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Incidência do princípio no âmbito dos contratos administrativos

4. O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA COMO LIMITAÇÃO À

4.2 Deveres de conduta da Administração quanto aos contratos administrativos Necessidade

4.2.1 Incidência do princípio no âmbito dos contratos administrativos

Advoga-se no presente capítulo a tese de que a proteção à confiança do particular também deve ser objeto de proteção no âmbito dos contratos administrativos firmados com particulares. Não poderia ser diferente, de vez que, conforme já tratado no capítulo anterior, trata-se o preceito em estudo de princípio decorrente dos sobreprincípios da segurança jurídica e do próprio Estado de Direito, tendo, portanto, aplicação universal no direito pátrio.

Além do mais, é nesse ramo do direito administrativo que, mais do que em qualquer outro, a proteção à confiança depositada pelos particulares é essencial para o alcance dos seus fins públicos, ao objetivo que constitucionalmente se prestam os contratos administrativos. Isso porque, conforme já suficientemente restou demonstrado no primeiro capítulo deste trabalho, as crescentes demandas impostas pela Constituição do Estado Social brasileiro à Administração Pública tornam imprescindível a participação da iniciativa privada na sua satisfação. Aliás, como também já dantes esclarecido, foi justamente dessa necessidade colaborativa da iniciativa privada nas atividades de competência pública que adveio o instituto do contrato administrativo, o qual contribuiu para o alcance dos novos ares de consensualidade que caracterizam a atividade da Administração Pública moderna, historicamente pautada pela atuação baseada em atos unilaterais.

Sendo assim, embora o objetivo da contratação de particular por parte da Administração Pública seja, em primazia, a satisfação de um interesse público, seria um disparate pensar-se que os interesses daquele que acorre a um certame licitatório - nas hipóteses em que a aludida contratação se dê a partir da regra geral prevista na Constituição Federal e na lei 8.666/93, ou seja, mediante prévio procedimento licitatório -, ou mesmo nas hipóteses de contratação direta, não devam ser levados em conta e protegidos pelo direito. A razão é que, ao analisar-se a questão sob a ótica da empresa que, após os procedimentos administrativos de

praxe - licitação ou sua dispensa/inexigibilidade -, é contratada pela Administração, é evidente que o fator preponderante para o interesse deste em firmar negócios com o poder público diz respeito à confiança de que, com a execução do que se trata, lhe sobrevirão ganhos materiais.

Assim, nos casos específicos em que a firma do contrato dependa de prévia licitação, as expectativas da empresa contratada iniciam-se muito antes da assinatura, surgindo já na oportunidade do lançamento do edital de licitação. Com efeito, como sabido e ressabido, o contrato administrativo decorrente de licitação deve ser avençado nos termos previstos no edital.

Com efeito, como é de amplo conhecimento, uma das características dos contratos administrativos é a de serem ordinariamente precedidos de licitação. A licitação, como já explicado, trata-se, grosso modo, de procedimento pelo qual a Administração oferta à iniciativa privada a execução de determinado serviço, com parâmetros previamente definidos e com a promessa da assinatura do contrato com a empresa que apresentar a melhor proposta.

Colhe-se acerca da matéria, excerto de artigo de Cristiana Fortini:

[O] licitante adere ao chamamento público, certo de que não se trata de uma armadilha, mas crédulo de que a disputa poderá render-lhe, se vitorioso, a celebração do contrato. A presunção de veracidade e legalidade dos atos administrativos leva a tal raciocínio140.

Assim, as empresas que acorrerem a determinado certame certamente o farão pela confiança depositada na Administração, de que a promessa de contratação apresentada no edital será ulteriormente formalizada nos termos prometidos. Ou seja, pode-se dizer que a maciça presença de empresas interessadas na disputa pela titularidade de um contrato administrativo é proporcional à credibilidade de que é detentora a Administração Pública. E mais, essa credibilidade é inversamente proporcional ao desrespeito com que a Administração trata a confiança das licitantes.

