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O princípio da proteção à confiança como limitação à mutabilidade do contrato administrativo

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Academic year: 2021

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CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

BERNARDO WILDI LINS

O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA COMO LIMITAÇÃO À MUTABILIDADE DO CONTRATO ADMINISTRATIVO

FLORIANÓPOLIS 2012

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CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

BERNARDO WILDI LINS

O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA COMO LIMITAÇÃO À MUTABILIDADE DO CONTRATO ADMINISTRATIVO

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à apreciação da banca examinadora da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Luiz Henrique Urquhart Cademartori

Coorientador: Gustavo Henrique Carvalho Schiefler

FLORIANÓPOLIS 2012

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CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

COLEGIADO DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

TERMO DE APROVAÇÃO

A presente monografia intitulada de "O Princípio da Proteção à Confiança como Limitação à Mutabilidade do Contrato Administrativo", elaborada pelo acadêmico Bernardo Wildi Lins, defendida em 04/07/2012 e aprovada pela Banca Examinadora composta pelos membros abaixo assinados, obteve aprovação com nota _______(_____________), sendo julgada adequada para o cumprimento do requisito legal previsto no artigo 9. da Portaria n. 1886/94/MEC, regulamentado pela Universidade Federal de Santa Catarina, através da Resolução n. 003/95/CEPE.

Florianópolis, 4 de julho de 2012

________________________________________________ Luiz Henrique Urquhart Cademartori

Professor Orientador

________________________________________________ Gustavo Henrique Carvalho Schiefler

Coorientador

________________________________________________ Leilane Serratine Grubba

Membro de Banca

________________________________________________ Lilian Patrícia Casagrande

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As crescentes demandas que a Constituição Federal do Estado Social de Direito incumbem à Administração importam na necessidade da busca de apoio da iniciativa privada para a satisfação desses interesses públicos, assim o fazendo por intermédio de contratos administrativos. Os contratos firmados pela Administração, justamente por conta da soberania que a caracteriza, não podem ser regidos pelo direito privado, que pressupõe necessariamente uma relação de igualdade entre as partes contratantes. Assim, criou-se o instituto do contrato administrativo, que prevê certas prerrogativas à Administração, denominadas de cláusulas exorbitantes, visando assegurar sua soberania e a proteção ao interesse público. É dessa exorbitância do contrato administrativo que advém à sua mutabilidade, ou seja, a possibilidade que a Administração detém de rescindi-lo e altera-lo unilateralmente. De outro norte, é também crescente entre os estudiosos do direito administrativo brasileiro a preocupação acerca da proteção à confiança legitimamente depositada pelos administrados nos atos administrativos. A proteção à confiança reveste-se de caráter de princípio constitucional, imediatamente decorrente do princípio da segurança jurídica e, por conseguinte, mediatamente deduzido do próprio princípio do Estado de Direito. Com este trabalho se pretende demonstrar que as expectativas legitimamente depositadas pelos administrados que contratam com a Administração, nos termos originalmente avençados, devem ser respeitadas, ao lume do princípio da proteção à confiança. Em sendo assim, a mutabilidade do contrato administrativo, consubstanciada nas prerrogativas da Administração Pública de alterar e rescindir aquele tipo de avença, não é absoluta, encontrando balizamento, em verdade, no mencionado princípio. Essa limitação se dá tanto por intermédio de dispositivos da própria lei de regência, qual seja, a Lei n. 8.666/93, artigos esses que são reflexos positivados do princípio da proteção à confiança, quanto pela caracterização de figuras típicas do direito administrativo, consagradas pela jurisprudência, e de aplicação geral na seara desse ramo do direito.

Expressões chave: Proteção à Confiança, Segurança Jurídica, Mutabilidade do Contrato Administrativo, Cláusulas Exorbitantes, Rescisão Administrativa, Alteração Unilateral do Contrato Administrativo.

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1. INTRODUÇÃO ... 7

2. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ... 9

2.1 Introito ... 9

2.2 Conceituação de Contrato Administrativo ... 13

2.2.1 Contrato Administrativo versus Contrato Privado da Administração ... 16

2.3 Características dos Contratos Administrativos ... 19

2.3.1 Cláusulas Exorbitantes ... 20

2.3.2. Garantias do particular ... 23

2.4 Mutabilidade do Contrato Administrativo ... 25

2.4.1 Alteração unilateral do contrato administrativo ... 26

2.4.2 Rescisão unilateral do contrato administrativo... 30

3. O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA ... 33

3.1 Definição de Princípio ... 33

3.2 Princípio da Proteção à Confiança ... 39

3.2.1 Noções de Segurança e Confiança ... 39

3.2.2 Origens do Princípio ... 42

3.2.3 Conceito, alcance e objetivos do princípio ... 47

3.2.4. Delimitação Teórica - Princípio da Proteção à Confiança e Princípio da Segurança Jurídica 52 3.2.5 Delimitação Teórica - Princípio da Proteção à Confiança e Princípio da Boa-fé Objetiva ... 54

3.3 Princípio da Proteção à Confiança e o Possível Conflito com o Princípio da Legalidade em Sentido Estrito ... 58

4. O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA COMO LIMITAÇÃO À MUTABILIDADE DO CONTRATO ADMINISTRATIVO ... 63

4.1 Contextualização temática ... 63

4.2 Deveres de conduta da Administração quanto aos contratos administrativos - Necessidade de proteção à confiança do particular ... 64

4.2.1 Incidência do princípio no âmbito dos contratos administrativos ... 64

4.2.2 Formas de incidência do princípio da proteção à confiança no âmbito dos contratos administrativos... 75

4.3 Proteção à Confiança como limitação à modificação unilateral dos Contratos Administrativos ... 77

4.3.1 A obrigação da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro ... 78

4.3.2 Limitação percentual das modificações quantitativas e qualitativas do objeto do contrato ... 81

4.4 Proteção à confiança como limitação à rescisão unilateral dos Contratos Administrativos 83 4.4.1 Contratos inválidos ou inexistentes ... 85

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4.5.1 Venire Contra Factum Proprium ... 86

4.5.2 Supressio... 87

5. CONCLUSÃO ... 89

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso intenta demonstrar a necessidade da proteção à confiança legitimamente depositada pelos particulares contratados pela Administração nos termos da avença originalmente pactuada, limitando-se, por conseguinte, a mutabilidade dos contratos administrativos.

Para alcançar esse objetivo, faz-se necessário, prefacialmente, a realização de breve estudo acerca do instituto do contrato administrativo, demonstrando suas origens históricas, conceituado-o, revelando as suas particularidades quando comparado aos contratos regidos pelo direito privado e, principalmente, arrolando as suas características.

Nesse primeiro estágio do trabalho, dá-se enfoque ao estudo da exorbitância do contrato administrativo, característica essa que concede prerrogativas especiais para a Administração Pública, como expressão da soberania de que esta é investida, visando sempre a proteção do interesse público. Desse modo, enquanto os contratos regidos pelo direito privado pressupõem, essencialmente, a igualdade entre as contratantes, no caso específico dos contratos administrativos uma das partes sempre encontra-se em situação privilegiada, dado o poder de império que detém a Administração. Este se materializa na existência das cláusulas exorbitantes, que devem ser utilizadas, sempre, para a proteção do interesse público.

