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Capítulo III Estilos Educativos Parentais, Qualidade da

4. Tipo de família, comportamento parental e qualidade da vinculação da criança

4.1 Tipo de família e comportamento parental

O divórcio representa um factor de stress na vida das famílias, que provoca diversas mudanças no contexto familiar e relacional da criança, traz consigo alterações na estrutura e organização familiares, no nível socioeconómico dos pais e implica, muitas vezes, o estabelecimento de novas relações amorosas pelos pais. O divórcio pode influenciar os comportamentos parentais, deixando-os menos disponíveis física e emocionalmente para os seus filhos, principalmente durante os primeiros anos após a separação (Hetherington, Bridges, & Insabella, 1998; Hetherington & Stanley-Hagan, 2002; Parke & Buriel, 2006; Woodward, Fergusson, & Belsky, 2000). Todavia, não se pode perder de vista que existe um conjunto de factores antecedentes ao divórcio, como o conflito entre os pais que, por si só, têm um impacto no comportamento parental e no desenvolvimento da criança (Parke & Buriel, 2006).

O stress do divórcio associa-se, muitas vezes, a riscos para a saúde física e psicológica dos pais, podendo manifestar-se problemas médicos, depressão, ansiedade, raiva, solidão, impulsividade e abuso de substâncias, o que poderá comprometer o exercício da parentalidade (Hetherington, 2003; Hetherington et al., 1998; Pryor, 2004). Durante os primeiros dois anos após o divórcio, os pais e, principalmente, as mães de rapazes, sentem-se mais ansiosos, deprimidos e com raiva durante mais tempo, em comparação com os pais não divorciados (Hetherington & Clingempeel, 1992).

Frequentemente, a criança fica a viver com a sua mãe após a separação dos pais, decisão muitas vezes ditada pelo papel mais secundário que o pai assume nos cuidados aos filhos. Porém, a literatura sugere que, se for dada a oportunidade, o pai pode interagir e cuidar tão bem do seu filho como a mãe faria, sendo igualmente competente e sensível (Monteiro, Veríssimo, Santos, & Vaughn, 2008a; Silverstein & Auerbach, 1999). No que respeita ao nível de contacto que o pai mantém com os seus filhos após o divórcio, apesar de inicialmente não existirem diferenças significativas no tempo de contacto, assiste-se a um declínio gradual, sendo comum não partilharem a maioria das experiências quotidianas com os seus filhos. Assim, a maioria dos pais divorciados

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despendem menos tempo com os seus filhos, envolvem-se menos nos cuidados e na educação, são menos apoiantes e afectuosos, exercem menos controlo e menos supervisão, e envolvem-se mais em situações de conflito com os seus filhos. Há mesmo situações extremas em que existe um afastamento total do progenitor (Coley & Chase- Lansdale, 1999; Gee & Rhodes, 2003; González & Triana, 2008; Hetherington, 1993; Hetherington & Clingempeel, 1992; Hetherington & Stanley-Hagan, 2002; Kalenkoski, Ribar, & Statton, 2005; Kelly, 2007; Schwartz & Finley, 2005).

São muitos os factores que podem contribuir para a alteração da frequência e da qualidade da interacção dos pais divorciados com os seus filhos. Estes factores não se relacionam tanto com a relação pai-filho existente anterior ao divórcio, mas mais com variáveis como a distância geográfica, nível socioeconómico e estabilidade do emprego do pai, recasamento do pai ou da mãe, tipo de custódia e relação conflituosa com a mãe do filho (Cabrera, Ryan, Mitchell, Shannon, & Tamis-LeMonda, 2008; Coley & Chase- Lansdale, 1999; Hetherington et al., 1998; Parke & Buriel, 2006). Por conseguinte, um dos maiores riscos do divórcio para as crianças é o progenitor que não fica com a custódia gradualmente afastar-se emocionalmente do filho, ainda que nem sempre seja claro se diminui a vontade do pai em envolver-se ou se a mãe incrementa estratégias eficazes para evitar o seu envolvimento (González & Triana, 2008).

