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Compreensão dos eventos de riscos a partir das abordagens construção social e

2.4 Vulnerabilidade: abordagens convergentes

2.4.1 Compreensão dos eventos de riscos a partir das abordagens construção social e

comunitária

De acordo com o IPCC, é possível afirmar que os setores mais afetados aos eventos relacionados às mudanças climáticas são os de água, da agricultura e segurança alimentar, das florestas, da saúde e do turismo. Mas, como vimos acima, a dinâmica climática local, a exposição e a vulnerabilidade são os fatores que determinam o quanto uma realidade social pode ser afetada (IPCC, 2012).

Isso nos leva a afirmar, de acordo com o IPCC (2012), que as estratégias de adaptação às mudanças climáticas, voltadas à redução dos riscos e desastres além de serem compreendidas a partir de vieses político-institucionais e técnico-científico, precisam ser, de igual modo, compreendidas e respondidas no nível individual, familiar, comunitário, uma vez que, a capacidade de lidar/enfrentar com os riscos e os danos está intrinsecamente atrelada às experiências de vida coletiva/comunitárias e individuais, como abaixo citado:

Many of the extreme impacts associated with climate change, and their attendant additional risks and opportunities, will inevitably need to be understood and responded to principally at the scale of the individual, the individual household, and the community, in the framework of localities and nations and their organizational and management options, and in the context of the many other day-to-day changes, including those of an economic, political, technological, and cultural nature36 (IPCC, 2012, p. 38).

36 Muitos dos impactos extremos associados às mudanças climáticas, e os seus concomitantes riscos

e oportunidades adicionais, inevitavelmente precisam ser compreendidas e respondidas principalmente na escala do indivíduo, a família individual e da comunidade, no âmbito das localidades e nações e suas opções organizacionais e de gestão, e no contexto das muitas outras mudanças do dia-a-dia, incluindo as de natureza económica, política, tecnológica e cultural (tradução livre).

Considero que a procura por respostas a partir das experiências comunitárias individuais é, acima de tudo, trilhar a perspectiva de vivência de um evento extremo. Em se fazendo isso, estaríamos a agregar a recente concepção37 a anterior, já

consagrada, isto é, a dados temporais.

A relevância da recente perspectiva se expressa, na medida em que os fenômenos “Weather and Climate phenomena reflect the interaction of dynamic and

thermodynamic processes over a very wide range of space and temporal scales38”.

Pois, como sabemos, é no nível micro que a ameaça, ou, risco vai de encontro à suscetibilidade, a exposição, a vulnerabilidade e concretizam-se em situações de desastres. Assim sendo, a esfera micro é relevante para descrever, observar e monitorar as implicações dos fenômenos relacionados com o clima (LAVELL, 2003; MASKREY, 1989, 2011).

Certamente, para identificarmos as vulnerabilidades sociais, atividades humanas e fenômenos físicos que tendem a maximizar os riscos há necessidade de refutar abordagens top-down39 e subscrever abordagem de gestão de base comunitária

cuja finalidade é de “[...] reduce vulnerabilities and increase the capacities of

households and communities to withstand damaging effects of disasters. Such a system contributes to people’s empowerment and participation in achieving sustainable development and sharing its benefits40”(BOLLIN; HIDAJAT 2006, p. 272).

Desencadear ações a nível micro/comunitário, segundo Maskrey (2011), requer repensar em questões mais estruturais – que não se limitam, somente, em pequenos investimentos – de acesso à terra ou de gestão dos recursos naturais

37 Perspectiva social.

38 Tempo e Clima” refletem interações, dinâmicas e processos termodinâmicos que atingem uma

ampla gama de espaço e escalas temporais (IPCC, 2012, p.40) (tradução livre).

39“[...] a crescente evidência de que a vigentes abordagens top-down na gestão do risco de desastres pode levar a resultados injustos e insustentáveis. Muitos desses programas não conseguem resolver as necessidades locais específicas de comunidades vulneráveis, ignoraram o potencial dos recursos e capacidades locais e, em alguns casos, pode aumentar a vulnerabilidade social e económica das pessoas” (BOLLIN; HIDAJAT, 2006, p. 272) (tradução livre).

