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As ilhas de São Tomé e Príncipe permaneceram por mais de quinhentos anos sob a exploração e a dominação do colonialismo português – de 1470 até 1975. Nesse período, as roças constituíram o núcleo de atividade económica e a base da organização social do país. Representaram “ao mesmo tempo uma unidade económica e sociocultural” que condicionou uma “organização espacial” estabelecida por hierarquia social prevalecida mesmo após o período da independência (BERTHET, 2016, p. 968). Organização social estruturada a partir da lógica de isolamento territorial quase autossuficiente, no interior de cada uma, fazia- se presente um hospital, oficinas de carpintaria, alfaiataria, mecânica, cantina, escolas, creche, secador de cacau, posto de saúde e os respetivos alojamentos, ou seja, as senzalas. Com a descolonização territorial45, assinalada, entre outros

fatores, pela expulsão de mais de três mil portugueses46, desencadeou-se, a seguir,

um novo quadro político-social e consequentemente a alteração das atividades ligadas às empresas agrícolas, essas nacionalizadas47 e administradas pelos

nativos. Esse quadro, segundo Romana, proporcionou:

[…] alteração no sistema produtivo geraram, por si, efeitos anómicos na população das roças, expressos nos crescentes sinais de marginalidade social e na deslocação em direção à capital do país. A má gestão das empresas nacionalizadas, a queda da produção do cacau, a degradação dos termos de troca no mercado internacional contribuiu para a diminuição da atração pelas roças (ROMANA, 1997, p.214, 218).

45 Em 12 de julho de 1975 a partir de negociações com as autoridades portuguesas.

46 Para Da Costa (2011, p. 39, 47) não houve expulsão, mas sim um “abandono apressado de

pessoas, empresas e industrias, por razões políticas no decurso da revolução portuguesa. Um êxodo que deixou as estruturas económicas existentes decapitadas e os locais entregue a sua sorte”.

47 Em 30 de Setembro de 1975, em um comício de massas, realizado na Praça Yon Gato, presidido

por Pinto da Costa, as roças foram nacionalizadas com argumento de que com as mesmas, não se conseguia pagar os salários e consequentemente não transferiam divisas ao Estado (SEIBERT, 2002).

No mesmo marco de argumentação Menezes (2003, p.43), pontua que dois meses após a independência, o sistema agrícola foi nacionalizado em 90% e, agrupadas em 15 empresas estatais com áreas entre 1500 a 6000 hectares, cobrindo mais de 80% de terras cultiváveis e administradas em conformidade com os padrões colonial, não obstante, serem elementos contestatório da luta anticolonial. Enquanto elemento de contestação, para Berthet (2016), tudo parecia crer que o seu desmantelamento, no pós-independência, fosse fulcral. Não sendo, cinco anos depois, a partir de 1980, a população são-tomense começou a sentir a degradação das condições de vida decorrentes, mormente, da má gestão das roças, administradas segundo a imitação e a repetição de modelos deixados pela colonização. Significa dizer que as lideranças políticas, com “apoio técnicos agrónomos e regentes agrícolas locais” (ROMANA,1997, p.83), que assumiram a administração das roças, não reorientaram a produção económica para a sustentação doméstica. Berthet argumenta que:

[…] um dos balanços sobre esse período pode ser resumido à principal ideia de que as medidas e políticas adotadas levaram a algumas mudanças sem necessariamente provocar uma transformação drástica do sistema económico […]. A nacionalização não transformou – como anunciado pelo governo – fundamentalmente esse “objeto colonial” que permaneceu na sua estrutura, arquitetura e simbologia análogo às roças dos derradeiros anos coloniais (BERTHET, 2016, p. 963, 971).

