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COMPROU GOIABADA CASCÃO

No documento Livro - O Segredo de Luíza (páginas 59-65)

O SEGREDO DE LUÍSA Este livro respeita o gênio de

COMPROU GOIABADA CASCÃO

Luísa começa a ver com outros olhos o setor no qual pensava atuar. O conhecimento do setor de atuação é fundamental para o sucesso. Conhecer bem uma área de negócio não é tarefa simples: demora de seis meses a dois anos.

De volta à casa, divertiu-se com a idéia de fazer um teste com a irmã, Tina, que morava com ela e se preparava para o vestibular de administração de empresas. Imaginou qual seria a reação de Tina ao provar uma goiabada que não fosse de Ponte Nova. Teria que esconder os pacotes, pois a irmã sabia que o estoque de goiabada em casa devia estar alto, ainda mais numa segunda-feira, quando elas voltavam de sua cidade.

Sem que Tina percebesse, ofereceu-lhe como sobremesa dois pedaços, como se fossem a goiabada da Fernanda. Queria ver a reação da irmã quanto à qualidade

dos concorrentes.

Olhava interrogativa para Tina enquanto esta comia a goiabada e via televisão. Estava atenta quando ela, após a primeira dentada, abandonou o pedaço e pegou outro com o garfo, levando-o ao nariz para sentir o cheiro. Arrancou uma pequena lasca da goiabada e a pressionou entre a língua e os dentes da frente e, depois, contra o céu da boca e as bochechas, sem engolir. Em seguida, usou o pires do cafezinho para depositar aquela massa estranha.

— Acho que tia Fernanda usou goiaba estragada. Tá ruim — disse Tina, fazendo Luísa sentir-se vitoriosa e disposta a contar seus planos para a irmã mais nova, sob juramento de sigilo total.

Tina, de 18 anos, sentiu-se lisonjeada pela confidência da irmã, cujas histórias chegavam também aos seus ouvidos. Na verdade, melindrava-se por Luísa não partilhar seus segredos e intimidades com ela, que sabia do seu amor por Paulo. Por que nunca explicava suas ausências de casa, às vezes às segundas-feiras, outras vezes aos sábados, outras às quartas-feiras? Será que era considerada imatura pela irmã mais velha? Queria ajudar, dizer a ela que compreenderia tudo, que a apoiaria incondicionalmente, que o amor tudo justifica, mas não encontrava uma oportunidade, pois jamais Luísa permitira que tal assunto viesse à tona.

Noite mal dormida, Luísa estava na ante-sala do professor Pedro alguns minutos antes do horário marcado. A vontade de dar corpo à idéia da empresa, de enriquecê-la aos olhos do professor espantara seu sono durante a noite. Supunha que, quanto mais detalhes apresentasse, quanto mais perguntas fizesse, mais respostas obteria. Queria extrair o máximo que pudesse daquela que seria sua primeira sessão de consultoria.

De alguma forma, intrigava-a o fato de o professor recebê-la, de gastar seu tempo com ela. Ao telefone, fora suficiente apresentar-se como uma pessoa que queria abrir uma empresa para que a reunião fosse agendada.

... SIGILO...

É comum empreendedores fazerem segredo da sua idéia por medo de que alguém a copie. Nada mais enganoso. É importante que a idéia seja discutida, criticada. As idéias são diferentes das oportunidades e nascem no interior das pessoas. A mesma idéia pode significar um negócio promissor para uma pessoa enquanto para outra talvez permaneça como simples

idéia. Caso a idéia esteja apoiada em uma inovação tecnológica, o registro de marcas e patentes é fundamental para a proteção dos direitos. Se a idéia for tão frágil e atraente que possa ser copiada por qualquer pessoa, o empreendedor deve se preparar, porque certamente irão copiá-la quando o produto ou serviço for lançado. Nessa hipótese, tente criar barreiras à concorrência, tornando seu produto único e/ou aproveitando o fato de ter entrado antes no mercado. O simples segredo não é barreira suficiente.

Evidentemente, teria que lhe pedir total sigilo. O professor deveria conhecer muita gente capaz de copiar a idéia.

A conversa com o professor durara mais de duas horas. Já em casa, deitada no sofá e olhando para o teto, Luísa tentava pôr as idéias e emoções em ordem. Ela não sabia por que, mas tudo o que envolvia seu projeto de negócio lhe causava emoção.