40 “[...] reduzir as vulnerabilidades e aumentar as capacidades das famílias e das comunidades para

resistir aos efeitos nocivos de catástrofes”. Tal sistema contribui para o empoderamento e participação das pessoas no desenvolvimento sustentável e partilhar os seus benefícios. (tradução livre).

enquanto medidas catalisadoras de enfrentamento aos riscos de desastres em múltiplas escalas. Para isso, os programas e projetos devem ser implementados com a comunidade e não em nível da comunidade (UNITED NATIONS OFFICE FOR DISASTER RISK REDUCTION, 2009 (UNISDR)), de modo que no final as instituições envolvidas estejam fortalecidas e as comunidades resiliente.

A finalidade atribuída à abordagem de base comunitária nos remete a dizer que, é de dentro que as comunidades definem as suas próprias vulnerabilidades e a capacidade de enfrentamento. É de dentro, e não de fora, que definem a fenomenologia das suas vidas em relação aos riscos, as lógicas de suas situações em relação as suas capacidades e necessidades, seus pontos fracos e fortes (WISNER et al., 2003).

Apontamos a necessidade de vincular as políticas de adaptação e de gestão de riscos e desastres nos moldes mais micro, voltadas à redução de vulnerabilidade e exposição. Entretanto, ir além, nesse aspeto, está de algum modo, segundo o IPCC, 2012, condicionado à mudança na conjuntura político/social centralizadora e hierarquizada dos Estados e instituições locais.

Sabemos, de antemão, que a problemática em estudo é de âmbito global. Mas, como mencionado anteriormente, há que se compreender as particularidades locais e regionais. De tal forma que discorremos, a seguir, sobre as abordagens que consideram particularidades culturais na construção social do conhecimento e as práticas de transmitir e acomodar informações entre sujeitos (indivíduo ou grupo) enquanto processo que orienta quais os interesses, quais os valores, quais variáveis e eventos trazem riscos para esses interesses e modos de vida. Estamos a falar da compreensão dos eventos de riscos a partir da construção social e cultural do risco, cuja autora Mary Douglas é uma das protagonistas.

Segundo Douglas e Wildasky (1982) o risco é entendido como uma elaboração, uma construção dos membros de uma sociedade. É por meio das categorias culturais (crenças e valores comuns) que uma determinada sociedade constrói as suas percepções de risco. Argumentam que “The different social principles that guide

behavior affect the judgment of what dangers should be most feared41”. As

categorias para construção do que constitui um fator de risco está relacionado com os valores e crenças de cada sociedade. O conjunto de valores e das crenças de uma organização social, de um modo específico de viver vai terminar quais práticas tomar/evitar diante os diferentes tipos de riscos. Quer dizer que, diferentes arranjos sociais deliberam concepções, interpretações e respostas diferenciadas aos riscos.

Se os diferentes arranjos sociais influenciam as percepções acerca de um determinado evento climático ou de risco, significa que as implicações de um referido evento podem ser mediadas por experiências e interações sociais. Entendimento que se espera dos executores dos projetos de adaptação ás mudanças climáticas de modo que, o olhar técnico sobre determinado evento de risco e ou uma situação de vulnerabilidade corresponda ao olhar do grupo em torno do qual o problema se situa. Em outras palavras, de acordo com Acosta, (2005), é considerar a cultura como categórico de uma construção social de risco, uma vez que a percepção que apresentamos de um risco ou do conjunto de ameaças se define de acordo com as dimensões socioespaciais e, estas se encontram culturalmente determinadas.

Acosta (2005) afirma que o enfoque interpretativo sustentado na abordagem de construção social do risco é análogo à de vulnerabilidade social e do entendimento da vulnerabilidade como ponto de partida. Para essa autora, o termo vulnerabilidade surge do interesse em reduzir a ocorrência dos desastres. Neste sentido, argumenta que os riscos e desastres constituem processos “multidimencionales y

multifactoriales, resultantes del asociación entre las amenazas y determindas condiciones de vulnerabilidad que se reconstruyen com el passo del tempo, p. 22”.

