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Capítulo II Vinculação no Período Escolar

1. Vinculação durante a infância

1.2 Padrões de vinculação na infância

Ainsworth elaborou um procedimento laboratorial designado por Situação

Estranha para estudar os comportamentos das crianças em resposta à separação e

reunião com a figura de vinculação e com uma pessoa “estranha”. O procedimento abarca duas separações e duas reuniões breves entre a figura de vinculação e o bebé, sendo composto por uma sequência fixa de 8 episódios, que têm como objectivo intensificar e/ou activar o sistema comportamental de vinculação de bebés com 1 ano de idade (Soares, Martins, & Tereno, 2007b).

Este procedimento de observação permitiu a diferenciação de três padrões de vinculação do bebé à mãe: segura (padrão B) ou insegura (padrões A e C). O padrão B

(seguro) caracteriza os bebés que, em situações de stress, procuram activamente a

figura de vinculação e podem expressar-lhe o seu mal-estar, esperando desta segurança e conforto, sendo capazes de se acalmar e de reiniciar o comportamento exploratório. A

Estilos educativos parentais e qualidade da vinculação no período escolar

figura de vinculação funciona como fonte de segurança, aliviando a ansiedade e o mal- estar do bebé e também como base segura, a partir da qual ele desenvolve comportamentos exploratórios (Ainsworth et al., 1978). Os bebés seguros têm competência para alternar, de modo equilibrado, comportamentos de vinculação e de exploração, através de uma comunicação aberta e clara, e com integração de afectos positivos e negativos (Soares, 1996a).

Os bebés inseguros podem ser diferenciados em dois padrões de vinculação: A e C. Os bebés que pertencem ao padrão A (inseguro-evitante) ficam ansiosos em situações de stress, evitando a figura de vinculação, ainda que, normalmente, não resistam ao contacto. Parecem ser bebés que vêem esta figura como pouco responsiva às suas solicitações. Estas crianças minimizam a expressão de emoções negativas perante a figura de vinculação, que é percebida como rejeitante ou como ignorando essas mesmas emoções. Os bebés pertencentes ao padrão C (inseguro-resistente/ambivalente) interiorizaram uma figura de vinculação inconsistente na prestação de cuidados e, perante a incerteza da responsividade, ainda que procurem activamente a sua figura de vinculação em situações stressantes, apresentam, em simultâneo, comportamentos de resistência, protestam com irritação ou manifestam passividade perante a situação. Estas crianças percepcionam a sua figura de vinculação como inconsistentemente responsiva e, ora maximizam a expressão de emoções negativas e a exibição de comportamentos de vinculação com o propósito de chamar a atenção das figuras parentais, ora permanecem passivas ou com a atenção focada nos pais, mesmo quando o ambiente estimula os comportamentos de exploração (Ainsworth et al., 1978; Ungerer & McMahon, 2005).

Diversos estudos conduzidos em vários países, nomeadamente em Portugal, confirmaram e validaram estes três padrões de vinculação, classificando a maioria dos bebés e das crianças (dois terços a três quartos) com um padrão seguro, um quinto a um terço como inseguros-evitantes e apenas uma minoria se enquadra no grupo inseguro- ambivalente/resistente (Ainsworth et al., 1978; Rabouam, 2004; Soares, 1996a; van IJzendoorn & Sagi-Schwartz, 2008). Também as pesquisas com crianças e adolescentes têm identificado a mesma distribuição pelos padrões de vinculação, com um maior número de indivíduos classificados com uma vinculação segura (Matos & Costa, 2006; Rios, 2006). Na aplicação deste procedimento em amostras de risco, verifica-se um aumento de classificações inseguras (Weinfield et al., 1999; Weinfield, Sroufe, & Egeland, 2000).

Mais tarde, Main e Solomon (1990) encontraram casos em que a classificação em padrões A/B/C não era suficiente para descrever o comportamento, criando um quarto

grupo – Grupo D (desorganizado/ desorientado) – onde se incluíam bebés que apresentavam uma simultaneidade/ sequência de comportamentos contraditórios ou despropositados, estereotipias, expressões de confusão, desorganização e desorientação, bem como indícios de apreensão face à figura de vinculação. Estes comportamentos desorganizados resultam do colapso de uma estratégia organizada para lidar com o stress, enfrentando o medo sem solução. Os estudos que têm avaliado a vinculação desorganizada referem que aproximadamente 10 a 15% das crianças pertencentes a amostras de baixo risco têm uma vinculação desorganizada. Já em amostras de elevado risco, provenientes de contextos sociais desvantajosos e em grupos clínicos, a percentagem pode ser muito mais elevada (van IJzendoorn, Schuengel, & Bakermans-Kranenburg, 1999).