Já para Da Costa 48 (2011) as medidas adotadas foram necessárias se

considerarmos a conjuntura económica em que o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP) chegou ao poder. Conjuntura orientada, segundo este autor, exclusivamente para os interesses das empresas coloniais e agravada pela ausência de agentes económicos privados, de técnicos e quadros da administração portuguesa. Diante esse contexto, Da Costa argumenta que a nacionalização das roças era “mais do que uma opção ideológica”, era acima de tudo, “uma necessidade imperiosa e incontornável num Estado que dava os primeiros passos, sem quadros disponíveis”. A única opção, continua o autor, “foi assumir essas

empresas e manter a funcionar as estruturas existentes” nas roças, a singular fonte de riqueza do país naquele período (DA COSTA, 2011, p. 47, 49).

De acordo com os dizeres do Da Costa (2011), podemos afirmar que as roças no pós-independência, deixaram de ser um elemento de contestação e passaram a ser a condição “sine qua non” para o desenvolvimento socioeconómico de São Tomé e Príncipe. Deste modo, além de assumir e manter todas as estruturas existentes nas roças o governo, liderado pelo Manuel Pinto da Costa, optou e sustentou investimento para a produção e exportação do cacau, em detrimento de investimento à obtenção de novas máquinas, revitalização das plantações, melhoria nas gestões administrativas e financeiras, entre outras medidas. Medidas estas, que poderiam fomentar a diversificação económica e a promoção de outros setores, principalmente, para incentivar a produção local de alimentos a partir das receitas provenientes da exportação do cacau (SEIBERT, 2002).

Seibert faz alusão ao modelo socioeconómico de matriz socialista, ancorado pela economia de plantação do cacau, instaurado no período seguido a dependência, que além de não reorientar a produção à sustentação doméstica, acarretou a decadência das roças que representavam a única fonte de riqueza do país. Para esse autor, o colapso das roças, herdeira da colonização, está atrelado aos fatores como, as convulsões sociais que antecedeu a independência, o fim do sistema de trabalho por contrato, consecutivas greves, a ausência da ética de trabalho produtivo, atrasos salariais, a não fertilização dos solos, a falta de cuidado com o controle fitossanitário e de sombreamento, o abandono dos viveiros, a falta de experiência administrativa e técnica, desprezo pelo trabalho nas roças, migração para a cidade, a seca que assolou o país em 1983, queda do preço do cacau no mercado internacional, “a manutenção da taxa de câmbio fixa da moeda nacional” (SEIBERT, 2002, p. 170).

Constata-se que fatores exógenos e endógenos contribuíram para o colapso da estrutura agrícola herdada do colonizador. Entretanto os fatores endógenos relacionados a má gestão, as irregularidades financeiras, a carência de quadros formados, a falta de experiência dos responsáveis de cada empresa agrícola

(diretores, feitores), estes nomeados segundo critérios clientelistas, redes de amizades e laços de parentesco dentre outras, foram determinantes para o degradação gradual das condições de vida e das infraestruturas nas roças. O resultado destas deficiências foi que uma empresa que tinha capacidade anual de produção em torno de 2000 toneladas passou a produzir apenas 300 a 400 toneladas. “A produtividade das plantações caiu de 400 a 450 kg/há antes da independência para somente 230 kg/há em 1981” pós-independência. Assim, “o país falhava em satisfazer as necessidades nacionais de alimentos” (SEIBERT, 2002, p.168, 171). O autor argumenta ainda que a falência da política voltada à economia de plantação está relacionada:

As insuficiências institucionais e organizativas, a falta de coordenação e comunicação, a distribuição da mão-de-obra e recursos de acordo com as clivagens socioculturais do colonialismo e uma ética de trabalho inadequado devido a uma história de escravidão e trabalho forçado tiveram também um decisivo impacto sobre o fraco desempenho da economia (SEIBERT, 2002, p. 183).

