticas educativas e os estilos educativos parentais9, as expectativas parentais, a função reflexiva, os recursos psicológicos e a saúde mental, a idade, a representação da vinculação e a representação dos cuidados ao filho.

Bowlby (1969) considera que as experiências com as figuras de vinculação na infância e adolescência são o principal determinante do comportamento de vinculação de um indivíduo. Também vários estudos longitudinais têm identificado a qualidade dos cuidados parentais como a variável mais importante para o desenvolvimento da criança (Sroufe, 2002). Assim, a qualidade da vinculação da criança não depende apenas da presença e do afecto da figura cuidadora, mas da sensibilidade e responsividade perante as suas necessidades (Belsky, 1984; De Wolff & van IJzendoorn, 1997; Kerns et al., 2000).

Os teóricos da vinculação definem competência parental em termos de sensibilidade parental. Deste modo, um pré-requisito para uma vinculação segura é a sensibilidade e a responsividade do cuidador, ou seja, a capacidade de perceber e interpretar correctamente os sinais da criança, respondendo de modo adequado, consistente e eficaz às suas necessidades de vinculação. Logo, o modo como são prestados cuidados à criança desde o seu nascimento influencia o funcionamento do seu sistema de vinculação, tendo a sensibilidade materna um papel essencial no desenvolvimento de uma vinculação segura na criança (Ainsworth et al., 1978; Belsky & Fearon, 2008; Bowlby, 1969; Cummings & Cummings, 2002; De Wolff & van IJzendoorn, 1997; Monteiro et al., 2008b; Nair & Murray, 2005; Soares, 1996b; Younger, Corby, & Perry, 2005). A literatura documenta bastante a associação entre a sensibilidade materna e a segurança da vinculação do bebé, indicando que as crianças com padrões de vinculação segura têm maior probabilidade de terem cuidadores contingentes e responsivos às suas necessidades (Cummings & Cummings, 2002; De Wolf & van IJzendoorn, 1997; Isabella & Belsky, 1991; Pederson, Gleason, Moran & Bento, 1998; Susman-Stillman et al., 1996; Teti, Gerfand, Messinger, & Isabella, 1995; van IJzendoorn, 1995; Vondra, Shaw, & Kevenides, 1995). Em oposição, a insensibilidade materna tem sido relacionada com uma vinculação insegura (Posada et al., 1999; Vondra et al., 1995). Nesta perspectiva, as crianças que recebem cuidados responsivos e adaptados às suas necessidades vêem a sua figura de vinculação como securizante em situações de stress, e como uma base segura a partir da qual exploram o meio. Então, as crianças estão mais confiantes na disponibilidade e responsividade desta figura, com impacto positivo na segurança da vinculação (Ainsworth et al., 1978; Bowlby, 1969; Grossmann et al., 2002). Portanto, os comportamentos parentais caracterizados por uma maior

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Estilos educativos parentais e qualidade da vinculação no período escolar

sensibilidade e responsividade influenciam as representações do self da criança, de modo a que esta se sente valorizada e merecedora de afecto e cuidados. Em contrapartida, se o comportamento parental envolver insensibilidade e rejeição, levam a que a criança construa modelos negativos de si e manifeste padrões de vinculação inseguros (Monteiro et al., 2008b).

Não obstante, ainda que se reconheça que a sensibilidade materna tem um papel essencial na transmissão intergeracional da vinculação, não explica totalmente a relação entre a qualidade da vinculação da mãe e a qualidade da vinculação da criança à mãe (George & Solomon, 1999). Assim, nem sempre se verifica uma correspondência entre a segurança da vinculação da figura parental e a segurança da vinculação do filho, havendo estudos que relatam uma associação fraca ou mesmo uma não correspondência entre as duas medidas (e.g. Jongenelen, Soares, Grossmann, & Martins, 2006; van IJzendoorn, 1995). Na sua meta-análise, van IJzendoorn (1995) constatou que existe uma concordância muito mais forte entre a representação materna da vinulação e a vinculação da criança, do que entre a sensibilidade materna e a vinculação da criança, resultados corroborados por outros estudos (De Wolff & van IJzendoorn, 1997). O autor designou esta ausência de conhecimento dos mecanismos pelos quais as experiências de vinculação da mãe influenciam a segurança da vinculação do seu filho por lacuna de transmissão (transmission gap), considerando que a parte da variância inexplicada no fenómeno de transmissão intergeracional da vinculação poderá ser explicada por outras variáveis que não a sensibilidade materna (e.g. Atkinson et al., 2005; Pederson et al., 1998).