O professor fizera inúmeras perguntas. Algumas lhe haviam causado embaraço. Aliás, o professor era bem diferente do que havia imaginado. Esperava voltar com muitas respostas e, na verdade, não obtivera nenhuma que dissesse respeito à fábrica de goiabada; conseguira, sim, um incrível volume de novas

perguntas.

Luísa não sabia avaliar todas as conseqüências das palavras do professor. Sentia que sua percepção sobre um negócio, sobre a própria Goiabadas Maria Amália havia mudado radicalmente. Começou a analisar a conversa, desmembrando-a minuciosamente para não perder detalhes. Antes de tudo, o professor fizera-lhe várias perguntas sobre temas como atividades profissionais dela e dos membros da família, seus estudos, o noivado, as relações de amizade; quis saber detalhes sobre interesses profissionais e atividades de todos os seus amigos — quais pessoas de suas relações mais admirava, se acaso se deixava influenciar por pessoas de fora do seu círculo de relações. Perguntou sobre seu comportamento, suas atitudes e características individuais, como perseverança, vontade e capacidade de convencer as pessoas, sua forma de ver o mundo, seus sonhos, o conceito que tinha de si mesma.

E justificava a razão das perguntas:

— Para o empreendedor, o ser é mais importante do que o saber. A empresa é a materialização dos nossos sonhos. É a projeção da nossa imagem interior, do nosso íntimo, do nosso ser em sua forma total. O estudo do comportamento do

empreendedor é considerado hoje fonte de novas formas para a compreensão do ser humano em seu processo de criação de riquezas e de realização pessoal. Dessa perspectiva, o empreendedorismo é visto também como um campo intensamente relacionado com o processo de entendimento e construção da liberdade humana...

Era coisa sobre a qual Luísa jamais pensara. Sonho, liberdade, projeção do ego. Mas era algo que realmente sentia, mesmo que inconscientemente. Talvez fosse essa a causa da presença constante da emoção.

... CONSEGUIRA, SIM, UM INCRÍVEL VOLUME DE NOVAS PERGUNTAS..

A importância das perguntas

É preciso entender o professor Pedro: seu papel é fazer perguntas. No ensino de empreendedorismo, não funciona a metodologia tradicional, em que há alguém — o professor — sabe algo, tem um estoque de conhecimentos e o transmite a outros — os alunos. Na metodologia de ensino do empreendedorismo, ao contrário, os alunos é que geram o conhecimento, representado pela concepção e pelo projeto de sua empresa, algo que não existia antes.

Por outro lado, como foi dito, o ensino de empreendedorismo prioriza o ser em relação ao saber como um fim em si mesmo. O objetivo final não é instrumental, não é a transmissão de conhecimentos, mas a formação de uma pessoa capaz de aprender a aprender e definir a partir do indefinido. O empreendedor nunca pára de aprender e de criar. O ensino não visa à criação de empresas de sucesso, mas sim à formação do empreendedor de sucesso. Para este último, o eventual fracasso da empresa é visto antes como um resultado com o qual saberá aprender. Aliás, as pesquisas indicam que o fracasso está quase inevitavelmente presente na vida de um empreendedor de sucesso. A atividade de empreender, representada sobretudo por identificação e aproveitamento constante de oportunidades, faz parte de sua rotina. Assim, a metodologia do ensino do empreendedorismo reproduz na sala de aula a forma como o empreendedor aprende na realidade, em sua empresa: solucionando problemas, trabalhando e criando sob pressão, interagindo com os pares e outras pessoas, promovendo trocas com o ambiente, aproveitando oportunidades, copiando outros empreendedores, aprendendo com os próprios erros. Não sem razão; é uma das áreas onde mais se cometem erros; caberá à habilidade do empreendedor aprender com eles e transformá-los em alimento para acertos e sucessos.

Por isso, o professor Pedro só faz perguntas. Ele quer induzir Luísa a buscar sozinha o conhecimento de que necessita; quer que ela aprenda a aprender. Diferentemente do aprendizado nas áreas em que se busca a resposta certa, a grande virtude no empreendedorismo é a capacidade de formular as perguntas pertinentes, que geralmente não

apontam para uma só verdade, para uma única “resposta certa”, mas para vários caminhos e diferentes alternativas.

... PERSEVERANÇA...

A perseverança está entre as características mais importantes do empreendedor. Ela é dinamizada por alguém que está em busca do sonho.