Em um segundo momento, deixam-se os contratos administrativos de lado e se dirige a atenção ao princípio da proteção à confiança dos administrados. Esse princípio visa dar tutela jurídica às expectativas legitimamente depositadas por particulares nos atos administrativos, e consubstancia-se quer na presunção de legitimidade que detêm os atos exarados pela Administração, quer nos princípios constitucionais da moralidade e da boa-fé do administrador.

Ato contínuo, far-se-á a individualização do aludido preceito em relação a outros "pertencentes à mesma constelação de valores1", quais sejam, o princípio da

1

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segurança jurídica, de quem o primeiro configura um subprincípio, e o princípio da boa-fé objetiva, que, muitas vezes, como se verá, é pressuposto da sua aplicação. Verificar-se-á, também, que a simples invocação do princípio da legalidade não pode obstar a aplicação do princípio da proteção à confiança, haja vista ambos tratarem-se de princípios igualmente importantes no ordenamento, devendo-tratarem-se utilizar do instituto da ponderação de princípios proposto por Aléxy para verificar qual prevalecerá no caso concreto.

No terceiro capítulo, unir-se-ão as matérias abordadas teoricamente nos dois capítulos precedentes, passando-se a focalizar o cerne da questão. Este versa sobre a incidência do aludido preceito também na matéria dos contratos administrativos, atuando, nessa seara, dentre outras formas, como limitador à mutabilidade destes.

Assim, em um primeiro momento, demonstrar-se-á a aplicação do princípio estudado sobre esse instituto do direito administrativo, para depois discutir as formas da sua incidência como limitação à alteração e rescisão unilaterais do contrato administrativo. Essas formas estão previstas na própria Lei 8.666/93, a chamada Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Defender-se-á, por último, que a mutabilidade dos contratos administrativos também poderá ser balizada pelo caracterização de figuras típicas, ou seja, conceitos que, apesar de não estarem legalmente previstos, já foram largamente utilizados pela jurisprudência.

Este trabalho foi produzido alicerçado no método de abordagem dedutivo. O procedimento adotado foi o monográfico com enfoque exploratório, e as técnicas de pesquisa utilizadas foram a bibliográfica e a documental.

Cabe, para terminar esta introdução, a seguinte ressalva. A presente monografia não tem - e nem poderia ter, ante a vastidão do tema - a pretensão de esgotar o assunto nela abordado. As lacunas porventura detectadas deverão ser preenchidas, espera-se, por estudos futuros, provavelmente em nível de pós-graduação. Não há exagero em afirmar que é de questões em aberto que advém a motivação do pesquisador quanto a contínua busca de respostas para indagações instigantes!

(9)

2. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

2.1 Introito

Este capítulo versa sobre os Contratos Administrativos, objetivando, além da exposição das peculiaridades que circundam esse instituto do direito público e da análise das principais diferenças existentes em relação aos contratos regidos pelo direito privado, destacar uma de suas características mais marcantes, qual seja, a sua mutabilidade. O estudo detalhado das hipóteses de mutação unilateral dos contratos administrativos, resultado da modificação ou rescisão por ato exclusivo da Administração, é essencial neste trabalho. A razão é que, em um segundo momento, intentar-se-á demonstrar que essa característica não é nem de longe absoluta, sofrendo, em verdade, limitações em razão da invocação do princípio da proteção à confiança.

Com efeito, a necessidade do poder público de contratar com o particular advém do próprio regime econômico, uma mistura de liberalismo e deveres sociais por parte do Estado e dos particulares, vigente no país, expressamente previsto na Constituição brasileira2. Sob a égide desta ordem econômica, preserva-se a livre iniciativa econômica dos particulares, reconhecendo não ser o Estado detentor de monopólio econômico, e nem ser da sua incumbência a responsabilidade pela realização de tudo o que for necessário a sociedade.

De fato, não cabe à Administração Pública, em países que respeitam a livre iniciativa econômica, a necessidade de gerir/possuir a totalidade de bens e serviços, como acontece nos regimes totalitários, de economia fechada e monopólio econômico estatal. Em verdade, o modelo econômico adotado em países como o Brasil parte da premissa de que é mais eficiente e menos custoso ao Estado recorrer à iniciativa privada quando necessitar promover certas políticas públicas, suprir determinadas necessidades e desempenhar certos serviços, do que gerir e prover

2

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

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sozinho tudo o que for necessário para cumprir na sua totalidade o papel que lhe foi atribuído pela Constituição Federal.

Ademais, é improvável, por dedução das leis econômicas, que a Administração Pública possa, sem contratar com o particular, gerir o Estado ao lume do princípio da eficiência3, ou, como denota Celso Bandeira de Mello, ao do mais abrangente princípio da boa administração.4 Com efeito, dia após dia, mais e mais demandas surgem, representando fortes exigências ao Estado Social brasileiro.

Nesse sentido, traz-se à colação o seguinte pensamento de Joel de Menezes Niebuhr:

Já não é de hoje que, em virtude da complexidade das relações de produção e do avanço inconteste de novas tecnologias, geradoras, por consequência, de novas comodidades e soluções, a Administração Pública se vê crescentemente forçada a adquirir bens e a receber serviços e outras utilidades de seu interesse junto a terceiros.5

Todavia, em desencontro à evolução histórica e às crescentes demandas sociais a que o Estado é incumbido, ante o reconhecimento da "necessidade de intervenção do poder público no domínio econômico e social para assegurar a igualdade dos cidadãos"6, a doutrina administrativista, tanto brasileira quanto internacional, demorou a aceitar a possibilidade de o Estado contratar com o particular. Dizia-se que a posição de supremacia com a qual contava o Estado o impedia de travar relação em pé de igualdade com particulares. Sobre o assunto, expõe Odete Medauar:

[N]os primórdios da elaboração da teoria do contrato administrativo - início do século XX -, houve fortes resistências a essa ideia: alegava-se que a Administração não poderia celebrar contratos em virtude da sua posição de supremacia em relação ao particular; por outro lado, o atendimento do interesse público impediria todo tipo de vínculo

3

Hely Lopes Meirelles ensina que "o princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. (MEIRELLES, 2011, p. 98)

4

BANDEIRA DE MELLO, 2010a, ps. 122-123.

5

NIEBUHR, 2011, p. 656.

6

(11)

contratual contínuo; e, ainda, as relações entre Administração e particulares só nasciam mediante atos administrativos7.

Os publicistas daquele tempo pensavam que a Administração Pública, por estar revestida de poder de império em relação aos administrados, de maneira alguma poderia com eles contratar, eis que os vínculos contratuais tradicionais, regidos pelo direito privado, se dão necessariamente no marco de uma relação de paridade entre as partes contratantes.

Com a evolução doutrinária, e com a já mencionada crescente necessidade de utilizar particulares para bem desempenhar o múnus público, essa ideia foi modificando-se com o tempo, sendo a doutrina francesa a pioneira na construção de uma teoria envolvendo os contratos em que a Administração tomava parte. No Brasil, o estudo dos contratos administrativos seguiu essencialmente o modelo francês.

