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Conceções Sobre o Conceito de “Família”

CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

JU Fazer um ser,

5.1. PRINCIPAIS CONCEÇÕES DE SEXUALIDADE.

5.1.5. Conceções Sobre o Conceito de “Família”

Existe uma multiplicidade de formas e sentidos da palavra família, construída com a contribuição das várias ciências sociais e podendo ser pensada sob os mais variados enfoques através dos diferentes referenciais académicos. Neste ponto, centramos as nossas atenções na análise das conceções veiculadas pelos alunos no domínio do termo pivô “família”.

De acordo com (Vilhena, s/d), a família pode ser pensada sob diferentes aspetos: como unidade doméstica, assegurando as condições materiais necessárias à sobrevivência; como instituição, referência e local de segurança; como ambiente formador, divulgador e contestador de um vasto conjunto de valores, imagens e representações; como um conjunto de laços de parentesco; como um grupo de afinidade, com variados graus de convivência e proximidade... e de tantas outras formas.

Os alunos do nosso estudo, de uma maneira geral, associaram o conceito de família aos termos “união”, “proteção” e “gostar”, exemplos de tais associações são as declarações de IR e IS:

“Uma família é uma coisa que nos protege e que nos ajuda” (IR - Quadro 4.1.3.2); “Para mim uma família é quando as pessoas gostam muito umas das outras (...)” (IS - Quadro 4.1.3.2). HE foi quem

apresentou uma descrição mais extensa do conceito de família, ao afirmar que “(…) uma família é:

conhecimento, aprendizagem, reunião e ajuda” (Quadro 4.1.3.3). HO, numa perspetiva diferente,

reiterou a importância da união e proteção familiar, ao mesmo tempo que enfatizou a importância do respeito entre os membros de uma família: “Uma família é ter pais que não se zanguem… e que

não tenham filhos malcriados” (Quadro 4.1.3.3). De notar que HO tem um contexto familiar marcado

pela violência psicológica e física, nomeadamente do pai em relação à mãe. Daí advém o facto de este ter sido o aluno que mais defendeu a importância de existir respeito, compreensão e interajuda entre os membros de uma família.

Tendo em consideração o caso de HO, parece-nos importante aprofundar as causas que estiveram subjacentes à sua afirmação, destacando-se, para tal, as consequências da violência familiar na saúde das crianças.

Para Reichenheim et al. (1999), crianças vítimas de violência doméstica podem desenvolver atitudes distintas com o decorrer dos anos. De acordo com os autores, as crianças podem adotar os modelos com os quais foram criados e tornarem-se também adultos violentos ou, pelo contrário, podem censurar de tal modo os atos que observaram/vivenciaram e tornarem-se adultos pacíficos e defensores da igualdade de direitos e oportunidades entre os membros da família. No caso de HO, parece-nos que as suas experiências o estão a encaminhar para a construção de uma personalidade opositora à violência familiar.

Uma outra conceção verificada relacionou-se com o conceito de famílias monoparentais. De acordo com MA, DA e LU (três dos alunos mais novos, com apenas seis anos de idade), não se pode considerar a monoparentalidade como estando na base de uma família. Neste sentido, MA explica que “uma mãe e o filho não são uma família” (Quadro 4.1.3.1) e DA, na mesma linha de pensamento, acrescenta que “(…) tem o pai mas a mãe não está aí, por isso não é uma família” (Quadro 4.1.3.1). Nota-se aqui que estes alunos não aceitam uma variação da estrutura nuclear tradicional devido a fenómenos sociais, como o divórcio, óbito, abandono de lar, ilegitimidade ou adoção de crianças por uma só pessoa. Os restantes alunos que argumentaram acerca deste assunto (IS, AF e JO) discordaram das opiniões dos colegas, em grande parte porque eles tem um contexto familiar regido pela monoparentalidade (IS e JO apenas vivem com a mãe e AF vive com a mãe e com os avós maternos). IS, ao descrever a imagem de uma família monoparental, chega mesmo a salientar que

“Pode ser uma família pequenina mas gostam muito uma da outra” (Quadro 4.1.3.2).