Enquanto processo que se constrói ao longo do tempo é:

[...] em sí una construcción social, culturalmente determinada, que no es lo mismo que construir socialmente riesgos. No son los riesgos que se construyen culturalmente, sino su percepción. Lá construcción social de

41 Os diferentes princípios que guiam o comportamento social afetam o julgamento de quais riscos

riesgos remite a la producción y reproducción de las condiciones de vulnerabilidad que definen y determinan la magnitud de los efectos ante la presencia de una amenaza natural; es por ello la principal responsable de los procesos de desastres42 (ACOSTA, 2005, p. 23).

A abordagem construcionista sobre o risco – doravante, de acordo com o interesse da pesquisa, o termo será denominado eventos de riscos – contribui no esforço de imbuir distintas representações sociais à análise, à identificação e à descrição das implicações dos eventos extremos relacionados às mudanças climáticas, a partir das representações sociais em face de esses eventos e aos projetos de adaptação às mudanças climáticas implementados no país.

Segundo Moscovici (2010), as representações sociais são produto das nossas ações e comunicações, na medida em que elas, “corporificam ideias em experiências coletivas e interações em comportamento”, enquanto lócus de práticas sociais, imagens e simbologias reveladas, principalmente, “em tempos de crise, quando um grupo, ou suas imagens, está passando por mudanças” (MOSCOVOCI, 2010, p. 39, 40).

Em tempos de crise, as representações subjetivas, moldadas socioculturalmente, influenciam no julgamento de um evento de riscos, assim como, a alocação de esforços para lidar com esses riscos. Certamente, queremos com isso dizer que, os sentimentos são importantes na determinação das nossas reações aos riscos. Os sentimentos experimentados podem servir como informações para orientar julgamento e tomada de decisão (SLOVIC, 2006). Emoções como de medo e raiva são fundamentais à compreensão teórica do risco como sentimentos. “These two

emotions appear to have opposite effects – fear amplifies risk estimates, and anger attenuates them” “[…] that fear arises from appraisals of uncertainty and situational

42 [...] a percepção de risco é em si uma construção social, culturalmente determinada, que não é o mesmo que construir os riscos sociais. Não são os riscos que se constroem culturalmente, mas a sua percepção. A construção social do risco refere-se à produção e reprodução da vulnerabilidade que define e determina a magnitude dos efeitos na presença de ameaças naturais, é o principal responsável pelos processos de desastre (tradução livre).

control, whereas anger arises from appraisals of certainty and individual control43

(SLOVIC, 2006, p.332). A ausência de confiança pode desembocar no medo e a dissuasão da aceitação coletiva ou individual de um evento de risco.

As pessoas podem julgar uma informação acerca de um evento que prevê alto grau devastação (material, moral, social, psíquica e simbólica) por meio de reações emocionais que podem gerar sentimento de segurança ou insegurança, de medo e perda (LOEWENSTEIN et al., 2001). De modo que, as informações de previsibilidade e as práticas em prol da adaptação às mudanças climáticas podem ser moldadas por reações emocionais de indiferença (WEBER, 2006), principalmente, quando as preocupações quotidianas à satisfação dos desejos mais básicos inexistem. Geralmente, as providências à sobrevivência são mais prementes do que a atenção e o esforço em previsões climáticas (IPCC, 2012).

Nesse sentido, mesmo que as previsões sejam confiáveis, o modo de veiculá-las, as reações emocionais, as crenças e os valores socioculturais podem influenciar a credibilidade em face de um fenômeno de risco previsto (Weber, 2006). Dessa forma, as previsões por si só, não podem ser pensadas como medida acabada ou acima de outras no conjugar dos esforços à adaptação às mudanças climáticas. Devem sim, serem pensadas enquanto combinação de ações e procedimentos voltados aos fenômenos físico/climáticos combinados aos processos psicossociais, culturais e institucionais. Seguramente, as informações acerca de um fenômeno físico tende a interagir com os diferentes ativos humanos sociais e ambientais a ponto de ampliar ou atenuar respostas em face de um evento, de pequena ou de grande magnitude (KASPERSON e colaboradores, 1988; IPCC, 2012).