Após o divórcio existe uma dissociação entre os subsistemas conjugal e parental, em que os pais terão de reestruturar o subsistema parental porque não irão manter a mesma aliança na educação dos seus filhos, aumentando a probabilidade de uma parentalidade inconsistente. Os estudos têm indicado que as mães divorciadas aplicam práticas parentais mais disfuncionais, utilizam menos a monitorização, são menos afectuosas e mais críticas, e são particularmente mais severas e mais autoritárias com os rapazes, demonstrando dificuldade em controlar o comportamento deles. Por seu lado, os pais divorciados são mais permissivos e indulgentes, comportamento que é referido como contribuindo para a maior dificuldade das mães em controlarem os seus filhos (Grolnick & Gurland, 2002; Hetherington & Clingempeel, 1992; Hetherington & Kelly, 2002; Hetherington et al., 1998; Kerns et al., 2001; Nair & Murray, 2005; Parke & Buriel, 2006).

Quando se estuda a família passados dois anos da separação, em geral, tanto os pais como os filhos se adaptaram à nova situação. As relações familiares, o estilo educativo e as práticas educativas parentais tendem a estabilizar, assumindo os pais um comportamento mais restritivo, ao passo que as mães têm um comportamento menos restritivo com os seus filhos. Todavia, algumas mães continuam a utilizar ineficazmente as estratégias de controlo, em particular em relação aos seus filhos rapazes, tal como

mantêm interacções mais coercivas e monitorizam menos (Hetherington, 1993; Hetherington et al., 1998).

A monoparentalidade é considerada um factor de risco para a qualidade da parentalidade, principalmente quando conjugada com outros factores de vulnerabilidade, como um baixo nível socioeconómico. Os pais sozinhos têm menor probabilidade de beneficiar de suporte social, maior probabilidade de passar por dificuldades económicas e acontecimentos de vida stressantes, de sofrer de depressão, nomeadamente devido a pressões económicas e por acumular as funções que são partilhadas por ambos os elementos do casal numa família nuclear (Cain & Combs-Orme, 2005; Grolnick & Gurland, 2002; Kalenkoski et al., 2005; Parke, 2003). Assim, os estudos descrevem a monoparentalidade como uma realidade que cria condições desfavoráveis à parentalidade funcional e saudável, principalmente devido à sua frequente associação a factores de risco. E são as mães que nunca casaram, em comparação com as mães divorciadas, as que têm condições de vida mais desvantajosas (Parke, 2003).

Muitas das consequências adversas descritas não são resultado da monoparentalidade e do divórcio em si, mas reflectem circustâncias estruturais externas. Há mesmo estudos que sugerem que as características individuais dos sujeitos e os factores demográficos são preditores do estado civil (Emery, Waldron, Kitzmann, & Aaron, 1999). Nesta perspectiva, quando são controladas variáveis sociodemográficas como o nível socioeconómico, não são encontradas diferenças significativas no comportamento parental das mães provenientes de famílias nucleares e monoparentais (Cain & Combs-Orme, 2005; Lundberg & Andersson, 2000).

Após o divórcio, muitos pais refazem a sua vida conjugal com um(a) companheiro(a), sendo criada uma família reconstituída em que aparece a figura do padrasto e da madrasta (González & Triana, 2008). A investigação documenta que as estatísticas são enganosas, na medida em que muitos dos pais que se dizem sozinhos, na realidade coabitam com um companheiro. Como é muito frequente as famílias reconstituídas dissolverem-se, tem sido documentada a dificuldade em estudar estatisticamente as transformações das famílias após a primeira separação (Parke, 2003). Porém, a literatura sugere que existe uma maior disfuncionalidade do comportamento parental no contexto de famílias reconstituídas, em comparação com as famílias monoparentais. As crianças que vivem em famílias reconstituídas percepcionam as suas mães como menos afectuosas, mais rejeitantes e menos estimulantes, sendo uma explicação plausível para estes resultados que as mães, ao iniciarem uma nova relação, dediquem menos tempo e atenção aos seus filhos (Lundberg & Andersson, 2000).

