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3. O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA

3.2 Princípio da Proteção à Confiança

3.2.3 Conceito, alcance e objetivos do princípio

Um esclarecimento se faz necessário nessa altura do trabalho. Conforme salientado por Marcelo Losso99, a doutrina trata o princípio em análise a partir de expressões, embora semelhantes, não idênticas, tais como, princípio da proteção à confiança, princípio da proteção à confiança legítima e proteção substancial da confiança, entre outras. Essas expressões, serão aqui entendidas como sinônimas, como procede o mencionado autor, salvo quando for promovida expressa ressalva.

Visto isso, crê-se já ser possível, nessa etapa do estudo, firmar-se o entendimento de que o grande objetivo do princípio da proteção à confiança é garantir, nos dizeres de Rafael Maffini, "a tutela jurídica às expectativas que, por razões jurídicas, afiguram-se legítimas.100" É o que também defende Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quando afirma que "a ideia é a de proteger a crença dos cidadãos de que os atos praticados pelo poder público estão de acordo com a lei.101" Essa formulação está em sintonia com o apregoado pelo professor Juarez Freitas:

A despeito de rarefeitas disposições legais no Direito Brasileiro, inequívoco que o princípio da confiança legítima estatui o poder- dever de o administrador público zelar pela estabilidade de uma relação timbrada na fidúcia mútua, sem injustificáveis descontinuidades administrativas e sem que se presuma má-fé.102 Convém apresentar ainda, sobre o assunto, depoimento de Carlos Eduardo de Moura:

Informa o professor Hartmunt MAURER que esse princípio resultou de constante e longo trabalho desenvolvido pela jurisprudência dos Tribunais, tendo encontrado forte apoio da doutrina. Trata-se de uma limitação de atuação para que os Poderes Executivo e Legislativo não desconsiderem a confiança que o cidadão depositou na estabilidade de uma situação jurídica. Observa o professor da Universidade de Konstanz que "a proteção à confiança parte da perspectiva do cidadão. Uma espécie de reforço da posição daquele que confiou em uma forma de comportamento do Poder Público e vê essa conduta alterar-se repentinamente.103

99 LOSSO, 2008, p. 64. 100 MAFFINI, 2005, p.38. 101 DI PIETRO, 2009, p. 159. 102 FREITAS, 2009, p. 95. 103 MOURA, 2006, p. 68.

É necessário esclarecer que essa confiança imputada pelos administrados imputam aos atos da Administração Pública, justificadora da proteção das suas expectativas legítimas em caso de sua quebra, advém, principalmente, da chamada presunção de legitimidade com que contam os chamados atos administrativos. Com efeito, como delineado no primeiro capítulo deste trabalho, contam os atos administrativos com quatro atributos, a saber: imperatividade, autoexecutoriedade, tipicidade e presunção de legitimidade e veracidade. Sobre este último, que é o que verdadeiramente interessa ao estudo, discorre Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em decorrência desse atributo, presumem-se, até a prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei.104

Igualmente elucidativa é a manifestação de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o assunto:

Com efeito, é sabido e ressabido que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, de tal sorte que os administrados, ao atuarem arrimados em decisão do Estado devem presumir - salvo prova em contrário ou fundadas razões de suspeita - que o Poder Público, ao travar o liame, o fez de modo juridicamente censurável. Sendo assim, haja vista que os atos administrativos contam com presunção de legitimidade, ou seja, são legítimos até que se comprove o contrário, a confiança depositada pelos administrados nesses atos há de ser protegida. Com efeito, o natural é que se confie na Administração Pública, já que, em regra, seus atos são legítimos, eis que contam com presunção de legitimidade.

Sobre o assunto, aduz, ainda, Marçal Justen Filho:

O direito impõe a rigorosa compatibilidade entre a atividade administrativa e a disciplina contemplada nas normas jurídicas. Como decorrência, presume-se que os atos administrativos são válidos e regulares, dotados de eficácia vinculante para os particulares. Presume-se que o Estado atua de modo regular e perfeito exercitando as suas competências de modo conforme com o disposto na ordem jurídica. Sob certo ângulo, trata-se de reconhecer a responsabilidade do Estado, na acepção ampla acima referida: o Estado deve arcar com as consequências de seus próprios atos, prestando contas à sociedade e a cada particular pelas ações e omissões praticadas.

Logo, todas as situações jurídicas instauradas em decorrência do exercício de competências administrativas se presumem como

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legítimas. As expectativas e os direitos derivados de atividades estatais devem ser protegidos, sob o pressuposto de que os particulares têm a fundada confiança em que o Estado atua segundo os princípios da legalidade, da moralidade e da boa-fé. O administrado deve e pode confiar na atuação estatal. Os particulares orientam a própria conduta de acordo com as condutas estatais. A participação estatal na produção de uma situação produz a confiança do particular.105

Esse posicionamento é também defendido por Rafael Valim:

Portanto, se somarmos esses princípios - que presidem o exercício de todas as funções públicas - à presunção de legitimidade dos atos estatais, resulta que o administrado é invariavelmente levado a supor que os atos estatais estão em conformidade com a ordem jurídica e que as expectativas geradas pelo Estado são seguras e dignas de crédito. Donde, nesse contexto, não só o administrado pode como deve confiar na ação do Estado.106

Dessa maneira, constata-se que, nas hipóteses em que o particular estiver investido de boa-fé, a confiança por ele depositada no ato da Administração é legítima, merecendo, pois, a devida proteção. É o que se depreende, igualmente, da abalizada opinião de Celso Antônio Bandeira de Mello:

O que importa ressaltar é a consequência imediata deste princípio. Uma vez expedido o ato administrativo, o particular tem o direito de supor regulares os comportamentos que pratique na conformidade dele. Em outras palavras: o administrado que atua em consonância com um ato administrativo - pelo menos se este tiver aparência de regularidade - está respaldado pelo ato, escorado nele. Donde quem atuou arrimado neles tem o direito de esperar que tais atos se revistam de um mínimo de seriedade. Este mínimo consiste em não serem causas potenciais de fraude ao patrimônio de quem neles confiou - como, de resto, teria de confiar.