Entretanto, mesmo com o avanço e a consolidação dos contratos administrativos na doutrina pátria, ainda nos dias atuais, a Administração pública ordinariamente age por intermédio de atos unilaterais. Isso ocorre devido à soberania que lhe é peculiar, permitindo uma constante posição de supremacia em relação ao particular, na busca da primazia dos chamados meta princípios do Direito Administrativo, quais sejam, a supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade do interesse público,

Sobre o assunto, aduz Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Enquanto no direito privado prevalecem os atos jurídicos bilaterais - os contratos -, a Administração Pública utiliza-se essencialmente de atos administrativos unilaterais, com características exorbitantes do direito comum, tais como as prerrogativas e sujeições que constituem o regime administrativo. Dentre os atributos do ato administrativo, um deles, a imperatividade, permite à Administração utilizar-se do seu poder de império para praticar atos unilaterais que criam obrigações para o particular, independentemente de sua concordância ou ainda contra a sua vontade. Esse atributo vem acompanhado, em certos casos, da possibilidade de autoexecutar a decisão8.

Colhe-se, ainda, para melhor esclarecer a matéria, excerto do magistério de Joel de Menezes Niebuhr:

7

MEDAUAR, 2012, p. 234.

8

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[A] atividade da Administração Pública é marcada pela unilateralidade, por privilégios que lhe são concedidos em favor da imposição do público ao individual, o que revela relações jurídicas desequilibradas, bem diferentes das que são típicas dos ramos do Direito Privado. Em apertada síntese, cabe dizer que a Administração Pública é armada de poder, isto é, da capacidade de fazer valer os seus desígnios em face dos interesses de cunho individual, independentemente do consentimento de seus titulares9.

Nesse contexto, por uma conclusão lógica, infere-se ser justamente a soberania que proporciona à Administração Pública valer-se de atos unilaterais na sua prática ordinária. É também daquela característica que advém a imperatividade desses atos administrativos, que configura, juntamente com a presunção de legitimidade, a exigibilidade e a executoriedade, os seus atributos. Nos contratos administrativos, conforme adiante será melhor exposto, esses atos unilaterais se dão pelas chamadas cláusulas exorbitantes, previstas nos artigos 58, 65 e 87 da Lei n. 8.666/93.

Nesse passo, sobre o atributo da imperatividade dos atos administrativos, deflui com invulgar clareza Celso Antônio Bandeira de Mello:

é a qualidade pela qual os atos administrativos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância. Decorre do que Renato Alessi chama de "poder extroverso", que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito emitente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas, constituindo unilateralmente em obrigações10.

De outro norte, no âmbito do direito privado, onde não existem entes soberanos entre as partes contratantes, a regra é justamente o contrário. Nesse ramo do direito, a perpetração de atos unilaterais é a exceção, sendo o mais comum o ato de firmar contratos, que, por sua vez, representam os atos bilaterais por natureza. Nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves, "o contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para a sua formação, da participação de pelo menos duas partes. É, portanto, negócio jurídico bilateral ou plurilateral."11

Entretanto, por conta dos fenômenos já narrados nos primeiros parágrafos, ou seja, pela crescente necessidade que o Estado possui em termos de colaboração

9

NIEBUHR, 2011, p. 656.

10

BANDEIRA DE MELLO, 2010a, p. 419.

11

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de particulares para bem desempenhar suas funções, ante a impossibilidade de valer-se desse apoio da iniciativa particular de modo arbitrário e, também, segundo ensinamentos de Marcelo Losso, "em decorrência da cada vez maior consensualidade a que está vinculado"12, é que, conforme ainda delineado por este autor, a Administração "recorre aos préstimos de particulares, posto ser impossível, per si, satisfazer todas as suas necessidades"13. Essas razões estão dentre as que justificam que a importância dada ao estudo aprofundado dos contratos administrativos ser cada vez mais crescente, eis que patente para um Estado que pretende efetivar os direitos inscritos na Constituição Federal.

2.2 Conceituação de Contrato Administrativo

Conforme verificado no subcapítulo anterior, é cada vez mais importante o estudo dos contratos administrativos, dado o fato desse tipo de negócio jurídico ganhar, cada dia mais, crescente importância no cenário do direito público brasileiro.

Em sendo assim, prefacialmente, insta salientar que, em razão do já exaustivamente aludido poder de soberania de que está revestida a Administração Pública, os contratos em que esta figura como parte não são, em regra, regidos pelo Direito Civil. Na base está o fato de que os contratos dessa espécie pressupõem uma situação de igualdade entre as partes, o que, pelas razões já expostas, ordinariamente não acontece quando a Administração se encontra na relação contratual. Mormente, a aplicação do regime jurídico administrativo busca, antes de tudo, a proteção à legalidade e ao interesse público, princípios basilares do direito administrativo.

Todavia, como adiante melhor será explicitado, muito embora a Administração Pública ordinariamente figure nos contratos como ente detentor de soberania, não é sempre que isso acontece, havendo hipóteses em que a Administração não participará substancialmente investida de poder de império. Nesses casos, justamente pela carência daquela característica na relação contratual, as avenças que sobrevierem serão regidas pelo direito privado. A esses

12 LOSSO, 2008, p. 30. 13

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contratos, dá-se o nome de contratos privados da Administração, que serão brevemente examinados posteriormente, em momento oportuno.

Uma vez cientes de que nem todo contrato do qual a Administração participe pode ser chamado de contrato administrativo, deve-se buscar uma definição desse instituto. Para tanto, vale consultar Marçal Justen Filho, que conceitua os Contratos Administrativos:

O contrato administrativo em sentido restrito é um acordo de vontades destinado a criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, tal como facultado legislativamente, e em que a parte que exerce função administrativa é investida de competências para inovar unilateralmente as condições contratuais e em que se assegura a intangibilidade da equação econômico-financeira original.14

Essa conceituação segue ensinamento clássico de Hely Lopes Meirelles, vazado nos seguintes termos:

Contrato administrativo é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração.15

Todavia, apesar de majoritária, essa definição de contrato administrativo nem de longe é uníssona na doutrina, existindo autores que pregam diferentes ideias sobre o tema. Há quem ainda duvide, inclusive, da própria existência desse tipo de contrato.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro bem resumiu as diferentes linhas de pensamento sobre a matéria. Segundo ela, há três correntes doutrinárias principais sobre os contratos administrativos. São elas:

1. a que nega a existência de contrato administrativo;

2. a que, em sentido diametralmente oposto, acha que todos os contratos celebrados pela Administração são contratos administrativos; 14 JUSTEN FILHO, 2011, p. 433. 15 MEIRELLES, 2011, p. 217.

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3. a que aceita a existência dos contratos administrativos, como espécie do gênero contrato, com regime jurídico de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum16.

Os defensores da primeira corrente negam a existência do instituto em comento, aduzindo que o contrato administrativo não observaria diversos requisitos imprescindíveis aos contratos, segundo a teoria geral dos mesmos. Entre eles, figura o da igualdade entre as partes, em razão de a Administração ocupar posto de supremacia na relação jurídica; também o da autonomia da vontade, ausente, segundo os defensores, tanto do lado da administração, já que adstrita ao princípio da legalidade, quanto do lado do particular, já que submetido as cláusulas regulamentares fixadas unilateralmente pela Administração; e ainda o princípio da força obrigatória das convenções, em decorrência da mutabilidade dos contratos administrativos.