Por conseguinte, conclui-se que a proteção das expectativas da contratada deve iniciar-se ainda na fase pré-contratual, durante o procedimento licitatório, estendendo-se até a fase de execução do contato, após a sua assinatura, sob pena

140

de violação do princípio da proteção à confiança do particular. É, de fato, o que sustenta Cristiana Fortini:

Realizar licitações para, ao final, argumentar que ultrapassado o citado limite pelo que inviável a contratação não é algo que se possa tolerar porque ofende a relação de confiança entre as partes. [...] Em verdade, tal como se opera quando se "convidam" pessoas físicas a participar de concurso público, assumindo o dever de nomear os aprovados dentro do número de vagas, salvo situação que justifique conduta outra, a segurança jurídica, e os princípios da boa-fé e da confiança legítima, também devam influenciar o instituto da licitação. Quer no concurso público, quer quando se promove uma licitação, sinaliza-se para os interessados que os procedimentos voltam-se a selecionar quem manterá relação jurídica com o ente da administração pública, ainda que evidentemente as relações num caso e outro sejam de índoles distintas.141

Sobre o assunto, é importante, também, apresentar as considerações tecidas por Irene Nohara:

A incoerência na postura estatal é vista pela doutrina como um indício de desvio de finalidade. A Administração publica o edital, demonstrando que tem necessidade pelo preenchimento de vagas, e depois não se interessa pelas nomeações ou realiza licitação e, sem justificativa adequada, não contrata: paira no ar uma sensação de que o Estado está sendo leviano, diante da incongruência de suas condutas, ou pior ainda: uma desconfiança (o oposto de confiança) de que o resultado dos certames não agradou ao agente público, em evidente desprestígio à impessoalidade e à moralidade administrativas.142

Em outra passagem do mesmo artigo, a referida autora complementa o seu pensamento:

Essa orientação rumo à autovinculação administrativa aproxima a expectativa de direito ao direito subjetivo, a partir do fortalecimento da noção de legítima expectativa (amparada na proteção à confiança), restringindo o campo da discricionariedade administrativa. É muito provável que a sua disseminação provoque alteração também no posicionamento de que o adjucatário, isto é, o vencedor da licitação, tenha mera expectativa de direito à contratação. A tendência será reconhecer juridicidade ao seu interesse, restringindo ainda mais a possibilidade de revogação ou invalidação do certame.143

Nessa perspectiva, cumpre salientar que o fato de a Administração figurar em posição privilegiada no contrato administrativo, com a prerrogativa da invocação 141 FORTINI, 2012, ps. 101-102. 142 NOHARA, 2012, p. 86 143 NOHARA, 2012, p. 85.

das chamadas cláusulas exorbitantes, não significa que os interesses dos particulares não devem ser respeitados. Sobre a necessidade de proteger os interesses de ambas as partes contratantes, em um contrato administrativo, é importante apresente o seguinte excerto do magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello:

[E]stá incorporada ao patrimônio jurídico e moral dos povos cultos a compreensão de que os contratos não devem ser fonte de prejuízos ruinosos para uma das partes, acarretados pela mudança das circunstâncias vigorantes ao tempo em que foram travados.144

É o que também assenta Juarez Freitas, com a costumeira sapiência:

Adicione-se que, a despeito das latentes "prerrogativas da Administração na consecução dos ajustes, o regime publicista, ao menos em abstrato e em tese, e - ou deveria ser - o mais benfazejo e garantidor dos direitos fundamentais dos contratados, sobretudo quando se percebe que, em especial no Direito Público, ressalvadas patologias e situações anômalas reprováveis, impõe-se o cabal respeito ao pacta sunt servanda e à lei urdida pelas partes na avença. É que se presume que a autoridade administrativa, ao celebrar qualquer pacto, cônscia esteja da obrigação de coerência com as diretrizes ligadas à probidade, deonticamente inafastáveis. Logo, não deveria, em hipótese alguma, desvirtuá-las por interesses subalternos ou pela ancoragem em visão monológica das "cláusulas exorbitantes". Se o fizer (como sucede, com frequência, na vida real), revela-se enredada em distorcida teia. Ora, bem, imprescindível notar que o interesse público e o interesse do contratado (e, quando for o caso, o interesse dos usuários) não são necessariamente formuláveis em oposição: figuram apenas no campo das contradições dialeticamente harmonizáveis. Em semelhante enfoque, a assertiva de que, ao contratar, somente o interesse público deveria ser alcançado, em detrimento ou deposição do interesse particular legítimo, soa, sob determinado aspecto, tão falsa e disparatada como aquela tese que sustenta a primazia incontrastável do interesse do contratado.145

