• Nenhum resultado encontrado

Suscetibilidade e vulnerabilidade dos setores face às implicações dos eventos

Na Segunda Comunicação Nacional da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre mudanças climáticas de São Tomé e Príncipe de 2011, os setores estão enumerados hierarquicamente por prioridades de intervenção, de acordo com a vulnerabilidade de cada um. Isto é: (1º) setor de agricultura e pecuária; (2º) florestas e solos; (3º) água, energia e pesca; (4º) zona costeira; (5º) população saúde e educação. Ao contrário da Primeira Comunicação Nacional67, na segunda, o setor

agrícola e pecuário passou a ser prioritário na hierarquia de intervenções (STP-SCN, 2011). A meu ver, isso se deve a relevância deste setor à sustentação da segurança alimentar, assim como para a economia do país.

66Com pressões de desenvolvimento em curso, além de crescentes pressões dos riscos associados com a mudança ambiental global e liberalização económica que ameaçam a sua segurança física e económica (tradução livre).

A partir do ano em que São Tomé e Príncipe aderiu ao Programa de Ajustamento Estrutural68 cerca de 45.589,34 hectares de terra foram distribuídas para os

pequenos e os médios agricultores e repartidas em 26.076 hectares de área de cacauzal, 984 de cafezal, 7.676 de coqueiral, 2.110 de culturas alimentares e o restante em culturas diversas intercaladas com o cultivo de bananeiras. Entretanto, como foi apontado acima, o setor agrícola é um dos que tem sido mais atingido pelos eventos relacionados com as mudanças climáticas de acordo com o IPCC. No caso particular das ilhas de São Tomé e Príncipe, ficou evidenciado, a partir da Segunda Comunicação Nacional, que o aumento da temperatura, a diminuição, o aumento e a variabilidade na distribuição da precipitação poderão ter impactos negativos nos três produtos agrícolas de maior relevância para o país, sendo os mesmo considerados como os mais vulneráveis às mudanças climáticas. São eles, o cacau, a banana e o milho.

Estamos a falar de produtos que representam a base do rendimento económico das populações residentes nas antigas roças coloniais, do maior produto de exportação do país, do produto que constitui a base da alimentar de toda população santomense. Se considerarmos a tendência negativa da evolução precipitação em 1,7mm por ano, a exploração do cacau, que depende de limites mínimos de precipitação (1.500mm), poderá ser inviável em algumas regiões do país, de igual modo o cultura do milho poderá a vir ser cultivado somente uma vez por ano como foi demonstrado nas representações sociais dos sujeitos da pesquisa apresentada no capítulo 4. No caso da banana, temperaturas abaixo de 15ºC e acima de 35ºC condiciona negativamente o crescimento, isto porque, o cultivo da banana se adapta melhor em temperatura que ronda 26º-28ºC (STP-SCN, 2011).

No atual contexto das mudanças climáticas não podemos olhar para o setor agrícola separadamente do setor florestal, sendo que tanto, a agricultura comercial como a de subsistência é responsável pelo desmatamento, certo que, em percentagens diferentes. Os recursos florestais desempenham funções ecológicas que beneficiam sobremaneira a agricultura e proporcionam alimentos ricos em proteínas, minerais,

vitaminas que podem servir como uma rede de segurança em período de escassez alimentar.

Em São Tomé e Príncipe desenvolve-se, predominantemente, a agricultura de subsistência que não pode ser considerado o principal fator de pressão florestal. A meu ver, este fator diz respeito à comercialização das espécies de árvores de maior valor económico que paradoxalmente são as mais sensíveis às variações climáticas. Entre os anos de 1980 a 2000, observou-se nos distritos de Cantagalo, Mé-zóchi e Lobata cerca de 85% de abates de árvores ilegais. Anos depois, a sobre-exploração dos recursos madeireiros transferiu-se para as zonas secundárias, nos distritos de Lembá e Cauê, tendo agravado com a distribuição de terras e o crescimento exponencial da população (STP-SCN, 2011).

Já pontuei que a problemática ambiental relacionadas com as mudanças climáticas enquanto fruto da alta modernidade distancia-se em termos de causa e efeito. Toda via, a sua compreensão tanto na escala global quanto regional, local é atribuída à variabilidade natural ou decorrentes das atividades humanas que produzem gases com efeito de estufa responsáveis pelo aquecimento da atmosfera global (IPCC, 2007 a). O elevado percentual do abate ilegal de árvores observado nas ilhas de São Tomé e Príncipe corroboram à uma compreensão elacionada com as atividades humanas. Apesar dessas práticas, o país ainda é considerado um sumidouro de carbono, visto que, os níveis de absorção são superiores aos de emissão, de acordo com o gráfico nº 2. Mas, dado a sua condição insular, caraterizada pela suscetibilidade espacial e vulnerabilidade social históricas e outros fatores já mencionados, essas práticas ambientalmente insustentáveis, a exemplo da extração de inertes descritas abaixo, têm que ser banidas.