Já os defensores da segunda corrente entendem, por sua vez, que todos os contratos firmados pela administração são contratos administrativos, não existindo, portanto, os já mencionados contratos privados da administração. Justificam essa tese na assertiva de que todos os acordos de que participa a Administração invariavelmente sofrem interferência do regime jurídico de Direito Público, quanto, à competência para sua perpetração, à forma e ao procedimento, entre outros aspectos.

Finalmente, os defensores da terceira hipótese, que abarcam a imensa maioria dos administrativistas pátrios, entendem que existe um regime jurídico administrativo contratual próprio, distinto do privado. Mais uma vez recorre-se à Di Pietro, que sistematizou as principais razões que esses publicistas utilizam para sustentar seu posicionamento:

1. alguns adotam o critério subjetivo ou orgânico, entendendo que no contrato administrativo a Administração age como poder público, com poder de império na relação jurídica contratual; não agindo nessa qualidade, o contrato será privado;

2. para outros, o contrato administrativo tem sempre por objeto a organização e o funcionamento dos serviços públicos; se tiver por conteúdo a prestação de atividade privada, será contrato de direito civil;

16

(16)

3. há quem diferencie o contrato administrativo pela finalidade pública, o que é contestado, sob a alegação de a Administração, mesmo agindo sob o regime jurídico privado, tem que agir com esse objetivo, sob pena de incidir em desvio de poder;

4. outros entendem que é o procedimento de contratação que caracteriza o contrato administrativo, o que também não corresponde à verdade porque existem algumas formalidades que são exigidas, não pela natureza do contrato, mas pela presença da Administração e pela finalidade pública que ela tem que atender; é o caso da licitação, da forma, da motivação, da publicidade;

5. finalmente, há aqueles para os quais o contrato administrativo se caracteriza pela presença das chamadas cláusulas exorbitantes do direito comum, assim chamadas porque estão fora de órbita (ex

orbita) do direito comum e cuja finalidade é a de assegurar a posição

de supremacia da Administração em relação ao particular; assim são as cláusulas que asseguram o poder de alteração unilateral do contrato, a sua rescisão unilateral antes do prazo, a imposição de penalidades administrativas e tantas outras [...]17

Neste trabalho, adota-se a terceira corrente narrada pela eminente doutrinadora. Assim, toda vez que ocorrer referência à "contratos administrativos", estarão sendo mencionados os contratos em que a Administração figure como parte e que sejam regidos preponderantemente pelas regras de direito público, ou seja, contratos revestidos de exorbitância. Assim, resta, agora, antes de ingressar no estudo das características dos contratos administrativos, melhor entender a diferenciação entre estes e os contratos privados da administração.

2.2.1 Contrato Administrativo versus Contrato Privado da Administração

Como já supra delineado, destaca-se que nem todo contrato em que a Administração Pública figurar como parte tratar-se-á de um contrato administrativo. Isso porque, conforme já explicitado, nos termos da corrente doutrinária seguida para a elaboração do presente trabalho, os chamados contratos administrativos limitam-se àqueles em que a Administração Pública figura como ente detentor de poder de império, de supremacia perante o particular, o que, como adiante verificar-se-á, nem sempre ocorre.

17

(17)

Nos casos em que isso não ocorrer, não se estará diante de contratos administrativos, mas sim, nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello, perante contratos de direito privado da Administração18. Estes, ao contrário daqueles, são regidos preponderantemente pelo Direito Privado.

Sobre o assunto, expõe-se trecho da obra de Marçal Justen Filho:

Acrescente-se que a Administração Pública também se vale de contratos de direito privado. Isso se passa naqueles casos em que a contratação continua a ser regida preponderantemente (senão exclusivamente) pelo direito privado. A participação de um sujeito administrativo não altera o regime jurídico do contrato. O exemplo é o contrato de seguro. Num sentido amplo, existe um contrato administrativo, mas somente na acepção de que um das partes integra a Administração Pública. Mas, em rigor, essa característica não afeta a relação jurídica propriamente dita19.

Consedere-se, mais uma vez sobre o assunto, por oportuno, escólio de Joel de Menezes Niebuhr:

Logo depois de reconhecida a existência de contrato administrativo, surgiu percepção que pretende apartá-lo de outros contratos, também celebrados pela Administração Pública, mas sob a pretensa regência do Direito Privado. Sucede que, em vista da peculiar natureza de certas espécies de contratos, a Administração Pública não utiliza neles boa parte das prerrogativas que lhe são atribuídas, o que equilibra tais relações, aproximando-as do regime ordinário de um contrato de Direito Privado20.

Assim, o fator decisivo para a diferenciação de ambos os institutos é que, nos contratos de direito privado da administração, ao contrário do que acontece nos contratos administrativos, o poder público não atua como ente soberano, motivo pelo qual, em regra, não conta com as prerrogativas que detém nos contratos administrativos, que se caracterizam, por sua vez, pela exorbitância.

Já para José Guilherme Giacomuzzi, a característica que melhor diferencia os contratos regidos pelo direito público em relação aos regidos pelo direito privado, é justamente a presença das cláusulas exorbitantes, in verbis:

18 BANDEIRA DE MELLO, 2010a, p. 615. 19

JUSTEN FILHO, 2011, p. 429.

20

(18)

[O] que distingue os contratos públicos dos contratos privados é [...] precisamente o caráter exorbitante de algumas normas relativas aos contratos administrativos. Nesse sentido, a exorbitância é a razão de ser do direito dos contratos administrativos, isto é, a exorbitância é a razão pela qual um contrato público deve (ou não) ser considerado diferente de um contrato privado.21

Outra importante diferença existente entre os institutos, lembrada pela doutrina, diz respeito ao seu objeto. Enquanto nos contratos administrativos o objeto é a prestação de um serviço público, este entendido no seu sentido mais amplo possível, como atividade que vise satisfazer ao interesse geral, nos contratos de direito privado da administração o objeto apenas indiretamente diz respeito ao interesse geral. É o que diz Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

O contrato administrativo visa à prestação de serviço público, não no sentido restrito de "atividade exercida sob regime jurídico exorbitante", mas no sentido mais amplo, que abrange toda atividade que o Estado assume, por lhe parecer que a sua realização era necessária ao interesse geral e que a iniciativa privada era insuficiente para realizar adequadamente.[...]

Ao contrário, quando a Administração celebra contrato cujo objeto apenas indiretamente ou acessoriamente diz respeito ao interesse geral (na medida em que tem repercussão orçamentária, quer do lado da despesa, quer do lado da receita), ela se submete ou pode submeter-se ao direito privado; [...]22

Os melhores exemplos de contratos de direito privado da administração são os contratos de seguro, de financiamento e de locação de imóvel, em que a administração figure como locatária. Estes são os expressamente previstos na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, no artigo 62, § 3o, I, da Lei n. 8.666/93.

