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Conceções Acerca das Diferenças Físicas e Psicológicas Entre os Géneros

CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

JU Fazer um ser,

5.1. PRINCIPAIS CONCEÇÕES DE SEXUALIDADE.

5.1.1. Conceções Acerca das Diferenças Físicas e Psicológicas Entre os Géneros

As conceções analisadas nesta secção foram veiculadas, predominantemente, no âmbito dos termos pivô “raparigas & rapazes” e “adulto”.

No que concerne a uma comparação das características físicas entre os diferentes géneros, há a conceção, por sexo e idade, que os rapazes têm cabelo mais curto do que as raparigas e centram o seu vestuário no uso de calças, enquanto as meninas podem utilizar saias e vestidos. Tais conceções estão logo patentes na análise do primeiro termo pivô (“raparigas & rapazes”), através das declarações de DA (“Os homens têm o cabelo mais pequeno e as mulheres têm o cabelo mais

comprido.” - Quadro 4.1.1.1) e IS (“Os rapazes não podem usar saia e as raparigas podem.” - Quadro

4.1.1.2). Estas foram conceções também verificadas no estudo de Fernandes (2009). Para além disso, o tom da voz é também elencado como uma diferença entre os sexos, tendo os participantes caracterizado a voz masculina como sendo mais grave e a voz feminina como sendo mais aguda. Outra conceção evidenciada centra-se na caracterização dos rapazes como tendo mais pelos distribuídos pelo corpo em comparação com as raparigas que apresentam uma pele com menos revestimento.

As conceções descritas até ao momento vêm reiterar os estudos de Medero (1991) e Freitas (2003), na medida em que ambas as investigações revelam-nos que os aspetos físicos são bastante

apontados para distinguir o rapaz da rapariga. Na mesma linha, os estudos de Andrade (1996), López e Fuertes (1999) e Ferreira (2008) mostraram que os estereótipos de género estão presentes nas conceções das crianças, uma vez que a diferenciação primária feminino/masculino mais do que os fatores biológicos ou psicológicos assume um caráter social e cultural. Não obstante, e apesar dos alunos da nossa amostra terem começado por apontar o cabelo e o vestuário como características que distinguem os sexos, dedicaram também grande parte dos seus discursos à análise de fatores biológicos e psicológicos que os distinguem, tal como mostram os parágrafos subsequentes.

Na nossa investigação, mais de um quarto das crianças elencaram os órgãos genitais como uma das principais características que distinguem os sexos. A associação dos rapazes ao pénis e as raparigas à vagina, às mamas grandes e à capacidade de engravidarem e gerarem bebés, estiveram patentes nas intervenções de VI, IR, LU, AF, HL e JO. Sobre este tópico, os estudos de Medero (1991) e Freitas (2003) realizados em Portugal e Espanha com crianças de cinco e seis anos, registaram que cerca de um terço das crianças se referiram aos órgãos sexuais primários e secundários para distinguir os rapazes das raparigas. Aqui, importa salientar que apenas VI se encontrava na mesma faixa etária das crianças que participaram nos estudos dos autores anteriormente referidos. Neste domínio, um facto importante centra-se na utilização, por parte de VI e LU (dois dos alunos mais novos – seis e sete anos de idade respetivamente), de termos alternativos para designar o pénis e a vagina: “As raparigas têm a pombinha e os rapazes têm a pilinha.” (VI); “As raparigas não têm pila e

os rapazes têm.” (LU) (Quadro 4.1.1.1). Estes termos refletem, por um lado, o ambiente familiar no

qual os pais procuram, junto dos filhos mais novos, denominar os órgãos sexuais através de termos alternativos, dado atribuírem às palavras pénis e vagina um caracter pecaminoso. Por outro lado, a relação entre pares também parece ter um papel fundamental na utilização de denominações alternativas, uma vez que os discursos das crianças são pouco sustentados em termos técnico- científicos. A variação de termos para definirem os órgãos sexuais, refletem ainda a existência de um meio sociocultural conservador que privilegia uma linguagem de senso comum. Estes factos encontram também sustentação nos estudos realizados por De Vecchi e Giordan (2002), Pereira (2004) e Sousa (2006). Na realidade, De Vecchi e Giordan (2002:60) referem mesmo que a

“linguagem-bebé” é vulgarmente utilizada pelos alunos na referência ao sexo da mulher ou do

homem. A acrescer a esta errada denominação dos órgãos genitais por parte da família, os obstáculos didáticos também contribuem para a proliferação de conceitos alternativos, quer esses obstáculos sejam relativos a erros científicos verificados nos manuais (Alves et al., 2007), quer a deficiente formação dos professores ou à sua resistência em abordar naturalmente esta área do conhecimento (Anastácio et al., 2005a e 2005b; Clément, 2006; Anastácio, 2007).