Alguns estudos sugerem que a vinculação ao pai e a vinculação à mãe são dois construtos independentes, relatando uma discordância entre os padrões de vinculação que a mesma criança apresenta em relação ao seu pai e à sua mãe (de Minzi, 2006, 2010; Fox, Kimmerly, & Schafer, 1991; Main & Weston, 1981; Sroufe, 1985). Têm sido referidas associações mais fracas da vinculação da criança com a sensibilidade paterna, em comparação às existentes para a sensibilidade materna (De Wolff & van IJzendoorn, 1997; Kerns et al., 2000; van IJzendoorn & De Wolff, 1997). Acrescente-se que esta não é um bom preditor do desenvolvimento da criança (van IJzendoorn & De Wolff, 1997), o que sugere que a segurança da vinculação pai-criança pode ser melhor explicada por outras dimensões da interacção pai-criança (Paquette, 2004).

Tradicionalmente é descrito que o pai tem um menor impacto no desenvolvimento social e emocional do filho, em comparação à mãe (Main & Weston, 1981; Main et al., 1985). Em contrapartida, outras investigações mais recentes têm documentado que a qualidade da vinculação do filho ao pai e à mãe se relacionam com a mesma intensidade

com os resultados desenvolvimentais sócio-cognitivos (Bretherton, 2010; Grossmann et al., 2002, 2005; Kerns et al., 2000; Michiels et al., 2010). Também tem sido sugerido que o pai e a mãe desencadeiam nos seus filhos comportamentos de vinculação semelhantes, sendo ambos sensíveis e responsivos face ao comportamento dos filhos (Grossmann, Grossmann, Kindler, & Zimmermann, 2008; Lewis & Lamb, 2003; Owen & Cox, 1997; Torres, Santos, & Santos, 2008).

Porém, a investigação mais recente tem reconhecido que é importante valorizar o papel do sistema exploratório no desenvolvimento da criança, tendo os contextos de lazer e brincadeira um papel dominantemente importante na relação da criança com o pai e no seu desenvolvimento posterior (Grossmann et al., 2005). É, ainda, indicado que as duas figuras parentais têm papéis diferentes e complementares no desenvolvimento da vinculação. Portanto, a sensibilidade nos cuidados mais característicos da mãe contribui principalmente quando o sistema de vinculação está activo, acalmando a criança em situações de ansiedade, ao passo que o papel do pai é mais dominante em situações em que a criança necessita de suporte e segurança na exploração (Bretherton, 2010; Grossmann et al., 2002, 2005; Michiels et al., 2010; Monteiro et al., 2008b; Paquette, 2004). A literatura sublinha, deste modo, os papéis diferenciados que a mãe e o pai têm no desenvolvimento da criança, com contribuições distintas nas diversas áreas do seu ajustamento, visto que o pai e a mãe relacionam-se de modo diferente com o seu filho (Coleman, 2003; Grossmann et al., 2005; Steele & Steele, 2005b; Torres et al., 2008; Verschueren & Marcoen, 1999).