Marçal Justen Filho propugna visão similar, quando alega o seguinte, sobre a matéria:

A superioridade do interesse público sobre o privado não autoriza o espezinhamento do particular. O interesse particular, ainda que deva ceder passo ao coletivo, não pode ser ignorado. Reside neste ponto uma diferença fundamental entre os Estados Democráticos e Totalitários, afirmada no curso deste século.146

144 BANDEIRA DE MELLO, 2010b, p. 201. 145 FREITAS, 2009, p. 266-267. 146 JUSTEN FILHO, 2008, p. 609.

Todavia, nem sempre a Administração cumpre com o dever de respeitar os interesses do contratado, no sentido disposto pelos mestres supracitados. De fato, a primeira não raro extrapola os limites do razoável, valendo-se da exorbitância de que é investida para fins diversos do da proteção do interesse público. Esta é, com efeito, a opinião de Joel de Menezes Niebuhr:

[C]om larga frequência, a Administração Pública, vem cometendo abusos de toda a sorte, agindo verdadeiramente de modo arbitrário em relação aos contratados, cujas posições assemelham-se, muitas vezes, a de um refém. A Administração Pública, por abuso, oprime os contratados, retém pagamentos, promove alterações unilaterais despropositadas, formula exigências impertinentes e leoninas, tudo em nome e sob o manto da proteção ao interesse público.147

Irene Nohara também comenta as consequências da arbitrariedade com que o administrador público muitas vezes conduz o contrato administrativo:

Trata-se [...] de situação muito distinta daquela em que o agente público enuncia a necessidade de determinada medida; e, posteriormente, amparado num argumento mal compreendido de discricionariedade, intenta arbitrariamente (isto é, sem justificativa plausível amparada no interesse público) não mais levá-la a cabo, não se importando nem um pouco com os efeitos da decisão em relação a administrados de boa-fé que realizaram investimentos pessoais e até mesmo financeiros na crença da coerência de comportamento da Administração Pública.148

Essa situação é analisada desde as suas origens por José Guilherme Giacomuzzi, que traça igualmente um paralelo com as experiências vivenciadas pelo direito francês, inspirador do direito administrativo brasileiro:

Se é provável, se não certo, que os franceses puderam, ao longo dos séculos, ver no Estado, La France, ou na Nation um ente confiável e representante do interesse público superior, o mesmo não se pode afirmar com tanta certeza no Brasil, onde o Estado, indiscutivelmente propulsor de muitos dos mais relevantes avanços em toda a nossa história, foi também, paradoxal e infelizmente, o núcleo de desmandos e de uma ineficiência notórios, que contribuem para formar em nossa mentalidade a ideia, em boa dose justificada, de que o "Estado" tem grande parcela da responsabilidade na nossa vergonhosa desigualdade social.149

Sublinhe-se que essa prática deve ser a todo custo combatida pelo direito brasileiro eis que, ao final, representa prejuízo a todos os envolvidos na relação 147 NIEBUHR, 2011, p. 660. 148 NOHARA, 2012, ps. 85-86. 149 GIACOMUZZI, 2011, p. 367.

contratual. Isso porque, além do óbvio prejuízo ao particular contratado, quebrando- se a confiança legitimamente depositada por este no poder público, a Administração também sai perdendo, mesmo que a médio prazo, tendo em vista que tais práticas provocam a perda da sua credibilidade, e, por conseguinte, a mitigação do seu poder de atração de licitantes, de formalização de contratos, e, por consequência, de satisfação do interesse público. Considerando tudo isso, Joel Niebuhr completa a sua ideia, antes referida:

Em vista dessa situação, a Administração Pública sofre em razão de estridente falta de credibilidade, tudo em decorrência de práxis irresponsável, arbitrária, ao sabor de ingerências políticas estranhas ao interesse público. E isso prejudica a própria Administração Pública, porque, diante de falta de confiança, ela acaba recebendo propostas desvantajosas.150

