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Conceções Relacionadas com os Papéis Sociais / Papéis de Género

CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

JU Fazer um ser,

5.1. PRINCIPAIS CONCEÇÕES DE SEXUALIDADE.

5.1.2. Conceções Relacionadas com os Papéis Sociais / Papéis de Género

Este tópico centra-se no estudo das conceções acerca dos papéis sociais / papéis de género e os resultados aqui analisados, à semelhança do ponto anterior, foram obtidos essencialmente no domínio dos termos pivô “raparigas & rapazes” e “adulto”.

Nas representações dos alunos, há uma grande concordância na atribuição do trabalho familiar/doméstico às mães (mulheres), enquanto os pais (homens) apenas dão uma colaboração pontual, ou nem colaboram. Estes resultados são semelhantes aos obtidos nos estudos de Poeschl et

al. (2004). Para além disto, a contribuição do homem para o trabalho familiar é vista como uma ajuda

e não como um comportamento natural numa relação de reciprocidade e igualdade entre cônjuges. Destacamos, neste âmbito, as afirmações de IS, DA, RU, MO e AF: “(...) a principal tarefa do homem é

estar a ajudar a mulher a arrumar a casa.” (IS - Quadro 4.1.2.2); “O meu pai às vezes não faz coisas, mas outras faz (…).” (DA - Quadro 4.1.2.1); “O meu pai… ele não faz nada (...).” (RU - Quadro 4.1.2.1); “(...) o homem tem que trabalhar para sustentar a família e a mulher tem que ficar em casa para tomar conta dos filhos.” (MO - Quadro 4.1.2.2); “ (...) a mulher tem que fazer o comer e o homem tem que descansar.” (AF - Quadro 4.1.2.3).

Os alunos referidos no parágrafo anterior enquadram-se em contextos familiares, sociais, culturais e económicos bastantes distintos, que vão desde famílias monoparentais, a famílias com reduzida formação escolar, passando também por famílias com elevado nível académico, cultural e económico. Não obstante, perante a diversidade familiar, social, cultural e económica, as conceções defendidas são similares. Todavia convém destacar JO e JA, ambos alunos do sexo masculino (com onze e oito anos de idade respetivamente), por serem os únicos a mostrar indignação perante as argumentações dos seus colegas. JO e JA defendem afincadamente a igualdade de género e de oportunidades entre os membros de um casal. Neste sentido, JO diz que “(...) há homens que acham

que as mulheres sejam escravas, mas não deve ser assim (...)” (Quadro 4.1.1.4), enquanto que JA

refere que “(...) não é obrigatório as mulheres tratarem das partes mais domésticas e os homens das

outras coisas” (Quadro 4.1.1.3). De notar que JO vive apenas com a mãe, tendo esta grande

influência na sua educação e na regulação de informações acerca dos papéis sociais/papéis de género. Por sua vez, JA insere-se numa família que revela claramente defender uma educação velada pelos princípios da igualdade entre géneros e igualdade de oportunidades entre todos as pessoas, até porque a mãe de JA é uma educadora que trabalha, essencialmente, com crianças e jovens que possuem Necessidades Educativas Especiais (NEE).

As exposições anteriores (à exceção dos casos de JO e JA) vêm apoiar as inferências de Brandão (2008), na medida em que mostram que todas as sociedades humanas têm por princípio constitutivo a diferença de géneros que procuram manter através de mecanismos de produção e reprodução dessas diferenças. Enquanto categoria social, o género influencia comportamentos, atitudes, sensibilidades, cognições e até hierarquias ao longo do ciclo vital. Neste domínio interferem fatores ambientais que atuam sob pressão, através dos estereótipos de género.

Perante o exposto, é verdade dizer-se que, desde cedo, as crianças confrontam-se com modelos que sobrevalorizam e oprimem a liberdade do outro, prevalecendo (na maioria dos casos) a hegemonia masculina e a sujeição feminina. Este facto foi facilmente visível no nosso estudo onde, apesar dos diferentes contextos familiares, verificou-se que o funcionamento das dinâmicas atribui uma responsabilidade acrescida à mãe (mulher) enquanto o pai (homem) apenas auxilia em pequenas tarefas ou concentra-se em atividades de maior lazer (televisão, internet, encontro com os amigos, etc.). Desta forma, a modelagem que sobressai destas situações influencia negativamente a vivência de uma sexualidade saudável, promotora da igualdade de direitos entre os géneros.