Os recursos psicológicos dos pais, designadamente a sua saúde mental e psicológica, o bem-estar e algumas características da personalidade, são identificados na literatura como variáveis que influenciam a qualidade dos cuidados prestados à criança e a qualidade da vinculação, destacando-se como particularmente importante a depressão materna (Ammaniti et al., 2005; Belsky, 1984; Belsky & Fearon, 2002, 2008; Cicchetti, Rogosch, & Toth, 1998; Jongenelen, 2004; Moss et al., 2005a; Poehlmann & Fiese, 2001; Teti et al., 1995; Waters et al., 2000).

Fonagy et al. (1991) descreveram uma nova dimensão, a função reflexiva ou mentalização, que é uma função mental usada para perceber e organizar a experiência do indivíduo e dos outros em termos de estados mentais. Ou seja, é a capacidade para compreender sentimentos, intenções, crenças e desejos em si próprio e no outro. Nesta linha, a função reflexiva correlaciona-se com a segurança da vinculação do progenitor e influencia a segurança da vinculação da criança através dos cuidados a ela prestados (Fonagy, Gergely, Jurist, & Target, 2004; Hill et al., 2003b).

Estilos educativos parentais e qualidade da vinculação no período escolar

Como foi referido anteriormente, tem sido estudada a influência da idade dos pais no desenvolvimento da criança, com destaque em particular para o impacto da maternidade na adolescência. Os filhos de mães adolescentes são descritos como tendo mais frequentemente padrões de vinculação insegura, em comparação com os filhos de mães adultas (Mollborn & Dennis, 2010; Whitman et al., 2001). Todavia, os resultados são contraditórios, uma vez que há estudos que não associam uma maior insegurança da vinculação a filhos de mães adolescentes (Andreozzi et al., 2002; Jongenelen, 2004; Jongenelen et al., 2006; Soares et al., 2001).

Há evidência científica acumulada que comprova a transmissão intergeracional da vinculação (Fonagy et al., 1991; Gloger-Tippelt et al., 2002; Main et al., 1985; van IJzendoorn, 1995). Deste modo, os pais com modelos de vinculação insegura têm maior probabilidade de os seus filhos terem um padrão de vinculação insegura (e.g. Cowan & Cowan, 2002; Main et al., 1985). A representação da vinculação da mãe em relação às suas figuras parentais influencia, tanto a organização da vinculação da mãe com o seu filho, como o comportamento parental, designadamente a sensibilidade materna (Kretchmar & Jacobvitz, 2002; Main et al., 1985; Soares, 1996a). Diversos estudos, conduzidos em vários países, apoiam a concordância intergeracional entre a representação da vinculação materna e o padrão de vinculação da criança (Ammantini et al., 2005; Coppola, Vaughn, Cassibba, & Constantini, 2006; Fonagy et al., 1991; Gloger- Tippelt et al., 2002; Main et al., 1985; Mikulincer & Florian, 1999; Miljkovitch, Pierrehumbert, Bretherton, & Halfon, 2004; Pederson et al., 1998; Soares, 1996a; Vaughn et al., 2007; Veríssimo, Monteiro, Vaughn, Santos, & Waters, 2005). O padrão de vinculação da criança é, então, predizível a partir do modelo interno dinâmico do cuidador, que representa a percepção que ele tem da qualidade da vinculação com os seus próprios cuidadores. Assim, dependendo dos modelos internos dinâmicos dos seus progenitores, os pais podem ignorar ou serem sensíveis às pistas emocionais do seu filho (Grusec & Ungerer, 2003). É, igualmente, sugerida a transmissão intergeracional do sistema de prestação de cuidados (Kretchmar & Jacobvitz, 2002).

Também a qualidade da vinculação adulta em relações íntimas associa-se a diferentes resultados desenvolvimentais na criança, como é exemplo a relação positiva entre uma vinculação insegura do pai e uma vinculação insegura do seu filho (Laurent, Kim, & Capaldi, 2008).

Por fim, a representação dos cuidados da figura de vinculação (George & Solomon, 1999) e a relação actual da mãe com a sua progenitora (Kretchmar & Jacobvitz, 2002) são, igualmente, variáveis importantes para a qualidade da vinculação da criança.