Deve-se ressaltar ainda que o fator mais importante para a caracterização do objeto de um contrato administrativo diz respeito ao interesse público que ele visa a proteger, ou a utilidade pública que ele venha a gerar. Esse é mais um traço distintivo dos contratos administrativos, quando relacionados aos contratos de direito privado da administração

Por fim insta, ainda, salientar que o fato desses tipos de contratos serem predominantemente regidos pelo direito privado de maneira alguma evita que sofram influências do direito público. Assim, como já esclarecido, questões como forma,

21 GIACOMUZZI, 2011, p. 33. 22

(19)

competência, procedimento e finalidade (sempre pública) devem sempre respeitar o apregoado pelo direito público.

2.3 Características dos Contratos Administrativos

Nesse ponto, deve-se reiterar que o entendimento aqui esposado, embora majoritário na doutrina administrativista pátria, não é pacífico. Desse modo, alerta-se para a existência de noções diferentes das características dos contratos administrativos aqui expostas.

Com efeito, o modelo pátrio de contrato administrativo, segundo ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, deriva do Direito Francês23. Neste vértice, é importante lançar mão de ensinamentos provindos daquele país a título de auxílio na tarefa de distinguir as características do instituto em estudo.

O Conselho de Estado da França firmou o entendimento de que as avenças firmadas pela Administração, para serem consideradas Contratos Administrativos, devem atender ao menos um destes três requisitos: "(i) receber tal qualificação por lei, (ii) ter por objeto a própria execução de um serviço público e (iii) conter cláusulas exorbitantes.24"

Assim, verifica-se que a primeira característica dos contratos administrativos é a sua previsão legal. Nesse passo, observa-se que a lei geral de regência dos contratos administrativos é a Lei 8.666/93, estando o instituto mais precisamente disposto entre os artigos 54 a 80.

Todavia, algumas modalidades de contratos administrativos estão previstas em lei esparsas. Di Pietro lembra alguns deles, como por exemplo, o contrato de prestação de serviços de publicidade, regido pela Lei n. 12.232/10, a concessão e permissão de serviços públicos, regidas pelas Leis 8.987/95 e 9.074/95 e as parcerias público-privadas, pela Lei 11.079/0425. Neste rol pode-se, ainda, incluir a

23

BANDEIRA DE MELLO, 2010a, p. 616.

24

BANDEIRA DE MELLO, 2010a, p. 617.

25

(20)

novíssima Lei de Regime Diferenciado para Contratações Públicas, popularizada como "Lei da Copa", promulgada sob o n. 12.462/11.

Em segundo lugar, sobre a necessidade de ter por objeto a contratação de serviços públicos, essa expressão, como acima delineado, deve ser entendida em sentido amplo, como toda atividade que vise a satisfação do interesse público.

Finalmente, sobreleva destacar que a principal característica dos contratos administrativos seja, talvez, a presença de cláusulas exorbitantes. Estas serão melhor estudadas a seguir.

Convém lembrar ainda que, no entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, constituem características dos contratos administrativos: a presença da Administração Pública como Poder Público, a Finalidade Pública, a Obediência à forma prescrita em lei, o procedimento legal, o contrato de adesão e a sua natureza intuitu personae26. Ademais, Hely Lopes Meirelles lembra ainda que, "além dessas características substanciais, o contrato administrativo possui outra que lhe é própria, embora externa, qual seja, a exigência de prévia licitação"27.

2.3.1 Cláusulas Exorbitantes

Em razão do já exaustivamente referido poder soberano a que o Estado ordinariamente está investido, que lhe impede de estar em situação de paridade com o particular em uma relação contratual, conta a Administração, para assegurar tal supremacia, com algumas prerrogativas ao firmar contratos com particulares. A essas prerrogativas dá-se o nome de cláusulas exorbitantes. Sobre o assunto, expõe com invulgar clareza Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Tais cláusulas podem ser definidas como aquelas que não são comuns ou que seriam ilícitas nos contratos entre particulares, por encerrarem prerrogativas ou privilégios de uma das partes em relação à outra28. 26 DI PIETRO, 2011, ps. 265-271 27 MEIRELLES, 2011, p. 218. 28 DI PIETRO, 2011, p. 260.

(21)

Celso Antônio Bandeira de Mello também assenta sobre o tema:

A existência das prerrogativas especiais ou das cláusulas assaz de vezes nominadas "exorbitantes", quer assim se qualifiquem por serem apenas insuetas no Direito Privado, quer assim se designem por serem, sobre incomuns, também inadmissíveis nas relações entre particulares, em absoluto representa aniquilamento ou minimização dos interesses do contratante no objeto de sua pretensão contratual29.

Hely Lopes Meirelles, de sua parte, as classifica da seguinte maneira: "Cláusulas exorbitantes são, pois, as que excedem do Direito Comum para consignar uma vantagem ou uma restrição à Administração ou ao contratado."30

Todavia, muito embora o eminente jurista haja consignado que as cláusulas exorbitantes garantem prerrogativas tanto à administração quanto aos particulares, no presente trabalho tais cláusulas serão consideradas como prerrogativas unicamente da Administração. As garantias dos administrados são referidas como "direitos dos administrados", conforme o fizeram os doutrinadores supramencionados.

Assim, chega-se à conclusão de que a presença das cláusulas exorbitantes é o principal traço distintivo dos chamados contratos administrativos. Tais cláusulas caracterizam o que os franceses chamam, como bem lembra Meirelles31, "la marque du Droit Public"32, podendo-se citar, ainda, para reforçar tal ideia, conforme realizado pelo aludido autor, excerto de Laubadère nos seguintes termos, em tradução livre: "é efetivamente a presença de tais cláusulas em um contrato que se constitui no critério por excelência de sua natureza administrativa."33.

Destaque-se que tais cláusulas podem derivar tanto do próprio instrumento de contrato como da Lei. Isso quer dizer que, mesmo quando não estiveram expressamente consignadas num contrato, estarão elas lá, mesmo que de forma implícita, porque decorrentes de lei. Ou seja, mesmo nessas hipóteses, essas

29

BANDEIRA DE MELLO, 2010a, p. 622.

30

MEIRELLES, 2011, p. 219.

31

MEIRELLES, 2011, p. 219.

32

Tradução livre: "a marca do Direito Público".

33

"C'est en effet la prèsence de telles clauses dans un contrat que est le critère par excellence de son caractère administratif.

(22)

prerrogativas podem ser invocadas pela Administração Pública. Nos dizeres de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Quando a Administração celebra contratos administrativos, as cláusulas exorbitantes existem implicitamente, ainda que não expressamente previstas; elas são indispensáveis para assegurar a posição de supremacia do Poder Público sobre o contratado e a prevalência do interesse público sobre o particular34.

Em suma, as cláusulas exorbitantes visam garantir que os contratos em que toma parte a Administração atinjam sempre o seu fim mais puro e específico, que é a proteção ao interesse público.