Na verdade, em alguns alunos já supra referidos, verifica-se o que Zambrano (2006) designa de construção social da família. Segundo o autor, esta construção determina que o núcleo familiar é a instituição que sustenta a sociedade e deve ser composta por pai, mãe e filhos. Porém, a instituição família tem vindo a sofrer muitas mudanças ao longo do tempo e não se pode pensar na existência de um único modelo de família. No nosso estudo, o questionamento do modelo tradicional de família está mais presente nos alunos que têm (ou contactam) com estruturas familiares “não tradicionais”, enquanto os restantes alunos defendem o conceito de família tradicional, pois é o único com o qual contactam.

Para além da monoparentalidade, uma outra estrutura familiar que não reuniu consenso entre os participantes nos grupos focais relaciona-se com a homossexualidade. Se todos concordaram que um casal heterossexual pode constituir uma família, foram muitos os que recusaram considerar um casal homossexual, com um filho adotivo, como uma linhagem. Num total de dezassete alunos que se pronunciaram sobre este assunto, nove alunos (53% - MA, VI, DA, AL, HO, LU, JU, HL e TE), não consideraram que a homossexualidade possa constituir/originar uma família. JU é perentória na sua argumentação contra a possibilidade de existirem famílias homossexuais, alegando que “(...) aquelas

contra as famílias homossexuais basearam-se em questões genéticas, na medida em que os alunos têm a conceção que as pessoas só podem formar um grupo familiar se partilharem ligações sanguíneas e se tiverem a capacidade de se reproduzirem entre si. Neste domínio, apenas seis crianças do sexo feminino (FA, IN, IR, MO, IS e ME) e duas do sexo masculino (JA e JO), ou seja, 47 % dos alunos que participaram na discussão sobre este tema, defendem que um casal homossexual pode constituir uma família. Exemplos disso são as afirmações de IR e JO: “Eu acho que se os dois

homens se amam e se são gays… tudo bem, podem ser uma família!” (IR - Quadro 4.1.3.2); “(...) o que importa é o amor que eles sentem (...) podem ser uma família.” (JO - Quadro 4.1.3.4). Note-se

que os alunos do sexo masculino (JA e JO) que apoiaram a união entre casais homossexuais, foram também os alunos que no ponto 5.1.2 defenderam uma maior igualdade de direitos e de oportunidades entre os sexos. Perante os resultados apresentados, verifica-se um predomínio feminino face à aceitação de famílias homossexuais. Torna-se então pertinente destacar Brizendine (2007), na medida em que a autora defende que o cérebro feminino tem capacidades tremendas e singulares, que vão desde a aptidão psíquica para detetar emoções, à capacidade de resolver conflitos e aceitar a diferença.

Apesar das exceções de FA, IN, IR, MO, IS, ME, JA e JO, mais de metade dos resultados da nossa investigação vão ao encontro do estudo de Renold (2000), realizado com crianças do 1.º Ciclo em Inglaterra, pois este menciona que, na complexa construção da identidade sexual e de género, há uma pressão social muito acentuada para as crianças seguirem uma conduta heterossexual, o que pressupõe uma natural aceitação de famílias heterossexuais, em detrimento de famílias homossexuais.

Não obstante, todos os alunos mostraram aceitar a existência de uma ligação conjugal ou marital entre pessoas do mesmo sexo, estando as divergências centradas unicamente na atribuição do estatuto de “família” a essas pessoas. Curiosamente, alguns dos alunos (DA, HO, LU e JU) que associaram o termo família à “união” e ao “gostar”, vêm agora rejeitar que uma união amorosa entre pessoas do mesmo sexo possa ser a base de uma nova geração familiar.

Foram então vários os alunos que, de uma forma indireta, mostraram desacordo em relação ao conceito de família definido pela OMS (1994; apresentado por Pereira & Freitas, 2001:30), na medida em que esta Organização defende que “o conceito de família não pode ser limitado a laços

de sangue, casamento, parceria sexual ou adoção. Qualquer grupo cujas ligações sejam baseadas na confiança, suporte mútuo e um destino comum, deve ser encarado como uma família”.

É de salientar ainda que as características familiares, como a composição familiar (famílias heterossexuais, monoparentais…), o nível de educação, o estatuto socioeconómico, a qualidade da relação familiar (estabilidade/união versus violência familiar), a comunicação entre pais e filhos, os modelos parentais no que respeita a atitudes e valores face à sexualidade são fatores que

influenciam os valores, atitudes e comportamentos das crianças, tal como se constatou nos estudos de Mcneely et al. (2002), Huebner e Howell (2003), Hutchinson et al. (2003) – embora mais centrados em pré-adolescentes e adolescentes.