Desse modo, ao analisar-se com mais vagar o panorama da contratação de empresas particulares pela Administração, depara-se com a seguinte situação: a Administração Pública indubitavelmente necessita do apoio da iniciativa privada para satisfazer às demandas da população, aludidas na Constituição da República. Os particulares, por sua vez, interessam-se em travar relações contratuais com o poder público se, por óbvio, a oportunidade de negócio lhes for atraente e viável economicamente. Prosseguindo-se nessa linha de raciocínio, pode-se concluir ser o interesse do particular em contratar com a Administração proporcional às suas expectativas de resultado econômico ante a execução do serviço proposto. É o que defende Carlos Eduardo de Moura, ao salientar que nada exime

a Administração de cumprir as suas obrigações. Essas se resumem, basicamente, no pagamento do preço, incluído nele o lucro do empresário. Essa contrapartida do Poder Público não pode ser alvo de preconceitos. O lucro é o fator que move o mercado empresarial. Seria no mínimo inocência pleitear o melhor contrato para a Administração sem defender um lucro justo. Não respeitar os direitos do particular é condenar os próprios interesse coletivos, na medida em que, simplesmente não acorreriam interessados em contratar com o ente público.151

Assim, completa-se o raciocínio silogístico, chegando-se a conclusão de que, nas hipóteses em que a mutabilidade do contrato administrativo que decorre da sua exorbitância - característica essa que, sublinhe-se, lhe é peculiar - ocorrer de forma desenfreada, ou seja, modificar ou rescindir unilateralmente sem a correta

150 NIEBUHR, 2011, p. 660. 151

motivação, ocorre a quebra da legítima expectativa de lucro depositada pelo particular na avença travado com o poder público, ferindo-se, por conseguinte, o princípio da proteção à confiança.

Desta feita, ao contrário do que muitas vezes se difunde, a proteção do interesse público, na grande maioria das vezes, a menos no concernente aos contratos administrativos, caminha ao lado da proteção ao interesse privado. Se o particular não tivesse nenhum direito contraposto à supremacia da Administração, e sofresse, assim, privações de toda ordem, "jamais o Poder Público encontraria quem com ele travasse avenças"152. Logo, ante a dependência do poder público à participação da iniciativa privada para a satisfação dos interesses da população, constata-se que a proteção à confiança do particular é essencial à proteção do interesse público.

Tudo isso permite deixar consignado ser a confiança um fator primordial ao bom andamento dos contratos administrativos e, por conseguinte, da execução dos serviços públicos. Assim, as hipóteses de rescisão e modificação unilateral que, frise-se mais uma vez, constituem prerrogativas legalmente atribuídas à Administração (desde que aventadas em prol do interesse público), devem ser utilizadas de forma pontual e específica, jamais sendo a regra, e sim, a exceção. Assim se exprime sobre a questão Bruno Miragem:

Na mesma linha de entendimento conclui-se quanto aos contratos já celebrados, em relação aos quais a Administração procede sua alteração ou rescisão. Ainda que nestas hipóteses sejam reconhecidas prerrogativas, inclusive de alteração unilateral, cabe ao agente público competente, segundo os parâmetros legais, decidir sobre a conveniência ou necessidade de contratação, da formalização da atividade da Administração, assim como ao modo de escolha do co-contratante, em acordo com os parâmetros legais. Este regime de prerrogativas da Administração, contudo, não desnatura a natureza negocial da relação estabelecida com o particular, sobretudo se for considerado que na hipótese da contratação administrativa há possibilidade de determinar e especializar, segundo a discricionariedade do agente público e conforme a lei, seu objeto contratual, no legítimo exercício de uma denominada autonomia pública contratual.153

Joel de Menezes Niebuhr também discorre com precisão sobre a necessidade da proteção à confiança dos particulares, aduzindo, ainda, que a

152

BANDEIRA DE MELLO, 2010a, 622.

153

celebração de contratos vantajosos por parte da Administração depende essencialmente da sua credibilidade junto à iniciativa privada:

É essencial para toda a atividade administrativa, em especial no tocante à licitação pública e ao contrato administrativo, que o Poder Público recupere sua credibilidade. Sem a confiança de terceiros, será muito difícil que a Administração passe a celebrar contratos efetivamente vantajosos ou, quiçá, com preços compatíveis com os do mercado.