Ainda no domínio da designação dos órgãos sexuais, constatou-se que as crianças mais velhas utilizaram naturalmente as expressões científicas “pénis” e “vagina” na sua argumentação, tendo

apenas JO reduzido esses termos a “partes íntimas” (Quadro 4.1.1.4). A presença destes termos só se verificou em crianças dos 3.º e 4.º anos de escolaridade, o que poderá ser reflexo de uma maior ênfase na abordagem (em contexto escolar) das temáticas/conteúdos da área da sexualidade nestes anos. Estes dados vão ao encontro dos resultados verificados nos estudos de Pereira (2004), Sousa (2006) e Fernandes (2009), onde se observou que a maior percentagem de alunos que representam os genitais (e os designam corretamente) pertencem também aos 3.º e 4.º anos de escolaridade. Os estudos de Pereira (2004) e Sousa (2006) mostram-nos que existe uma alteração conceptual no período imediatamente após o ensino formal destes conteúdos (ensino esse que normalmente decorre ao nível do 3.º ano de escolaridade).

Os resultados analisados anteriormente vêm enfatizar a importância de uma conveniente formação de pais e professores (Anastácio et al., 2005a e 2005b; Anastácio, 2007), uma vez que nem a escola, nem os pais se podem demitir dos seus papéis formativos. Falar naturalmente de assuntos do foro da educação sexual fará a criança sentir-se melhor consigo e com o seu corpo, e contribuirá para que ela se torne um adulto sexualmente saudável (Haffner, 2005). Neste sentido, Haffner (2005) defende que reconhecer que todas as partes do corpo são especiais fará com que a criança aprecie e respeite ainda mais o seu corpo.

Outro parâmetro utilizado pelos alunos da nossa amostra na diferenciação física dos sexos, diz respeito à força física e à imagem global. Neste campo, os rapazes procuram inferiorizar o sexo oposto ao defender que: “As raparigas são mais feias” (HL); “As raparigas são mais fracas e os

rapazes são mais fortes.” (HU); “(...) as raparigas são um pouco mais frágeis do que os rapazes” (JA)

(Quadro 4.1.1.3). Porém, esta “luta” entre os sexos é igualmente alimentada pelas raparigas, sendo a afirmação de JU um exemplo disso: “As mulheres têm mais beleza do que os homens” (Quadro 4.1.1.4). Não obstante, as próprias meninas aceitam a ideia defendida pelos rapazes de que eles são fisicamente mais fortes, tal como se constata na afirmação de MO (“Os homens são mais fortes” - Quadro 4.1.1.3) e é descrito por Branconnier (1996) na sua obra “O Sexo das Emoções”.

Já no que respeita aos aspetos de índole mais psicológico, as raparigas são caracterizadas como crianças menos violentas e, ao mesmo tempo, mais “chatas”, mais medrosas e até frágeis. Sem estranheza se verificou que as últimas características elencadas foram atribuídas pelos rapazes, enquanto as próprias raparigas se definiram como menos violentas. Também aqui se verifica o duelo entre os sexos, onde os rapazes e as raparigas se tentam mostrar superiores ao sexo oposto. Todavia, o sexo masculino mostra-se mais empenhado na tarefa de inferiorizar o sexo feminino, tal como acusam as afirmações de LU e HO, quando estes argumentam que “As raparigas têm medo de ratos e

os rapazes não” (LU) e “As raparigas são chatas e os rapazes são espertos” (HO) (Quadro 4.1.1.3).

Os resultados analisados nos dois parágrafos anteriores vêm reiterar as afirmações de Brandão (2008), quando refere que o género não é simplesmente um critério de diferenciação e classificação

dos seres e das coisas, sendo também um sistema de desigualdade, um sistema hierárquico que traduz relações de poder entre homens e mulheres e que começa a ser definido logo na infância.