Por outro lado, são muitas as prerrogativas com que conta a Administração ao firmar um contrato administrativo. Tendo em vista que uma análise pormenorizada de cada um desses institutos demandaria muito tempo, e também sabedores que nem todas as cláusulas exorbitantes orbitam em torno da mutabilidade do contrato administrativo, é útil referir aos ensinamentos de Marçal Justen Filho, que bem sistematizou os poderes que essa variada gama de privilégios proporciona à Administração no tipo de contrato em comento:

O regime jurídico dos contratos administrativos em sentido estrito caracteriza-se pela atribuição à Administração Pública de competências extraordinárias peculiares, que se aplicam independentemente de previsão explícita no instrumento contratual As competências extraordinárias reconhecidas à Administração Pública compreendem poderes para:

a) alterar unilateralmente a prestação a ser executada pela outra parte, inclusive quanto ao objeto, especificações, prazos, locais de entrega;

b) exercitar fiscalização severa, inclusive com poderes de acompanhamento direto das atividades desenvolvidas pela outra parte;

c) extinguir o contrato unilateralmente, inclusive em virtude de razões de conveniência e oportunidade;

d) impor sanções ao particular;

e) ocupar cautelarmente as instalações do particular, em casos de serviços públicos delegados à iniciativa privada35.

Das acima elencadas prerrogativas da Administração, as indicadas nas alíneas "a" e "c" serão analisadas com mais vagar ulteriormente, por dizerem

34

DI PIETRO, 2011, p. 260.

35

(23)

respeito a uma outra importantíssima característica dos contratos administrativos, qual seja, a sua mutabilidade.

Antes, porém, consigna-se que a existência dessas cláusulas exorbitantes em favor da Administração Pública não acarreta que os particulares sejam submetidos ao seu livre alvedrio nos contratos administrativos. Os particulares são protegidos pelas chamadas garantias dadas ao particular, enfeixadas na constitucionalmente prevista manutenção das condições efetivas da proposta36, notadamente a garantia de equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que serão examinadas a seguir.

2.3.2. Garantias do particular

A lógica do contrato administrativo, cujo objetivo, em suma, é a utilização dos serviços de particulares em prol do interesse público, seria violada se a Administração tudo pudesse e os interesses dos particulares em nada fossem protegidos nesse tipo de contrato.

De fato, se assim o fosse, certamente a procura de particulares para contratar com o poder público seria em muito prejudicada, como lembra Celso Bandeira de Mello, referindo ao administrativista francês Francis-Paul Bénoît:

Não é por isso que se deva menosprezar o interesse do particular contratante. Aliás, se se procedesse desta maneira, é perfeitamente evidente que a Administração não encontraria contratantes37.

Assim, em contraponto às prerrogativas fornecidas ao Estado, o direito público confere ao particular garantias quando da execução do contrato. E a principal dessas garantias tem, por obviedade solar, caráter econômico, por tratar-se

36

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

37

(24)

da denominada manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Sobre o assunto, mais uma vez cabe recorrer à obra de Bandeira de Mello:

[A] outra face do problema, contraposta às prerrogativas da Administração, assiste precisamente no campo das garantias do particular ligado pelo acordo. Cabe-lhe integral proteção quanto às aspirações econômicas que ditaram seu ingresso no vínculo e se substanciaram, de direito, por ocasião da avença, consoante os termos ali estipulados. Essa parte é absolutamente intangível e poder algum do contratante público, enquanto tal, pode reduzir-lhe a expressão, feri-la de algum modo, macular sua fisionomia ou enodoá-la com jaça, por pequena que seja38.

Marçal Justen Filho argumenta no mesmo sentido, corroborando esse clássico entendimento:

A atribuição à Administração Pública de prerrogativas extraordinárias produz a submissão do particular contratado às escolhas por aquela realizadas. Para neutralizar os efeitos jurídicos potencialmente danosos aos interesses do particular, o contrato administrativo comporta um conjunto de garantias igualmente excepcionais. Assegura-se ao particular a manutenção da relação original entre encargos e vantagens, de modo que o exercício pela Administração Pública das competências extraordinárias seja compensado por vantagens (especialmente econômicas).39

A manutenção da equação econômico-financeira, representa, assim, reflexo da proteção à confiança depositada pelo particular na oferta de serviço apresentada pela Administração, na licitação que culminou na assinatura do contrato administrativo.

Prossegue-se utilizando o ideário de Justen Filho, que apresenta boa definição da matéria em análise:

Adota-se a seguinte definição: equação econômico-financeira é a relação entre encargos e vantagens assumidas pelas partes do contrato administrativo, estabelecida por ocasião da contratação, e que deverá ser preservada ao longo da execução do contrato.40 Nesta senda, uma vez tendo o particular aceitado os termos do contrato nas condições em que ele foi apresentado pela Administração, a possibilidade de

38

BANDEIRA DE MELLO, 2010a, p. 623.

39

JUSTEN FILHO, 2011, p. 434.

40

(25)

alteração unilateral dessas condições pela segunda ensejaria uma quebra nessa confiança, na ausência de garantia da mantença do equilíbrio antes pactuado.

Sobre a relação entre o poder de alteração unilateral do contrato pela Administração Pública e a manutenção da equação econômico-financeira do contrato, assinala Di Pietro:

Ao poder de alteração unilateral, conferido à Administração, corresponde o direito do contratado, de ver mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, assim considerada a relação que se estabelece, no momento da celebração do ajuste, entre o encargo assumido pelo contratado e a prestação pecuniária assegurada pela Administração41.

Resumindo a questão, se por qualquer motivo alheio às vontades do contratado ocorrer alteração nas condições ofertadas pela Administração, é de pleno direito do primeiro o recebimento de compensação financeira que mantenha a equidade do preço contratado.

Como já indicado, o problema referente à garantia da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato está intimamente ligado com o tema central desta pesquisa, por se tratar de uma das principais formas de proteção da confiança do contratado no acordo firmado com a Administração Pública. Assim, a matéria será objeto de um estudo mais aprofundado no terceiro capítulo do presente trabalho.

2.4 Mutabilidade do Contrato Administrativo

A partir do que foi considerado nas seções anteriores, dirige-se agora a atenção à mutabilidade dos contratos administrativos. Trata-se de uma das características mais marcantes desses contratos, e que, como já delineado, mais flagrantemente os diferencia dos contratos privados. Sobre o assunto, informa Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Um dos traços característicos do contrato administrativo é a sua mutabilidade, que, segundo muitos doutrinadores, decorre de

41

(26)

determinadas cláusulas, ou seja, das que conferem à Administração o poder de, unilateralmente, alterar as cláusulas regulamentares ou rescindir o contrato antes do prazo estabelecido, por motivo de interesse público.42

A mutabilidade contratual à qual esse estudo faz referência é a relativa às prerrogativas exorbitantes conferidas à Administração Pública, quais sejam, as de alteração e de rescisão unilateral do contrato administrativo, referidas por Di Pietro no trecho acima colacionado.

Frise-se que a mutabilidade dos contratos administrativos não advém somente da exorbitância que o circunda. Como qualquer outro contrato, o administrativo também está sujeito às alterações provenientes da chamada álea ordinária, ou seja, que decorrem da própria flutuação natural do mercado.

Ademais, está o contrato administrativo sujeito também às demais alterações referentes à chamada álea administrativa, que abarca, além das já mencionadas mudanças decorrentes do poder unilateral da Administração, as referentes aos chamados "fato do príncipe" - quando resultarem de ato da administração não diretamente ligado ao contrato, - e "fato da Administração", quando derivarem de comportamento da Administração, enquanto ente contratante, que torne impossível o cumprimento do contrato.