Gráfico nº2 - Resumo das emissões de GEE por setor -2005

Fonte: Segunda Comunicação Nacional, 2001.

OBS: A validação dos resultados da terceira Comunicação Nacional, realizada em outubro de 2017, aponta menor percentual da capacidade de sequestração.

De acordo com Segunda Comunicação Nacional, se tomarmos em consideração o panorama que aponta para um acentuado aumento de temperatura e diminuição da precipitação os impactos no setor das florestas passaria pela alta degradação da densidade das florestas, a proliferação de insetos predadores nos ecossistemas florestais, a extinção de algumas espécies, perda da biodiversidade, redução da capacidade de degeneração, deficiência na realização de fotossíntese, redução do teor da água nos solos, surgimento de espécies pioneiras e invasoras dentre outros impactos69.

Os ecossistemas da zona costeira, de igual modo, não estão imunes a estes impactos. Com uma zona costeira que se estende a 200 milhas a partir da linha da costa e constituída por três diferentes zonas, a de transição, continental/terrestre e a marinha. A zona de transição é formada pelos mangues de água salobra e é denominada como zona tampão sendo que faz a interligação entre a terra firme e o mar. Na zona tampão, a fauna e flora são de extrema relevância, isto porque constituem verdadeiros viveiros de espécies marinhas e terrestres e “desempenham um papel de equilíbrio e de purificação do meio ambiente” (STP-SCN, 2011, p. 79).

69 Ver a tabela 27 – Matriz de sensibilidade para o setor florestal e solos com as mudanças climáticas

No que diz respeito aos impactos decorrentes dos eventos relacionados com as mudanças climáticas para a zona costeira, a subida do nível das águas do mar constitui, sem dúvida, o fenômeno de maior ameaça as ilhas na medida em que as zonas costeiras são densamente povoadas e com baixa altitude. Suscetibilidade característica que faz com que o mar esteja a subir gradualmente, segundo as representações dos moradores que testemunham essa subida, a partir de marcos na costa que comprovam o recuo da linha da costa:

Estou a ver mesmo que o mar está entrar, porque onde está caminho, caminho perdeu, mar já destruiu tudo. Onde estava caminho mar agitava mesmo mais não conseguia atingir o caminho, mais hoje, já destruiu caminho, é porque mar está entrar mesmo (pescador da comunidade de Santa Catarina, Abril, 2012) (FERNANDES, 2012, p.125).

Representações locais que vão de acordo com os cenários do IPCC para a região onde as ilhas de São Tomé e Príncipe está inserida com SRES de previsão de subida das águas do mar em 0.13 a 0.43m no SRES B1, 0.16 a 0.53m no SRES A1B, 0.18 a 0.56m no SRES A2 respetivamente (STP-SCN, 2011, p. 79).

Além dos impactos dos fenômenos relacionados com as mudanças climáticas na zona costeira, as ações antrópicas locais têm contribuído para acentuar, ainda mais, a suscetibilidade existente nesta zona. A extração de inertes da praia para construções sempre foi uma prática estabelecida e ao longo dos anos acarretou perda de diversas praias por todo o país, sobretudo as que localizam perto da capital. Sendo assim, foi proibida a extração nas praias e a alternativa encontrada foi a de extração em alto mar mediante uma draga. Entretanto, a qualidade do inerte dragado é inferior devido à concentração elevado do sal em relação a que é extraída na praia. Deste modo, essa última passou a ser um produto altamente lucrativo e escasso. Com o aumento da demanda pela construção de moradias e ausência de emprego o garimpo de inertes passou a ser uma fonte de renda para grande parte dos residentes de sexo masculino das zonas costeiras mais próximas à capital. Esses retiram da praia, em pequenas quantidades ao anoitecer e antes de amanhecer, sacos de inertes e alocam em seus quintais para em seguida venderem.

Mas, recentemente tem-se observado recorrente extração de camiões com inertes das praias através de retroescavadeiras, não obstante os constates esforços para diminuir o avanço das águas do mar levado ao cabo pelos gestores do projeto de adaptação às mudanças climáticas em zonas costeiras. Fala-se de uma possível relação promiscua de favorecimento entre empreiteiro, que constantemente retira os inertes da praia, com os agentes de Estado responsável pela fiscalização.