A teoria da vinculação abarca, igualmente, a continuidade e a mudança do sistema

comportamental de vinculação ao longo do ciclo vital. A investigação tem sublinhado a

importância do padrão de vinculação desenvolvido na infância, que tem uma grande probabilidade de se manter estável ao longo do tempo e de influenciar vários domínios do desenvolvimento sócio-emocional da criança (Rutter, 2002; Thompson, 2006). Apesar de Bowlby (1973) considerar a continuidade entre as experiências de vinculação na infância e a representação da vinculação na idade adulta, perspectiva a possibilidade de mudança do sistema de vinculação, na medida em que os modelos internos são dinâmicos, flexíveis e passíveis de revisão perante novas experiências que ocorrem após a infância (Moss et al., 2005b).

A continuidade temporal da qualidade de vinculação verifica-se na maioria das amostras em que as crianças vivem em ambientes de menor risco que assegurem condições de vida estáveis (Gloger-Tippelt, Gomille, Koenig, & Vetter, 2002; Main & Cassidy, 1988; Main, Hesse, & Kaplan, 2005; Moss, Cyr, Bureau, Tarabulsy, & Dubois- Comtois, 2005a; Silva et al., 2008; Verschueren & Marcoen, 2005; Wartner, Grossmann, Fremmer-Bombik, & Suess, 1994; Waters, Merrick, Treboux, Crowell, & Albersheim, 2000). Em oposição, não se verifica tão frequentemente uma continuidade da qualidade da vinculação em amostras de risco (Sroufe, 2002; Sroufe et al., 2005; Vondra, Shaw, Swearingen, Cohen, & Owens, 2001; Thompson, 1999; Waters et al., 2000; Weinfield et al., 2000).

Apesar de ser mais provável a mudança na classificação da vinculação em amostras de risco, também podem ocorrer alterações em amostras normativas, ideia corroborada por alguns estudos que dão conta da descontinuidade da qualidade da vinculação da criança ao longo do tempo em amostras normativas (Beckwith, Cohen, &

Estilos educativos parentais e qualidade da vinculação no período escolar

Hamilton, 1999; Bohlin, Hagekull, & Rydell, 2000; Freitag, Belsky, Grossmann, Grossmann, & Scheuerer-Englisch, 1996). Assim, a continuidade da vinculação não é meramente afectada pelas grandes mudanças no ambiente familiar que determinem uma modificação na qualidade da interacção pais-criança e na prestação de cuidados (Beckwith et al., 1999; Bowlby, 1969; Main & Cassidy, 1988; Moss et al., 2005a; Sagi- Schwartz & Aviezer, 2005; Soares, 1996a), mas pode ser igualmente afectada por mudanças nas rotinas de vida da criança (Sagi-Schwartz & Aviezer, 2005).

As perspectivas ecológica, transaccional e sistémica têm contribuído de modo inegável para o estudo de fenómenos complexos, tendo sido aplicadas à vinculação. Portanto, vários estudos longitudinais corroboram que as trajectórias desenvolvimentais são multifacetadas e multideterminadas e que a continuidade da qualidade da vinculação é multidimensional (e.g. Sagi-Schwartz & Aviezer, 2005). Estas perspectivas constituem uma mais valia, ao contemplarem as variáveis que, directa ou indirectamente interferem na qualidade da vinculação da criança, visto a dinâmica da vinculação estar sujeita à acção de factores de natureza individual, relacional e contextual (Ainsworth et al., 1978; Beckwith et al., 1999; Belsky, 2005; Brofenbrenner, 1989; Brofenbrenner & Morris, 2006; Coleman & Watson, 2000; Hill, Fonagy, Safier, & Sargent, 2003b; Isabella & Belsky, 1991; Sroufe, 2002; Thompson & Raikes, 2003; van IJzendoorn & Sagi-Schwartz, 2008).

Em síntese, a teoria da vinculação tem reforçado que as experiências precoces têm impacto no desenvolvimento posterior da criança. Uma vinculação segura à figura de vinculação permitirá que as crianças lidem de um modo organizado e competente com as emoções negativas e com os acontecimentos geradores de stress. Deste modo, a qualidade das primeiras relações estabelecidas reflecte-se nas relações interpessoais que são formadas e mantidas ao longo da vida. Por um lado, se as experiências precoces afectam o modo como o indivíduo interpreta e reage perante situações presentes, também as experiências actuais provocam alterações nas representações da vinculação, podendo influenciar os resultados desenvolvimentais (Sroufe et al., 2005; Thompson, 1999). Em qualquer dos sentidos, são as continuidades e descontinuidades nas experiências ao longo do tempo que vão determinar a qualidade da vinculação da criança (Freitag et al., 1996; Rutter, 2002)