Ora, aqueles que contratem com a Administração precisam encontrar nela razões de credibilidade e concretas expectativas de que o avençado será cumprido. Para tanto, é fundamental que haja instrumentos jurídicos que confiram segurança aos contratados, prestantes a garantir o seu direito, especialmente ao adimplemento por parte da Administração.154

Ainda sobre o assunto, mais uma vez se recorre aqui à da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello, no que esta se refere ao particular contratado pela Administração, quando aduz caber-lhe "integral proteção quanto às aspirações econômicas que ditaram seu ingresso no vínculo e se substanciaram, de direito, por ocasião da avença, consoante os termos ali estipulados."155

Salienta-se que essa necessidade de proteger à confiança dos administrados nos contratos administrativos também decorre dos princípios constitucionais norteadores da atividade da Administração Pública, notadamente os da boa-fé objetiva e moralidade. A importância desses institutos, na matéria em estudo, foi notada por Celso Antônio Bandeira de Mello, ao dizer que "o princípio da boa-fé possui particular importância na órbita do direito administrativo e se impõe notadamente às entidades governamentais, que devem ser respeitosas guardiãs desta pauta de conduta."156

Conforme já visto no capítulo anterior, esses preceitos guardam estreito vínculo com o princípio da proteção à confiança, ante a imposição de certos padrões de comportamento ao administrador público. Como não poderia deixar de ser, essa situação se repete nos contratos administrativos. Excerto do magistério de Judith Martins Costa contempla o assunto em tela:

[...] nas relações obrigacionais de direito público e de direito privado o princípio da confiança nos mandamentos de agir segundo a boa-fé

154

NIEBUHR, 2011, p. 661.

155 BANDEIRA DE MELLO, 2010a, p. 623 156

e a lealdade - estes, há muito objeto das reflexões no Direito Privado, e segundo a moralidade pública.157

Essa posição é igualmente defendida por Paulo Guimarães Pereira e Diógenes Faria Carvalho:

É forçoso reconhecer também que os contratos administrativos, como verdadeiros processos formuladores de direitos e obrigações, devem se pautar sempre sob os comandos e deveres impostos pelo princípio da boa-fé objetiva, entendido este como um dever de conduta, capaz de ser objetivamente analisado e considerado, pautado pela confiança, cooperação, transparência e lealdade.158 Em suma, considerando todo o exposto, pode-se resumir a pretensão deste trabalho na seguinte assertiva: os contratos administrativos necessitam ser mais equânimes. E o caminho para o alcance de tal objetivo, essencial para que se atinja maior satisfação na defesa do interesse público, passa essencialmente pela proteção dos interesses dos particulares de boa-fé.

Para fortalecer a defesa dessa visão, cabe mais uma vez recorrer a escorço de Joel de Menezes Niebuhr:

[P]ara evitar a corrupção e a ineficiência administrativa, é de fundamental importância que os pressupostos sobre os quais se desenha o temário dos contratos administrativos passem por uma profunda revisão. Conquanto seja necessário municiar a Administração Pública de prerrogativas especiais protetoras do interesse público, urge equilibrar um pouco mais os contratos administrativos. A balança dos contratos administrativos pendeu excessivamente em favor da Administração Pública e isso tem sido prejudicial, sobretudo, a ela.159

Nessa mesma esteira vão os apontamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca da matéria:

Deveras, o mundo civilizado acolhe a ideia de que o contrato comutativo pressupõe certa relação de igualdade, incompatível, portanto, com ulterior desnivelamento extremo, ruinoso para uma das partes, provocado por circunstâncias supervenientes - que, se porventura fossem antevistas, a relação não teria se formado. Com efeito, é bem de ver que, por certo, ninguém, salvo um demente, poderia desejar ou assumir um negócio que lhe causaria prejuízos desastrosos. Antes, é de entender-se que as partes se ligaram na pressuposição de um vínculo de conveniência recíproca.160

157 MARTINS-COSTA, 2002, p. 233. 158 PEREIRA;CARVALHO, 2003, p. 9. 159 NIEBUHR, 2011, p. 661. 160 BANDEIRA DE MELLO, 2010b, p. 200.

É justamente rumo nessa tendência que evolui a doutrina administrativista moderna, para uma mitigação da exorbitância que classicamente circunda a atividade administrativa, fazendo com que as relações jurídicas de que toma parte a Administração se tornem cada vez mais consensuais, mais equilibradas. São fenômenos que autorizam Juarez Freitas a afirmar que as relações da Administração aproximam-se cada vez mais daquelas travadas entre os particulares:

tende a haver o aumento da incidência (ao menos no plano das regras) do Direito Administrativo Privado nas relações de administração, sem embargo de não descontinuar a preponderância principiológica publicista, ultrapassadas, em grande maioria, as