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O padrasto, ao interagir com a criança, tem muitas vezes de exercer um papel parental, que pode ser mais ou menos bem-sucedido, dependendo da idade e do género da criança, sendo mais provável que assuma o papel parental quanto mais nova for a criança (Hetherington & Stanley-Hagan, 2002). Alguns estudos desenvolvidos numa linha evolucionária sugerem que os padrastos investem primariamente na relação amorosa e não na parentalidade e na relação com o seu enteado (Anderson, Kaplan, & Lancaster, 1999). A maioria dos padrastos não providencia o mesmo nível de suporte e cuidados aos enteados do que aos filhos biológicos, são menos apoiantes, comunicativos e afectuosos, exercem menos controlo (Amato, 2001; Anderson et al., 1999; Hetherington & Clingempeel, 1992), percepcionam de modo menos positivo a relação com os seus enteados (Fine, Voydanoff, & Donnelly, 1994), e há maior probabilidade de ocorrer negligência e abuso do enteado, em comparação com os pais consanguíneos a viver numa família nuclear. Não obstante, tem sido sublinhado que a maioria dos padrastos ama e cuida dos seus enteados (Anderson et al., 1999). Há, também, estudos que referem que a parentalidade tende a melhorar algum tempo após uma transição marital e, particularmente em famílias reconstituídas estáveis em que o companheiro é apoiante, as diferenças na qualidade do comportamento parental são poucas em relação às famílias nucleares. Já em famílias monoparentais os problemas mantêm-se frequentemente (Hetherington & Stanley-Hagan, 2002).

A qualidade da relação interparental é um factor que actua determinantemente na parentalidade, tanto directa, como indirectamente ao influenciar o bem-estar e a saúde mental dos progenitores (Belsky, 1984; Conley et al., 2004; Florsheim et al., 2003; Floyd, Gilliom, & Costigan, 1998; Parke et al., 2004; Shelton & Harold, 2008). A evidência científica tem reportado associações entre o funcionamento marital e as interacções pais- filho (Erel & Burman, 1995), dando conta que a criança é influenciada pelo modo como os pais se comportam entre si, sejam esses comportamentos dirigidos ou não a ela. Neste sentido, para além das duas dimensões comportamentais comummente analisadas (relação emocional e controlo parental), deverá estudar-se outra dimensão: a relação interparental, entendida como o comportamento dos pais na interacção estabelecida entre si (Cummings, Goeke-Morey, & Graham, 2002).

O suporte parental relaciona-se com um melhor desempenho parental, tendo sido mesmo identificado como um preditor da competência e sensibilidade parentais, e da qualidade da interacção pais-filho, importantes no desenvolvimento de vinculações seguras (Belsky, Youngblade, Rovine, & Volling, 1991; Floyd et al., 1998; Frosch & Mangelsdorf, 2001). Os estudos têm sublinhado que, quando existe uma maior qualidade da relação conjugal e relações mais harmoniosas entre os pais, estes são mais

competentes nas suas funções parentais, sendo mais sensíveis, responsivos, apoiantes e afectuosos, menos rejeitantes e hostis e utilizando o controlo de modo mais adequado, bem como recorrendo mais frequentemente a um estilo educativo parental autorizado (Aluja et al., 2007; Coley & Chase-Lansdale, 1999; Olsen, Martin & Halverson, 1999; Shelton & Harold, 2008).

A separação é, muitas vezes, antecedida por um período de conflito mais ou menos aberto entre os elementos do casal, o que influencia a qualidade da relação do filho com o progenitor que sai de casa após a separação (Fabricius & Luecken, 2007; González & Triana, 2008; Parke & Buriel, 2006). É frequente os pais manterem-se em conflito depois da separação, o que poderá igualmente contribuir para que sejam menos apoiantes e envolvidos no seu papel parental (Amato & Booth, 1996; Hetherington et al., 1998). Deste modo, o conflito interparental tem um impacto negativo no comportamento parental, associando-se a uma maior predominância do estilo educativo parental autoritário, a um comportamento parental disfuncional e mais inconsistente, ao uso de práticas disciplinares menos adequadas, como estratégias coercivas e a maior ocorrência de maltrato infantil, a um menor envolvimento parental, a maior sobreprotecção, a menor afecto e a maior rejeição (Erel & Burman, 1995; Hetherington & Clingempeel, 1992; Hetherington & Stanley-Hagan, 2002; Kaczynski, Lindahl, Malik, & Laurenceau, 2006; Lindahl & Malik, 1999; McHale, Lauretti, Talbot, & Pouquette, 2002; O’Leary & Vidair, 2005; Shelton & Harold, 2008).