A sensação de estar em risco, ou a alocação de esforços para superação, em seus diferentes padrões culturais e de relações interpessoais, ambientais dentre outros estão correlacionados com o sistema afetivo. Weber (2006, p. 116) formula que “attention-catching and emotionally-engaging informational interventions may be

43Estas duas emoções parecem ter efeitos diferentes – medo amplifica estimativas de risco e atenua raiva. “[...] o medo surge a partir de avaliações de incerteza e controle situacional, ao passo que a raiva surge a partir avaliações de segurança e controle individual” (tradução livre).

required to engender the public concern necessary for individual or collective action in response […] (p. 116)44” É dizer que as emoções (medo ou ansiedade) podem ser

um alerta à motivação de ação preventiva/corretiva na gestão dos riscos de desastres no âmbito da adaptação às mudanças climáticas ou desmotivador.

Como a interação entre os riscos e os processos psicossociais institucionais e culturais podem diminuir a capacidade de resposta ou esvaziar a confiança nas informações de prevenção? Pois, vimos que o risco reflete a forma como as pessoas espelham-se sobre o mundo e constroem suas relações. Certamente, o processo de informações, as estruturas institucionais, o comportamento de grupos sociais e as respostas individuais corroboram para ampliação social do risco (KASPERSON e colaboradores, 1988). Na esfera institucional, por exemplo, a confiança, ou a ausência da mesma, atribuída aos atores que operam as ações e políticas de adaptação às mudanças climáticas é relevante para que, em termos práticos, essas ações tenham efeito de longo pro.

O conjunto de ações de prevenção aos riscos e desastres seria em função do juízo que fazemos sobre o que constitui risco (IPCC, 2012). Ajuizamos que, o modelo de construção social ou a escolha de uma determinada prática, ação à satisfação dos serviços sociais humanos endógenos conjugados as múltiplas influências ideológicas, ambientais, económicas e sociais exógenas têm correlação muito acentuada na construção dos riscos e dos desastres. Ou seja, na génese da concepção de “desastres como um processo socialmente construído” (CARMO, 2014, p.4).

Argumentamos que eventos extremos climáticos ameaçadores e trágicos autoproduzidos na e pela sociedade de riscos (BECK,1997) vão de encontro as distintas realidades. Nesse sentido, há necessidade de compreender a vulnerabilidade a partir do ponto de partida (O’BRIEN e LEICHENKO, 2000, KELLY e ADGER, 2000), como um processo (ACSELRAD, 2006) que a partir do

44 […] captura atenção e intervenções de informações emocionalmente envolventes pode ser

necessária para engendrar a preocupação pública coletiva ou individual necessário para ação em resposta” (tradução livre).

qual pode ser tomada a exposição das comunidades agrícolas de Ubua Budo e Pinheira roça como unidade de análise tanto na “escala espacial” como “temporal” (MARANDOLA JR. 2006) onde as respostas e as interpretações dos riscos podem ser guiadas por diferentes arranjos e concepções sociais (DOUGLAS E WILDASKY, 1982).

Os relatórios do IPCC apresentam evidências de que as mudanças climáticas potencializam alterações na frequência e no carácter dos eventos climáticos considerados extremos. Nesse sentido, optamos pelo quadro de literatura acima, em virtude de ter, na sua essência, o entendimento das causas da vulnerabilidade, da exposição humana e das alterações no comportamento dos sistemas socioecológicos como sendo processos de interação humana no ambiente. Interação que evidencia-se a partir da análise empírica apresentada no capítulo que a seguir.

CAPÍTULO 3_ REPRESENTAÇÕES DE LIMITAÇÕES FACE AOS EVENTOS CLIMÁTICOS NAS COMUNIDADES DE UBUA BUDO E PINHEIRA ROÇA ROÇA