Enquanto ele fazia anotações, Luísa tentava absorver o inesperado clima da conversa, já que nunca havia pensado sobre as relações entre seu projeto de empresa e sua vida pessoal, emoções, comportamento, personalidade e opiniões sobre o mundo.

O professor Pedro perguntara sobre o conhecimento que Luísa tinha do mercado, do produto, sobre quem iria comprá-lo, quais necessidades do cliente o produto estaria satisfazendo, quais e quantos eram os concorrentes, sobre o domínio tecnológico do processo de produção e de distribuição.

Uma das baterias de perguntas veio em tom de desafio:

— Quais revistas sobre o assunto você lê? Cite o nome de três concorrentes. Quais seriam seus fornecedores de equipamentos e de matéria-prima? Qual é o lucro médio das empresas que atuam nesse setor em relação a seu faturamento?

Luísa jamais lera nada a respeito e não conhecia o mercado. Por sorte, lembrou-se da embalagem que tinha observado no dia anterior, quando “testara” a concorrência, o que lhe permitiu balbuciar sem firmeza:

— Conheço a empresa Doces Minas Gerais, que vende seu produto numa embalagem tradicional, e sei que outras empresas vendem a granel.

— Faço sempre essa pergunta — disse o professor, tentando tranqüilizá-la. — Pouquíssimos sobrevivem a esse teste. Ela me indica se as pessoas têm um mínimo de conhecimento de mercado. No seu caso, me dá a certeza de que você ainda não está em condições, nem de longe, de pensar em abrir uma empresa. Serão necessários muito estudo, pesquisa, análise, planejamento. Você vai ter que fazer um Plano de Negócios.

— Mas eu sei como fazer uma excelente goiabada e acho que isso é muito, é o mais importante para um bom começo, não é? — defendeu-se Luísa.

Mas é um grande erro achar que isso basta. Na verdade, a pergunta é: quanto, na empresa, o conhecimento puramente tecnológico, voltado exclusivamente para o produto, representa para a solução global? Ou seja, qual o percentual do sucesso garantido pela qualidade intrínseca do produto? O que você acha, Luísa?

— Eu acho que é muito alta, 80%, 85%, sei lá. As pessoas querem qualidade e estão dispostas a pagar por ela — respondeu Luísa.

— Pois eu vou lhe dizer uma coisa: esse percentual não deve chegar a 15%. Em alguns ramos, não passa de 5%. Quase nunca o produto de maior sucesso é o que apresenta a melhor qualidade. Na área de informática, por exemplo, isso é a regra. A Microsoft nunca teve o melhor software e não saiu na frente. A IBM nunca teve o hardware mais avançado, nem seus sistemas operacionais na área dos

mainframes, computadores de grande porte, são os melhores.

— Isso é surpreendente. E por quê? — perguntou Luísa, chocada.

— A época do melhor produto passou. Era verdade na primeira metade do século XX. A demanda era muito forte; a concorrência, pequena. A ênfase se dava na produção. Saber produzir era o ponto-chave. Hoje, a situação é outra. Não basta

ter o melhor produto. Vou lhe contar uma história, chamada “A falácia da

ratoeira”. Essa história influenciou gerações e atualmente é responsável pela falência de muitos negócios que poderiam ter sucesso. Segundo ela, se uma pessoa criasse a melhor ratoeira do mundo e a colocasse à venda em sua própria casa, situada em um lugar afastado e quase inacessível, no meio de uma floresta, aos poucos os consumidores interessados abririam uma picada para comprá-la. Com o tempo, a picada se transformaria em via expressa, fazendo com que tal pessoa ficasse milionária.

O professor balançou a cabeça e continuou:

— Pessoas abrem empresas geralmente porque dominam o processo de produção. E não há nada de mal nisso. Pelo contrário. O problema acontece quando os outros 85% a 95% do processo são esquecidos. A esse grande percentual que falta, eu chamo de “empresariamento”. Uso essa palavra para designar tudo aquilo de que uma empresa necessita, além da tecnologia voltada para o produto, ou seja, o conhecimento profundo do negócio, dos clientes, dos fornecedores, da concorrência, das tendências e sinalizações sobre o futuro do produto. E também da gerência, da

administração financeira e, principalmente, do caixa.

No documento Livro - O Segredo de Luíza (páginas 59-65)

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