Por último, existem ainda as mudanças provenientes da chamada álea econômica extraordinária, correspondentes à situações contrárias às vontades das partes, que sejam imprevisíveis e que ocasionem desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

2.4.1 Alteração unilateral do contrato administrativo

Cabe, agora, analisar o poder conferido à Administração para, em certas circunstâncias, alterar unilateralmente o contrato administrativo. Fala-se em certas circunstâncias porque, a despeito da soberania de que é investida a Administração,

42

(27)

inclusive nos contratos administrativos, a sua liberdade de alteração contratual sofre limitação imposta pela lei.

Sobre isso, diz Marçal Justen Filho:

A alteração do contrato retrata, sob alguns ângulos, uma competência discricionária da Administração. Não existe, porém, liberdade para a Administração impor a alteração como e quando melhor lhe aprouver. Existe uma competência anômala, não uma prerrogativa propriamente dita43.

Essa limitação da discricionariedade da Administração quanto à alteração dos contratos administrativos ao seu livre alvedrio encontra supedâneo diretamente no princípio da proteção à confiança do particular, como futuramente será abordado neste trabalho.

José Guilherme Giacomuzzi resume as hipóteses legais. constantes na Lei n. 8.666/93, conhecida como Lei de Licitações e Contratos Administrativos, de alteração unilateral do contrato administrativo:

[N]o Brasil, a Lei federal 8.666/1993, chamada "Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, no art. 58, I, confere à Administração o poder de modificar unilateralmente o contrato, "para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado". E o art. 65, I, qualifica a regra geral anterior e refere as duas situações em que pode haver a alteração unilateral do contrato: (a) quando houver modificações do projeto para melhor adequação técnica aos seus objetivos e (b) quando for necessário alterar o valor do contrato em razão de acréscimo ou diminuição quantitativa do seu objeto, obedecendo aos limites da lei. 44

A primeira hipótese é a mais ampla de todas, por permitir que a Administração altere o contrato por razões de interesse público. Todavia, interesse público, por si só, é um termo muito vago, acabando por se tornar um instrumento na mão do Administrador para que as aludidas alterações se deem, precipuamente, em razão do interesse da Administração.

Sobre essa possibilidade de alteração unilateral de contrato, merece referência este ensinamento de Joel de Menezes Niebuhr:

43

JUSTEN FILHO, 2011, p. 523.

44

(28)

O princípio da supremacia do interesse público outorga à Administração série de vantagens e prerrogativas, que a colocam em posição de superioridade em relação aos particulares, a fim de evitar que o interesse público gerido por ela seja prejudicado ou sacrificado em contraste com os interesses particulares. O aludido princípio ecoa fortemente em relação aos contratos administrativos, caracterizados pelas denominadas cláusulas exorbitantes, que, a rigor, são prerrogativas outorgadas por Lei à Administração Pública para a gestão dos seus contratos administrativos, denominadas, neste livro, de prerrogativas protetoras do interesse público.

Tais prerrogativas são disciplinadas pelo art. 58 da Lei n. 8.666/93, entre as quais merece destaque, conforme decorre do seu inciso I, a de alterar unilateralmente os contratos administrativos, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitado os direitos dos contratos, sobretudo de ordem patrimonial45.

Por esse motivo, as modificações do contrato por razões de interesse público devem ser observadas com cautela, devendo ser devidamente motivadas pela Administração para que possam ensejar a quebra da confiança depositada pelo contratado.

As outras duas hipóteses dizem respeito à chamada alteração qualitativa, que faz referência à possibilidade de modificações do projeto, e à alteração quantitativa, que versa sobre a possibilidade de alteração do valor da obra em decorrência de acréscimo ou minoração do seu objeto. Nesse último caso, as modificações são limitadas aos valores de 25%, nas contratações de obras, serviços e compras, ou 50%, no casos de reforma de edifício ou equipamento46. Essa limitação, conforme será melhor posteriormente apresentado, também decorre diretamente do princípio da proteção à confiança do contratado.

Da mesma maneira, a despeito da falta de previsão legal, e também ao lume do supracitado princípio, não é permitida a alteração das cláusulas qualitativas do contrato ao livre alvedrio da administração, sob pena de burla da licitação. Veja-se o que diz sobre isso Celso Antônio Bandeira de Mello:

45

NIEBUHR, 2011, p. 824.

46

Lei 8.666/93, art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:[...] § 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.

(29)

Estas modificações só se justificam perante circunstâncias específicas verificáveis em casos concretos, quando eventos supervenientes, fatores invulgares, anômalos, desconcertantes de sua previsão inicial, vêm a tornar inalcançável o bom cumprimento do escopo que o animara, sua razão de ser, seu "sentido", a menos que, para satisfatório atendimento do interesse público, se lhe promovam alterações47.

Ademais, esclareça-se que esse poder de alteração unilateral com o qual conta a Administração limita-se às chamadas cláusulas de serviço, ou seja, àquelas que versem sobre o objeto do contrato. Todavia, de maneira alguma pode ser alterado de modo substancial o que originariamente fora contratado. Cabe lembrar o que assinala Hely Lopes Meirelles sobre o assunto:

[A] alteração, devidamente motivada, só pode atingir as denominadas cláusulas regulamentares ou de serviço, isto é, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato, mas sem modificar o núcleo do objeto originalmente pactuado, sob pena de nulidade, e o modo de sua execução.48

Cabe, para terminar, transcrever a sistematização das limitações ao poder de alteração unilateral do contrato pela Administração perpetrada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

São requisitos para a alteração unilateral:

a) que haja adequada motivação sobre qual o interesse público que justifica a medida;

b) que seja respeitada a natureza do contrato, no que diz respeito ao seu objeto; não se pode alterar um contrato de venda para um de permuta, ou um contrato de vigilância para um de limpeza;

c) que seja respeitado o direito do contratado à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicialmente pactuado;

d) com relação à alteração quantitativa, ainda deve se respeitado o limite imposto pelo § 1o do artigo 65; esse dispositivo estabelece um limite para os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, sendo de até 25% do valor inicial atualizado do contrato e, no caso de reforma de edifício ou equipamento, até 50% para os seus acréscimos. Pelo § 2o, inciso II, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 9.648/98, nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo "as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes".49

47

BANDEIRA DE MELLO, 2010a, p. 627.

48

MEIRELLES, 2011, p. 220.

49

(30)

2.4.2 Rescisão unilateral do contrato administrativo

Passa-se agora ao estudo das possibilidades de rescisão unilateral do contrato pela Administração Pública, faculdade também conhecida como rescisão administrativa, considerada por José Guilherme Giacomuzzi como "o mais forte exemplo da exorbitância interna, a mais radical das prerrogativas especiais da Administração.50"

Essa possiilidade está legalmente prevista no artigo 52, II, da Lei de regência dos contratos administrativos, estando as hipóteses de ocorrência descritas no artigo 78, I a XII e XVII, conforme indicado no artigo 79, I. Como igualmente ocorre nas hipóteses de alteração unilateral, a chamada rescisão administrativa também cinge-se às situações expressamente previstas na lei.