São visíveis as mudanças no ambiente físico natural decorrente dos eventos relacionados com as mudanças climáticas assim como os impactos relacionados com as ações antrópicas e os seus efeitos nos sistemas sociais humanos. As perdas económicas arroladas são um exemplo. Como em São Tomé e Prícipe todas as infraestruturas de serviços de telefonia, eletricidade, escolas, hotéis, bancos, aeroporto dentre outras estão na região costeira, perda da base física territorial em decorrência do avanço do mar e a extração desordenada de inertes podem afetar esses serviços. Ao nível local e comunitário essas perdas manifestam-se em perdas de moradias, de materiais de trabalho, na extinção da base física para ancoragem das canoas, no deslocamento das populações, no distanciamento do pescado, em função do aumento da temperatura, dentre outras perdas. Estamos a referir aos impactos e perdas que alteram as “funções do espaço de manifestação do habitus”. Com efeito, “os papéis sociais ali exercitados” podem desaparecer “sem que haja novos papéis para ser validados num projeto de vida autodeterminado” (VALENCIO, 2009, p. 181) relacionados ao mundo do trabalho; de realização das rotinas e práticas de convivência diária.

Ao considerarmos o quadro de sensibilidade do setor de população, saúde e educação a baixo, extraída da Segunda Comunicação Nacional, constatamos que os impactos podem ser mais expressivos, sendo que somente com recursos humanos saudáveis e esclarecidos podemos enfrentar as mudanças climáticas. Na condição de perceber e identificar os principais impactos decorrentes dos fenômenos relacionados com as mudanças climáticas descrevi, resumidamente, as suscetibilidade e vulnerabilidades de cada um dos setores para em seguida discorrer sobre os constrangimentos que envolvem, segundo meu ponto de vista, os atores e as instituições submergidas no processo de adaptação às mudanças climáticas.

Tabela nº1 Matriz de sensibilidades para o setor da População, Saúde e educação com mudanças climáticas acentuadas

Efeitos Adversos (População, Saúde e Educação) Aumento da T e diminuição da P Aumento da T e aumento da P Seca Inundações Índice de pobreza + + + + + + + + + + + ++ + ++ Fluxo Migratório + + + + + + + ++++ + + + ++

Mudança de hábitos e costumes alimentares + + + + + + + + + + + + + + + Aumento d o n ú m e r o d e c a s o s d e má nutrição + + + + ++ + + + + + + + ++ -

Aumento de doenças de pele + + + ++ + + + +

++

- Aumento de doenças respiratórias + + + + +++ + + + + + + Redução do rendimento escolar + + + ++ + + + +++ + + +++ ++++ Diminuição do aprovisionamento

vitamínico às cantinas escolares

+ + +++ + + + +++ +++

Diminuição das taxas de ingresso

escolar + +++ + ++ +++++ ++

Fraca aplicação do Plano de Ordenamento

do território nacional

++ ++ + ++

Dificuldades de deslocação da população,

transporte de bens e acesso aos serviços

+ + + + ++ + + + + ++

Diminuição das condições higiénicas e sanitárias proporcionando o aumento de doenças e consequentemente o aumento de mortalidade.

+ + ++ + + +++ + + + + +++

Aumento de doenças da pele + + + ++ + + + +++ -

Aumento de doenças de origem hídrica + + ++ + + +++ + + + + + +++

Aumento dos surtos de paludismo + + ++ +++ + + + + ++

Aumento de doenças diarreicas agudas e

outras

+ + +++ + + +++ + + ++ ++ ++

Aumento de doenças ligadas à falta de saneamento do meio

+ +++++ + +++++

Aumento da taxa de abandono escolar +++++ +++++ +++++ +++++ Aumento do absentismo escolar +++++ +++++ +++++ +++++ Degradação das infraestruturas

escolares

- +++++ + +++

Interrupção e reprogramação das aulas

+ +++ + + + ++ ++ + + ++

Aumento do insucesso escolar + +++ + ++ +++ ++++

Diminuição da contribuição (produção) dos agricultores para a alimentação

+ + +++ ++ + + + +

Diminuição de índices de alfabetização com possibilidades de diminuição do nível de desenvolvimento económico nacional.

+ ++ + + ++ + ++ +++

Diminuição da alimentação escolar (da população escolar).

+ + +++ ++ + + +++ +

considerados numa escala de 0 -5: (0-) nulo (1+) muito baixo (2+) baixo (3+) normal (4+) alto (5+) muito alto.

4.3 Considerações acerca dos atores e instituições envolvidas no processo de