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SEU PRÓPRIO CRITÉRIO DE SUCESSO

No documento Livro - O Segredo de Luíza (páginas 51-58)

O SEGREDO DE LUÍSA Este livro respeita o gênio de

SEU PRÓPRIO CRITÉRIO DE SUCESSO

Pode-se dizer que os empreendedores dividem-se igualmente em dois times: aqueles para os quais o sucesso é definido pela sociedade e aqueles que têm uma noção interna de sucesso.

Não há nenhum estudo que diga que uma ou outra categoria tenha maior sucesso. Mas aqueles que têm uma noção interna de sucesso têm mais facilidade em alcançar a auto- realização.

... ENSAIOS DIÁRIOS...

O empreendedor tenta antecipar situações e preparar-se para elas. É alguém com capacidade de observação e de planejamento.

Foi direto para o Sereia Azul e, após ajeitar-se com a pequena bagagem atrás do balcão, submeteu de supetão, mas não sem temores, sua idéia à tia Fernanda:

— Nos últimos dois anos, tenho pensado muito em ter um negócio meu. A idéia é montar uma pequena fábrica de goiabada-cascão para vender no Brasil todo e inclusive para exportar. Acho que vai ser um grande sucesso.

Fernanda não dera importância ao que dizia a sobrinha. Parecia não entender ou não querer entender.

— É o que todo mundo fala, que a goiabada é potencialmente um grande negócio. Pega a garrafa de café pra mim — solicitou Fernanda.

— Eu gostaria de ter um negócio meu — continuou Luísa —, que me desse liberdade, que me permitisse ficar rica, independente.

tinha nas mãos sobre o balcão. Parecia ter levado um tapa. Disparou, sem tentar conter a irritação:

— Mas você vai conseguir isso como dentista!

— Não tenho mais vontade de ser dentista. Perdi o entusiasmo. Como alguém pode ter sucesso fazendo o que não gosta?

— Ah, meu Deus do céu, mas que conversa, hein? — respondeu a atônita Fernanda. — Logo num sábado. O que aconteceu para você falar tanta besteira assim? Vamos mudar de assunto. Me ajuda a fechar a loja e vamos embora agora mesmo.

Mas Luísa não iria desistir. Não deixaria que Fernanda escapasse. Recomeçou, com voz grave, recortando as sílabas. Queria encurralar a tia.

— Tia Fernanda, eu estou falando sério — reclamou Luísa.

— Você não pode estar falando sério. Isso não pode ser mais do que uma crise passageira. Ainda mais quando você se der conta das dificuldades que terá com uma fábrica dessas. A começar pelo capital necessário. Onde pensa que vai arrumar o dinheiro? Outra coisa: o lugar ideal para a sua empresa seria Belo Horizonte, e aí como ficaria o casamento? Delcídio iria concordar? E mais: o que você entende de negócios? Que loucura, minha filha, você pirou? — explodiu de vez.

Até ali, a reação de Fernanda seguia aquela que Luísa previra em seus ensaios

diários no trajeto entre a sua casa e a faculdade, tempo que usava para refletir.

Reproduzira a cena várias vezes, os diálogos possíveis, a reação emocional da madrinha. E continuou:

— Como ninguém pensou nessa idéia antes? A nossa goiabada já é famosa, mas nem o Brasil nem ninguém ganha dinheiro com ela. Lembra-se do que aconteceu com o pão de queijo mineiro? Demorou, mas começou a ser industrializado, vendido em todo o Brasil e até exportado. Muita gente ganha dinheiro com isso até hoje.

Luísa decidira concentrar-se no ponto mais fácil do diálogo: o negócio em si. Daria tempo para que o choque emocional de Fernanda se dissipasse, mitigando suas influências sobre a reação da madrinha e permitindo que ambas tomassem fôlego para enfrentar um resto de sábado difícil, prenunciado pelo clima do diálogo que gelara o balcão do Sereia Azul naquele final de manhã. Sabia que não tinha chances

se começasse a conversa falando de estudos e noivado.

— Já estive pensando em vários detalhes, como formato, embalagem, nome da empresa: Goiabadas Maria Amália Ltda.

Maria Amália era o nome da mãe de Fernanda, avó de Luísa, Vovó Mália, falecida fazia dois anos, figura querida na família e na cidade. Na verdade, o nome de Maria Amália fora invocado também na esperança de abençoar a nova vida de Luísa e arrefecer as esperadas resistências às suas novas idéias e planos. Mas a primeira menção ao nome da avó provocara uma reação diferente. Fernanda foi mordaz:

— Mamãe sonhava em ter uma neta doutora. Era o seu assunto preferido, logo que você passou no vestibular. Toda a cidade sabe, e, aliás, por causa disso, todos esperam a futura dentista. Você já é vitoriosa antes de começar. Tem emprego garantido na clínica do Dr. Luís, a melhor da cidade. Imagine a reação dela no túmulo, neste momento! Deve estar se contorcendo toda, coitada.