Quando se procura compreender os mecanismos que explicam a influência do conflito interparental no comportamento parental, surgem factores explicativos como alterações na qualidade da relação pai-filho, falta de disponibilidade emocional, estilos educativos parentais menos adequados, e dificuldade em estabelecer uma co- parentalidade funcional entre os pais (Barnett et al., 2008; Parke, 2002). Porém, ainda que a maioria dos estudos sublinhe a existência de uma associação positiva entre a qualidade da relação conjugal e a parentalidade, algumas pesquisas identificam um efeito compensatório através do qual os pais investem mais nas relações com os seus filhos quando têm problemas no casamento, tal como investem menos nas relações com os seus filhos quando têm uma grande satisfação conjugal (Erel & Burman, 1995; Grych, 2002; Krishnakumar & Buehler, 2000).

Existe alguma discordância em relação à influência da satisfação conjugal na parentalidade, quando comparados mães e pais visto que, ainda que seja quase consensual o impacto da relação conjugal no comportamento dos pais e das mães, há autores que consideram que a qualidade desta relação afecta mais as mães do que os pais (e.g. Isabella & Belsky, 1985). Em oposição, também tem sido referido que a

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qualidade da relação conjugal influencia mais os pais do que as mães (Belsky et al., 1991; Kaczynski et al., 2006). Em consonância com esta segunda linha de resultados, a satisfação conjugal nos homens relaciona-se com estilos parentais mais positivos, maior interacção e envolvimento nos cuidados ao filho e maior satisfação com o papel paternal (Belsky et al., 1991), sugerindo que a qualidade da parentalidade nos pais, em comparação com as mães, depende mais de uma relação marital apoiante. Deste modo, na medida em que as mães assumem, normalmente, o papel de cuidadoras principais, elas podem ou não promover um contexto em que os comportamentos paternos são aprendidos e praticados (Bradford & Hawkins, 2006; Parke & Buriel, 2006). Portanto, tem sido destacado o papel proeminente da mãe enquanto mediadora ou “porteira” na relação do filho com o seu pai, ora sendo resistente e limitadora, ora sendo apoiante e facilitadora do envolvimento paterno, postura que influencia o envolvimento paterno (Fagan & Barnett, 2003; Schoppe-Sullivan, Brown, Cannon, Mangelsdorf, & Sokolowski, 2008).

A co-parentalidade pode ser entendida como o processo através do qual pai e mãe coordenam os seus comportamentos parentais, se apoiam mutuamente no papel parental e partilham responsabilidades e tarefas educativas, dependendo em grande parte da capacidade de comunicar, colaborar e resolver desacordos (Grych, 2002; McHale et al., 2002). Bretherton (2010) sugere que a co-parentalidade pode ser conflituosa ou colaborativa, dependendo da qualidade da relação entre ambos e do modo como cada um dos elementos da díade parental avalia o outro enquanto figura parental.

Como a co-parentalidade remete para o nível de concordância entre os pais sobre o modo como educam os seus filhos, ela está interligada com a qualidade da relação interparental, havendo estudos que sugerem que esta útima variável influencia a parentalidade através da relação de co-parentalidade (Barnett et al., 2008; Floyd et al., 1998; Grych, 2002; Kitzmann, 2000; McHale et al., 2002). E, ainda que não se compreenda como a qualidade da relação interparental interfere na interacção pais-filho (Grych, 2002), a co-parentalidade influencia o comportamento individual do pai e da mãe e associa-se a uma parentalidade mais responsiva, tanto dos pais como das mães (Belsky, Putnam, & Crnic, 1997; Feinberg & Kan, 2008; Feinberg, Kan, & Hetherington, 2007; Floyd et al., 1998; Lindahl & Malik, 1999; McHale et al., 2002). Acrescente-se que, após uma situação de divórcio, é frequente os pais praticarem uma co-parentalidade conflituosa ou descomprometida, sem acordo em relação à educação dos seus filhos (Amato & Keith, 1991; Belsky et al., 1997; Hetherington et al., 1998; Hetherington & Stanley-Hagan 2002; Taanila, Laitinen, Moilanen, & Jãrvelin, 2002).