As aludidas hipóteses podem ser divididas em dois grupos, quais sejam, as que fazem referência a alguma falta do contratado, separadas entre culposas e dolosas, e as advindas da variação do interesse público. Assim se posiciona Celso Antônio Bandeira de Mello sobre a questão:

Fundamentalmente, são duas as hipóteses que a ensejam: a) razões de interesse público obviamente fundadas e justificadas, sem falta do contratado, caso em que esse fará jus a indenização pelos prejuízos comprovados que houver sofrido (§ 2o do art. 79 da Lei 8.666/93); e b) por falta do contratado, nas hipóteses a que se reportam os artigos mencionados, acarretando, ainda, se o motivo houver sido o descumprimento de cláusulas contratuais, a imediata assunção do objeto, ocupação e utilização do local, instalações e equipamentos materiais e humanos necessários à continuidade da execução do contrato (a serem depois devolvidos com o cabível ressarcimento), execução da garantia contratual para ressarcimento da Administração e dos valores das multas e indenizações cabíveis e, finalmente, retenção dos créditos do contratado até o limite dos prejuízos que haja causado à Administração (art. 80 da Lei 8.666).51 A primeira hipótese mencionada pelo ilustre administrativista é a da rescisão do contrato por razões de conveniência da Administração Pública, prevista no inciso

50

GIACOMUZZI, 2011, p. 50.

51

(31)

XII, do artigo 78, da Lei 8.666/93. Sobre a matéria, colaciona-se trecho da obra de Hely Lopes Meirelles.

A rescisão administrativa por interesse público ou conveniência da Administração tem por fundamento a variação do interesse público, que autoriza a cessação do ajuste quando este se torna inútil ou prejudicial à coletividade. Ao efetivar a rescisão por interesse público, a Administração poderá fixar o valor da indenização cabível, verificado através de operações contábeis. O contratado não poderá opor-se à medida, mas, não concordando com o valor da indenização, deverá recorrer às vias judiciais adequadas, pleiteando unicamente a justa reparação dos danos sofridos com a antecipação da extinção do contrato.52

Assim, nesses casos, a Administração Pública se vê obrigada a restituir eventuais prejuízos sofridos pela contratada, além de devolver a garantia e o custo da desmobilização. Trata-se de justa compensação, prevista pelo legislador, para a quebra da confiança depositada pela empresa contratada pela Administração Pública. A jurisprudência dos tribunais superiores vem, inclusive, garantindo o direito aos lucros cessantes à empresa prejudicada.53

Ademais, convém lembrar, como bem coloca Joel de Menezes Niebuhr, "que não é qualquer alusão a interesse público que justifica a rescisão do contrato"54, mas sim, conforme expressamente constante na lei de regência, "razões de interesse público de alta relevância e conhecimento."55

Resta analisar as hipóteses de rescisão administrativa por conta do inadimplemento do contratado, previstas nos incisos I a XI e XVIII do artigo 78 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Essas se subvidem nas hipóteses de inadimplemento com culpa, previstas nos incisos I a VIII e XVIII do dispositivo supramencionado, e sem culpa, constantes nos incisos IX a XI desse mesmo preceito legal. Maria Sylvia Zanella Di Pietro diferencia ambos os institutos, in verbis:

52

MEIRELLES, 2011, p. 255.

53

ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. RESCISÃO UNILATERAL. INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES. CABIMENTO. 1. O entendimento proferido pelo Tribunal de origem encontra-se em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que a rescisão do contrato administrativo por ato unilateral da Administração Pública, sob justificativa de interesse público, impõe ao contratante a obrigação de indenizar o contratado pelos prejuízos daí decorrentes, como tais considerados, não apenas os danos emergentes, mas também os lucros cessantes. 2. Recurso especial não provido. (STJ - Recurso Especial n. 1232571. Relator: Min. Campbell Marques. Data da decisão: 31/03/2011)

54

NIEBUHR, 2011, p. 944.

55

(32)

inadimplemento com culpa (incisos I a VIII e XVIII do art. 78), abrangendo hipóteses como não cumprimento ou cumprimento irregular das cláusulas contratuais, lentidão, atraso injustificado, paralisação, subcontratação total ou parcial, cessão, transferência (salvo se admitidas no edital e no contrato), desatendimento de determinações regulares de autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a execução do contrato, cometimento reiterado de faltas, descumprimento do artigo 7o, XXXIII, da Constituição Federal, sobre o trabalho de menor;

inadimplemento sem culpa, que abrange situações que caracterizem desaparecimento do sujeito, sua insolvência ou comprometimento da execução do contrato (incisos IX a XI do art. 78): falência, concordata, instauração de insolvência civil, dissolução da sociedade, falecimento do contratado, alteração social ou modificação da finalidade ou da estrutura da empresa [...]56

Essa diferenciação é importante, haja vista que nas situações em que o inadimplemento for culposo, o contratado, além de ver o contrato ser rescindido, arca, ainda, com os prejuízos da Administração, com as sanções administrativas, observa a assunção do objeto contratado pela Administração e perde a garantia.

Por fim, cabe assinalar que, para efeitos deste trabalho, a espécie de rescisão unilateral que sofre limitações pela invocação do princípio da proteção à confiança é realizada por conveniência da Administração, relação que será oportunamente tratada.

A partir de agora, depois dessa breve explanação sobre os contratos administrativos, dirige-se atenção ao princípio da proteção à confiança.

56

(33)

3. O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA

3.1 Definição de Princípio

Para se entender o princípio da proteção à confiança, cuja atuação limitadora à mutabilidade dos contratos administrativos decorrente de atos unilateralmente perpetrados pela Administração Pública é o tema central do presente trabalho, é essencial, em primeiro lugar, referir ao sentido com que o termo princípio, polissêmico por natureza, será aqui abordado.

Há muito já se reconhece a importância dos princípios no ordenamento jurídico pátrio. Assim, embora os doutrinadores positivistas tenham por muito tempo relegado importância aos princípios e, por conseguinte, ao papel que exercem no sistema jurídico, hodiernamente, conforme ensina Juarez Freitas, "em vez da primazia das regras legais, cada vez mais no topo do sistema jurídico figuram os princípios e os direitos fundamentais"57.

Justamente por isso, mais e mais decisões judiciais vêm sendo prolatadas com fundamentação unicamente alicerçada em princípios. Algumas dessas decisões inclusive relativizam normas expressamente previstas no ordenamento.

Nesse contexto, esse fenômeno de valorização dos princípios se justifica pela análise do ordenamento jurídico como um sistema. Analisada a questão sob este vértice, conclui-se que o ordenamento jurídico, para sustentar esse status de sistema normativo, deve necessariamente possuir organização, harmonia interna e preceitos que funcionem como sinalização dos caminhos a serem tomados pela hermenêutica das normas nele inclusas. Com efeito, no ordenamento jurídico pátrio, são os princípios os responsáveis pelo cumprimento desse papel.

Sobre a organização do sistema jurídico pátrio, vale evocar as ideias de Geraldo Ataliba:

O sistema jurídico - ao contrário de ser caótico e desordenado - tem profunda harmonia interna. Esta se estabelece mediante uma

57

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