Luísa sentiu um calor na face. Apesar de ter imaginado uma reação desse tipo, a intensidade da última frase fora inesperada. Uma nuvem negra ofuscou seu raciocínio, sua capacidade de articulação verbal. Mesmo assim, a minuciosa preparação ainda lhe dava forças para continuar a batalha. Falou sem pensar, quase como se tivesse decorado um texto ou como se tivesse à frente não a madrinha, com aquele poder todo, mas a sua própria imagem, inerte, no espelho da penteadeira.

— Tenho notado que o governo pretende aumentar as exportações do país através das pequenas empresas. A goiabada poderia ser vendida em inúmeros pontos no exterior, como em drugstores nos Estados Unidos, aeroportos na Europa, supermercados de qualquer lugar. Lembra-se daquele mall ao qual fomos em Tampa, na Flórida? Podemos ter um estande no corredor: Goiabadas Maria Amália,

made in Brazil. Não terei concorrentes, a idéia é imbatível — esboçou um pequeno

entusiasmo.

— Meu Deus, Luísa. Você não entende nada de negócios. Você acha que sua idéia é a primeira, que somente você foi iluminada por Deus! Ora, várias pessoas em Ponte Nova já tentaram isso. O Zitinho, apesar de toda a experiência no comércio e da grana preta que investiu, não ganhou um tostão. Você acha que é tudo muito fácil. Para chegar onde estou, o que não é muito, tem uma vida de trabalho por trás.

Você ainda não tinha nascido quando comecei a vender abacate de porta em porta... Depois, consegui, Deus sabe como, um lugar de caixa na mercearia do Pepê...

Luísa respirou aliviada. Fernanda mordera a isca. Estava falando de si mesma, repetindo a ladainha mil vezes recitada, sempre com orgulho e vaidade: como começara, como sofrera, como nada fora de graça, mas fruto do seu trabalho e, é claro, das suas qualidades e da graça de Deus. Deixou a madrinha falar, sem ouvi-la, reunindo forças para o que viria depois. A primeira batalha estava ganha.

— Pois é, e hoje você tem mais grana do que o Dr. Luís, que é o melhor dentista de Ponte Nova. Mais influência também. Além disso, quanta gente importante freqüenta o Sereia Azul? Muita coisa é decidida aqui!

Por alguma coincidência ou por ajuda da Vovó Mália, acabava de entrar no Sereia Azul o primo Flávio, engenheiro e empresário bem-sucedido, apesar de não ser seu hábito freqüentar a loja aos sábados. Quando isso acontecia, Fernanda sabia o motivo. Flávio queria tingir o cabelo e preferia que ninguém visse.

— Bons dias, ou boa tarde, já que passa do meio-dia. Ô Fernanda, estou precisando tingir meu cabelo, mas só se me for servida uma pinguinha. Quero comemorar o novo negócio que fechei ontem. Olhem, meninas, jamais ganhei tanto dinheiro como depois que pedi demissão da construtora. Apesar do bom salário que tinha, hoje vejo como era limitado e como minha vida era monótona. Ganho dez vezes mais agora. Não dá mesmo para ser empregado hoje em dia.

Parecia combinado. Fernanda franziu o cenho com uma expressão interrogativa no rosto. Suspeitou injustamente de alguma trama. Pessoa querida, o Dr. Flávio era conhecido pela ingênua e inofensiva jactância, apesar de ser realmente bem-sucedido.

Aliviada e agradecida pela ajuda inesperada, Luísa desanuviou o semblante de pronto.

— Eu também acho que ser empregado é fria — disse.

— Fernanda, quero uma tintura diferente. A última deixou nos meus cabelos vários tons de laranja. Cadê a pinga?

Fernanda entrara no clima:

— Ora, Flávio, você não tem nem cabelo mais, fica ridículo tentando disfarçar os poucos fiapos que lhe restam. E, além do mais, é cabelo ruim, de afro-brasileiro,

para ser politicamente correta — e riu com uma estridência incomum em uma mulher da sociedade ponte-novense.

Luísa foi até a cozinha e buscou um pratinho de salgados e um refrigerante

diet. Era a fonte de energia para a conversa que seria retomada depois que Flávio

saísse e o caixa e as portas fossem fechados, às 13 horas.

Se não estivesse tão ensimesmado, Flávio teria percebido que havia muito falava sozinho, enquanto as duas, com o olhar perdido, murmuravam monossílabos em resposta ao que ele dizia.

Lulu-Boneca, o cabeleireiro, interrompeu o monólogo: — Seu Flávio, vai querer fazer as mãos também?

O domingo e a alma de Luísa amanheceram cheios de sol. Eram já dez horas, quando dona Maria Helena acordou Luísa para atender Delcídio ao telefone. Ele parecia ansioso por não ter encontrado a noiva na noite de sábado. De fato, a conversa iniciada com Fernanda pela manhã estendera-se até as duas da madrugada, regada a muito refrigerante, macarrão e doces, ficando o regime de Fernanda suspenso até segunda ordem.