Nogueira (1999), Vieira (2006b) e Poeschl et al. (2004) historiam que as distinções associadas

ao género são originadas e sustentadas pelo processo de socialização, distinto entre os rapazes e as raparigas. Nesta abordagem, as autoras citadas destacam que o género não é considerado inato, mas o resultado de forças sociais e culturais. Nogueira (1999:172) afirma que “As crianças aprendendo ao

internalizar prescrições no sentido daquilo que é considerado apropriado para ser masculino ou feminino de acordo com as normas da sociedade, formam personalidades generalizadas e padrões de comportamento também generalizados. Depois de formada a personalidade, esta é concebida como característica individual estável e inerente aos indivíduos. Assim, a masculinidade e a feminilidade passam a ser características socialmente aprendidas através do desenvolvimento cognitivo e emocional”. Na mesma linha de pensamento, Fagundes (2003) declara que as primeiras conceções

dos papéis da mulher e do homem são apreendidas no âmbito familiar e que as escolas tendem a reforçá-las. Às aprendizagens no âmbito familiar e escolar, somam-se as contribuições dos meios de comunicação na forma de programas e séries televisivas, bem como comerciais nas páginas de revistas, jornais e em outras produções culturais como cinema. Estes reafirmam intencionalmente ou não, a dicotomia entre os géneros.

Vieira (2006:98b), referindo-se em particular aos estereótipos de género, define-os como um

“sistema de crenças associadas ao género, que englobam quer os estereótipos largamente partilhados acerca das características do homem e da mulher, quer as atitudes que os indivíduos revelam, tanto em autoavaliações a respeito da sua identidade enquanto membros de um ou de outro sexo, como nos julgamentos que fazem sobre outras pessoas, a partir da respetiva pertença a uma das categorias biológicas possíveis”.

Interessa, para a presente investigação, expor a correlação que Vieira (2006b) estabelece entre a idade e sexo e a variação dos estereótipos de género. De acordo com a investigadora, a partir dos três anos e até aos sete ou oito anos de idade, a gradual aquisição da estabilidade de género, ocasiona um desenvolvimento das perceções estereotipadas acerca das características de ambos os sexos. Assim, as crianças conhecem e acreditam na veracidade dos estereótipos culturalmente aplicados aos homens e mulheres, contudo, compreendem que estas perceções não são significativas para que um indivíduo se identifique com o sexo masculino ou feminino.

Também no que concerne às aspirações familiares e profissionais se constatou uma tendência geral dos rapazes e das raparigas respeitarem os estereótipos de género. O sexo feminino elencou as profissões de “farmacêutica”, “professora”, “cabeleireira”, “fotógrafa”, “cantora”, “dançarina”, “atriz”, “manequim”, “maquilhadora”, “médica” e “historiadora” (Quadro 4.1.2.2). Por sua vez, o sexo masculino enumerou como ambições profissionais carreiras essencialmente relacionadas com o desporto, tendo-se destacado a profissão de “futebolista” (com cinco menções), seguida da profissão de “voleibolista” e “jogador de xadrez” (xadrezista). Paralelamente, foram também referidas as profissões de “pintor”, “design”, “trolha”, “educador infantil”, “super-heroi” e “famoso/importante” (Quadro 4.1.2.3). Nota-se então que as raparigas escolhem, maioritariamente, profissões relacionadas com a expressão corporal, a beleza física e a sensualidade, ou seja, profissões mais relacionadas com as artes (“cantora”, “dançarina”, “atriz”, “manequim”, etc.). Por sua vez, os rapazes aliam-se mais ao desporto e a outras profissões que exigem maior esforço físico, como é o caso da construção civil. Nota-se ainda que nos rapazes as histórias de super-heróis e homens famosos/importantes estão bem presentes no seu imaginário. Neste âmbito, o estudo de Fernandes (2009) reitera os dados da nossa investigação no que concerne ao sexo masculino, pois também a autora auferiu que os rapazes elegiam profissões com uma maior componente física (como o desporto, a mecânica e a construção civil). Todavia, ainda na investigação da autora, verificou-se que o sexo feminino valorizou a atividade de doméstica, o que no nosso estudo não foi enfatizado.

Wolfram et al. (2008), à semelhança de outros autores (Low, 2002; Héritier, 2004; Vieira, 2006b), confirmam que os papéis de género são socialmente determinados e o autoconceito de género é formado a partir da maneira como cada um se vê como masculino ou feminino. Os mesmos autores acrescentam que rapazes/homens e raparigas/mulheres têm consciência dos comportamentos e das atitudes que a sociedade espera deles, assim como também têm consciência das expectativas de género para determinada posição social. Essas expectativas de género, de acordo com determinada posição social/económica, apresentam-se subentendidas no nosso estudo, uma vez que grande parte das meninas de classes económicas superiores (FA, IN e JU) escolheram profissões que exigem um maior nível académico (“farmacêutica”, “professora” e “historiadora”) e consequentemente um maior suporte financeiro. Apenas MA e ME fugiram a essa tendência. A

primeira porque optou por escolher a profissão de cabeleireira e a segunda porque, apesar da sua condição económica ligeiramente mais desfavorecida em comparação com as colegas, enunciou o desejo de se tornar médica. As restantes meninas (AL, IS e MO), que têm uma condição social e económica mais desfavorecida, optaram pelas profissões de “cantora”, “maquilhadora”, “cabeleireira” e “actriz”. IR e TE não proferiram nenhuma ambição profissional. No caso dos rapazes esta tendência não foi tão evidente, dadas as opções profissionais serem, em grande número, similares (muito direccionadas para o desporto).