Com efeito, por força da presunção de legitimidade do ato, o administrado pode, sem receios, afiançado por uma declaração da Administração Pública, desenvolver as atividades que o Poder estatal afirmou serem exercitáveis legitimamente.107

Segundo o ilustre doutrinador, a posterior retratação por parte da Administração não pode ter o condão, sem ferir a boa-fé do particular, de prejudicar os interesses deste:

Daí que se o Poder Público toma dada orientação e ao depois se convence de seu desacerto, não tem por que sonegar um direito que dantes deu por certo. Quem se retrata de orientação anterior não pode - sem violar a boa-fé - pretender que aquele que agiu nela 105 JUSTEN FILHO, 2011, p. 1239. 106 VALIM, 2010, p. 111. 107 BANDEIRA DE MELLO, 2010b, p. 174.

embasado seja ao depois onerado em razão da inconstância no entendimento administrativo.108

Sobre esse assunto, Almiro do Couto e Silva deixa claro, ainda, que o que o direito protege não é a "aparência de legitimidade daqueles atos, mas a confiança gerada nas pessoas em virtude ou por força da presunção de legalidade e da aparência de legitimidade que têm os atos do Poder Público."109

À vista disso, analisando o atributo da presunção de legitimidade com que contam os atos da Administração Pública, conjuntamente com princípios previstos na Carta Magna110 -, mormente os da moralidade e eficiência -, têm-se que a confiança do administrado nos atos da Administração, nos casos em que estiver investido de boa-fé, é legítima. Acerca dessa questão, é importante reportar à lição de Hely Lopes Meirelles, quando, ao se reportar aos princípios da segurança jurídica e proteção à confiança, o autor afirma não possuir "dúvidas em sufragar tais posicionamentos, valendo notar que eles encontram supedâneo no próprio princípio da moralidade administrativa e, como visto, na norma infraconstitucional do inc. XIII do parágrafo único do art. 2o da Lei 9.784, de 29.1.99."111

Visto tudo isso, pode-se delimitar da seguinte forma os efeitos que a atuação do princípio em análise produz no âmbito do direito administrativo, considerando o que diz Couto e Silva sobre tal princípio:

(a) impõe ao Estado limitações na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatários, mesmo quando ilegais, ou (b) atribui-lhe consequências patrimoniais por essas alterações, sempre em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo razoavelmente supor que seriam mantidos112.

Rafael Maffini sistematizou as possibilidades de aplicação prática do preceito em análise113. Esta pode se dar, segundo o autor, para a preservação tanto de condutas administrativas inválidas indutoras de expectativas legítimas, ou, ao menos, dos seus efeitos, quanto de condutas administrativas válidas, ou, mais uma 108 BANDEIRA DE MELLO, 2010b, p. 175. 109 COUTO E SILVA, 2005, p. 5. 110

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [,,,]

111

MEIRELLES, 2011, p. 101.

112 COUTO E SILVA, 2005, fls. 3-4. 113

vez, pelo menos dos seus efeitos, desde que também indutoras de expectativas legítimas. Também deve ser respeitada a expectativa dos particulares que firmam contratos administrativos, como adiante se verá.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, todas as mencionadas hipóteses de aplicação do princípio protegem, além da confiança do cidadão, a estabilidade das relações jurídicas. Isso é natural, eis que esses institutos formam (constituindo subprincípios) o princípio da segurança jurídica. Diz a autora:

Em todas essas situações, protege-se a estabilidade das relações jurídicas, ou seja, o princípio da segurança jurídica em seu aspecto objetivo; protege-se também a confiança do cidadão, ou seja, o princípio da segurança jurídica em seu aspecto subjetivo ou princípio da confiança legítima; e ainda se protege a boa-fé114.

De outro norte, tendo em vista todo o exposto até o presente momento, percebe-se que o princípio da proteção à confiança possui estreitas relações com o princípio da segurança jurídica, o qual, conforme se depreende do que foi delineado no presente capítulo, configura um princípio diretamente decorrente do sobreprincípio do Estado de Direito. Como se frisará mais adiante, se o princípio da segurança jurídica aparece como subprincípio quando relacionado ao princípio do Estado de Direito, assume, todavia, contornos de sobreprincípio quando comparado ao princípio da proteção à confiança.

Da mesma forma, o princípio em estudo também é comumente confundido com o princípio da boa-fé objetiva, que, por sua vez, impõe, tanto ao particular quanto à Administração Pública, a observância de certas condutas, o agir conforme padrões médios, esperados, de acordo com o que preleciona a lei. Todavia, embora esses três princípios, nos dizeres de Almiro Couto e Silva, sejam "ideias que pertencem à mesma constelação de valores"115, distinguem-se, na medida em que, "no curso do tempo, foram se particularizando e ganhando nuances que de algum modo as diferenciam, sem que, no entanto, umas se afastem completamente das outras.116"

Não raramente, pois, a proteção à confiança é tratada como sinônimo de segurança jurídica, bem como da boa-fé objetiva. À vista disso, convém abordar 114 DI PIETRO, 2012, p. 17. 115 COUTO E SILVA, 2005, p. 2. 116 COUTO E SILVA, 2005, p. 2.

rapidamente estes institutos aos quais à proteção da confiança assemelha-se, para melhor se evidenciar as diferenças entre eles existentes.

3.2.4. Delimitação Teórica - Princípio da Proteção à Confiança e Princípio da