Como tema, outro doce: a goiabada-cascão. Luísa sentia-se leve feito uma folha seca de goiaba ao vento: as confidências foram abrangentes, sua vida, seus sonhos, tudo foi passado a limpo. No final, vitória total: a madrinha transformara-se em sua cúmplice. Iria ajudar a recolher os cacos provocados pelo terremoto que rasgaria as entranhas dos pais e do noivo. E na zona de propagação do sismo estariam ainda o resto da família e os amigos.

Mesmo sendo dezembro e estando em férias, Luísa resolveu voltar para Belo Horizonte na segunda-feira, não sem causar estranheza a todos, à exceção de Fernanda.

Delcídio não conteve a ansiedade:

— Mas o que você vai fazer em Belo Horizonte em plenas férias?

Ela achava que tinha que começar a tratar de sua empresa imediatamente. Quando fosse enfrentar os pais e o noivo, batalha postergada para o começo de fevereiro, alguma coisa já teria sido feita para atestar sua seriedade e firmeza de propósitos.

Luísa não estava preparada para a pergunta à queima-roupa. — Uai, eu tenho minhas coisas para cuidar...

— Mas numa segunda-feira? — perseguiu Delcídio.

— Numa segunda-feira, sim! Desde quando tenho que lhe pedir autorização para fazer o que quero?

Ele sabia que era o momento de parar, amargando mais uma evidência de suas suspeitas.

De qualquer forma, a conversa com os pais seria mais fácil, pois Luísa decidira não abandonar o curso de odontologia, seguindo sugestão de Fernanda. O diploma ficaria como um presente para eles, mesmo que fosse alto o seu custo.

Mas o que fazer? Por onde começar? Se pelo lado afetivo, pessoal, a conversa

A

VALIDAÇÃO

com Fernanda tinha sido excelente, grandes dúvidas surgiram sobre a Goiabadas Maria Amália. A madrinha havia simplesmente bombardeado todas as suas idéias, não deixando pedra sobre pedra.

— Mas ela falou tudo por medo de eu me dar mal, por me amar — disse Luísa para o espelho da penteadeira enquanto desenrolava a touca que fizera para deixar os cabelos mais lisos. — Ela não entende nada de fábrica de goiabada — tentou se consolar.— Sabe fazer em casa dois quilos de cada vez, no máximo. O processo industrial é diferente. Além do mais, conhece somente a venda de balcão. Nunca trabalhou com distribuição, venda por atacado.

No íntimo, Fernanda se surpreendera com os conhecimentos de Luísa. Não que fossem profundos ou suficientes, mas eram muito mais do que se poderia esperar de uma menina que não tinha feito outra coisa na vida senão ficar atrás daquele balcão, estudar odontologia e namorar; aliás, namorar muito.

Durante a conversa, Fernanda insistira em que Luísa procurasse pessoas com as quais pudesse conversar, aconselhar-se.

— Mas pessoas que entendam de negócios. Nem dentistas nem funcionários da prefeitura servem... — havia dito com ironia, referindo-se a Delcídio.

— Uma colega da odontologia me falou sobre um certo professor Pedro,

do curso de computação, que criou uma disciplina de empreendedorismo. Estou

pensando em procurá-lo.

— Eu também ouvi algo parecido no Sereia Azul outro dia — disse Fernanda. — Foi o Mendonça, cujo filho estuda computação. Mostrou-se feliz ao ver que o filho estava aprendendo a ser empreendedor, em vez de se preparar para ser empregado.

Ela se interessara pelo assunto, imaginando que, se na sua época houvesse alguém para dar-lhe alguma orientação, talvez não tivesse cometido tantos erros elementares, sofrido sozinha por tantas noites sem dormir.

Naquela segunda-feira, já em Belo Horizonte, Luísa sentia-se outra pessoa. Abastecida emocionalmente pelo poder de uma conversa com alguém que admirava, achava incrível que um final de semana pudesse mudar tanto a sua vida. A excitação que assaltara sua mente era inusitada. Diferente de todas as outras grandes emoções pelas quais passara, era também mais abrangente, pois dizia respeito à sua liberdade,

à capacidade de decidir seu próprio destino. Sentia-se leve, pronta para conquistar o mundo.

Enquanto sua cabeça dava voltas, as pernas conduziram-na à mercearia, ao lado de sua casa, para a entediante tarefa das compras habituais. Mas flagrou-se olhando as prateleiras com olhos diferentes. Naquela manhã, teve a sensação de que aquele lugar estava ligado a ela de alguma forma.

— Você tem goiabada-cascão? — ouviu alguém perguntar ao balconista. — Tenho, pacote de um quilo e a granel. Qual a senhora quer?

Pela primeira vez na vida, Luísa comprou goiabada-cascão, um quilo a granel e outro na embalagem. Teve a curiosidade de ler as inscrições da embalagem de um quilo: nome do fabricante, endereço, o estilo da logomarca. Perguntou ao balconista — sem obter resposta — de onde vinha a goiabada a granel.

UMA COLEGA DA ODONTOLOGIA ME FALOU SOBRE UM CERTO PROFESSOR PEDRO, DO

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