Diante do contexto de insuficiências – marcado, entre outros fatores, pelo declínio da economia de plantação, aumento da pobreza – a saída encontrada pelo governo, a partir de 1984, foi engajar-se junto ao Banco Mundial (B. M) e Fundo Monetário Internacional (FMI) para reabilitar o setor agrícola, a partir do có-financiamento das instituições bilaterais e multilaterais. Acordaram que o projeto de reabilitação acontecesse sob o Programa de Ajustamento Estrutural (PAE). O referido programa tinha como objetivo-chave, a longo prazo, romper com a monocultura do cacau, diversificar a economia e apostar no setor turístico. Para isso, foram adotadas diversas medidas49 visando o aumento da produção do cacau e, consecutivamente,

atingir o tão esperado crescimento económica. No conjunto das medidas, a distribuição de parcelas de terras do Estado à personalidades políticas e pequenos agricultores se destaca. “No período de 1985-1988, 10.000 hectares foram

49 Redução de impostos para exportação, pagamento e aumento dos salários em atrasos, entrega de

alimentos aos trabalhadores estatais, possibilidade de melhora da habitação através dos fundos de contrapartida, “autorização para “cultivar culturas alimentares em talhões privados dentro das roças”, quebra do monopólio estatal na exportação, (SEIBERT, 2002, p.228)”.

distribuídos pelo governo de acordo com critérios clientelistas aos membros do governo, altos funcionários do Estado” e empresas estrangeiras. De 1988 à 1989, registou-se um pequeno aumento na produção anual do cacau nas cinco empresas sob gestão estrangeira, entretanto contínuo declínio nas outras 50 dependência, entregues aos produtores locais (SEIBERT, 2002, p. 228, 229).

Apontei acima que, em função da queda dos preços do cacau no mercado internacional, associado à falta de conhecimento, a ausência de créditos, de sementes, de fertilizantes levou grande parte dos pequenos agricultores a abandonarem as suas roças. Significa dizer que a primeira etapa do PAE não trouxe melhoria almejada, não obstante, foi implementado o segundo em meados dos anos oitenta. Segundo Menezes (2003), em termos de resultados, tanto a primeira quanto à segunda etapa do PAE ficaram muito longe de proporcionar melhorias, principalmente, para as populações rurais, as quais o Programa focalizava através da privatização das roças e criação de Pequenas Propriedades privadas de acordo com a citação que se segue:

Os objectivos do Programa de Privatização Agrícola e Desenvolvimento de Pequenas Propriedades (PPADPP) foram assim resumidos nos seguintes pontos: aumento e diversificação da produção agrícola através da promoção e surgimento de uma nova estrutura fundiária baseada na pequena e média propriedade; aumento da eficiência da produção, alívio da pobreza rural, crescimento sustentável e protecção ambiental, (MENEZES, 2003, p. 54, 58).

Não obstantes os ambiciosos objetivos, o Programa de Ajuste Estrutural não logrou êxitos enquanto componente forjado para atingir o desenvolvimento socioeconómico do país, em particular, do setor agrícola, mas contribui para atomizar, sucatear e vulnerabilizar as condições de vida e das infraestruturas existentes nas roças e enriquecer personalidades e atores políticos (SEIBERT, 2002).

Acentuado

Do que apresentamos sobre o cotidiano das roças, nos permite afirmar que historicamente esse espaço sempre foi marcado por uma acentuada vulnerabilidade

social – estabelecida pela forma como as elites política conduziram o país logo após a independência – considerada independentemente da ocorrência de eventos físicos (WEICHSELGARTNER, 2001; CANNON, 2006; O'BRIEN et al., 2008), mas atualmente estão justapostas as vulnerabilidades face aos impactos decorrentes da intensidade, magnitude e imprevisibilidade dos eventos físicos. Esse cotidiano expressa relevância enquanto objeto de estudo. Nesse sentido, como apresentado acima, objetiva-se descrever e analisar as representações sociais, de comunidades agrícolas, sobre as implicações dos eventos extremos do clima que têm afetado as suas práticas cotidianas e sobre a implementação de projetos de adaptação às mudanças climáticas.

3.2 Considerações acerca das roças Ubua Budo e Pinheira roça e os