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A norma penal carece de fundamentação constitucional, devendo-se extrair do texto

constitucional e de seus princípios fundamentais a necessidade de tipificação de referida

conduta e o adequado tratamento a ser dispensado aos autores das figuras delitógenas.

É nesse contexto que se insere a assertiva de que existe uma verdadeira força normativa

da Constituição Federal em matéria penal, havendo a necessidade de que “o conteúdo das

normas penais direcionarem-se no sentido da proteção dos bens e valores constitucionalmente

estabelecidos, sendo inegável que representam eles o que de mais relevante há para a sociedade

brasileira”.356

Portanto, apenas se apresenta como legítimo o direito penal que venha a proteger e

tutelar bens jurídicos considerados caros ao Estado Democrático de Direito, somente devendo

o Estado lançar “seus tentáculos para atingir a criminalidade de efetiva lesividade social”,357

estando inserido nessa definição o crime de corrupção eleitoral, consoante será mais bem

detalhado adiante.

Dentre desse espectro de relevância, passa a Constituição Federal a atuar “tanto como

limite (em sentido estrito) quanto fundamento normativo da penalização”.358

Deve-se observar as vinculações principiológicas e normativas estabelecidas pela

Constituição Federal como conformadoras da legitimação para penalizar ou despenalizar

determinada conduta, sempre considerando a relevância do bem jurídico a ser protegido e

355

“As disposições constitucionais referentes ao sufrágio universal, igual e secreto têm por objetivo assegurar a

independência do eleitor em relação a seus outros papéis sociais e, dessa maneira, imunizar o procedimento

eleitoral contra diferenças de status e opinião”. NEVES, Marcelo. Ob. cit., p. 72-73.

356

SBARDELOTTO, Fábio Roque. Direito penal no estado democrático de direito: perspectivas

(re)legitimadoras. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 81.

357

SBARDELOTTO, Fábio Roque. Ob. cit., p. 87.

358

FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 38.

tutelado, desempenhando a Carta Política uma função orientadora “no processo de escolha das

objetividades jurídicas tuteladas pelo legislador penal”.359

Essas normas estampadas no texto constitucional passam duas mensagens claras: a

primeira, de que a Constituição Federal está atuando como fundamento normativo do Direito

Penal, e a segunda, de que, além de legitimar a atuação do legislador penal, referida postura

indica, em determinados casos, que a Constituição Federal passou a exigir a intervenção do

legislador ordinário, devendo ser editadas normas regulamentadoras, observando-se os limites

e escopo imposto no texto constitucional, podendo ser definidos referidos preceitos como

mandados de punibilidade ou de criminalização.

Ocorrendo essa hipótese, de mandados constitucionais de tutela penal, em razão da

relevância do bem jurídico a ser protegido, passa a atuar a Constituição Federal como

“fundamento normativo do Direito Penal, transmitindo um sinal verde ao legislador, o qual,

diante da normatividade da disposição constitucional que o veicula, não poderá recusar-lhe

passagem”.360

Passa a existir uma obrigatoriedade para o legislador penal ordinário, devendo erigir

determinadas condutas à condição de ilícito penal, fixando a reprimenda ou estabelecendo

punição na medida constitucionalmente imposta.

Nesse caso não existe ampla liberdade para o legislador penal ordinário,361 havendo uma

limitação à soberania do Parlamento para decidir como entenda adequado (como na maioria

dos demais projetos de lei submetidos ao Poder Legislativo).

De fato, em se tratando de regras estabelecidas na Constituição Federal, como mandados

de punibilidade ou criminalização, existe uma vinculação do legislador ordinário, devendo

adstringir-se aos critérios impostos no texto constitucional. Entrementes, mesmo havendo

359

FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: a constituição penal.2. ed. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2012, p. 68.

360

FELDENS, Luciano. Ob. cit., p. 73.

361

“Inequivocamente, dos mandados constitucionais de penalização resultam limitações à liberdade de

configuração do legislador. Todavia, em que pese limitada essa liberdade do legislador penal, sua atuação persiste

sendo irrenunciável. Isso resta inequívoco a partir da óbvia constatação, decorrente da assunção constitucional do

princípio da legalidade como fonte exclusiva do Direito Penal incriminador, de que as normas constitucionais que

impõem a criminalização de determinadas condutas não são dotadas de uma espécie de ‘eficácia criminalizadora

per se’”. FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas

penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 38.

referida demarcação da fronteira de atuação parlamentar, importante consignar que esta tarefa

é exclusiva do legislador penal.

Eis conclusão relevante: os mandados de criminalização a um só tempo impõe a atuação

do legislador penal (que está obrigado a legislar sobre determinada matéria) e estabelece limites

para referida atuação (vedando ao legislador ordinário em matéria penal que venha a deixar a

descoberto bem jurídico cuja proteção decorre de uma exigência constitucional).

Registre-se que, além das fronteiras impostas pelos princípios constitucionais inerentes

ao devido processo legislativo, quando se tratar de uma norma que materializa um mandado de

criminalização, deve o projeto de lei ser debatido, e uma vez aprovado, editada a lei,

contemplando as exigências dentro dos contornos fixados pela própria Carta Política.

Pode-se afirmar que é exatamente na definição dos mandados de penalização que resulta

mais evidente a força normativa da Constituição Federal em matéria penal.

Ademais, merece destaque o fato de que a previsão na Constituição Federal de princípios

penais e processuais penais, reforça a ideia de uma conformação de validade da norma penal

com o ambiente e o texto constitucional.

Nesse sentido, afirma a doutrina:

Contendo, a Constituição, princípios fundamentais também de Direito e Processo

Penal, a sua articulação, no que concerne a tais princípios e a outros mais genéricos,

reflete-se, necessariamente, sobre a lei penal: enquanto esta, por sua natureza, limita

a esfera de liberdade do cidadão, aquela representa seu parâmetro de validade.

362

Portanto, deve-se buscar a legitimação e validade substancial de uma norma penal nos

valores e princípios constitucionais, servindo referida conclusão tanto para a imposição de

limites ao poder de legiferar em matéria penal, como para fixar obrigações no exercício do

poder de editar normas protetivas de determinados bens jurídicos por parte do Parlamento.

O direito penal deve se voltar para a difícil missão de traduzir as aspirações da

sociedade, estando as mesmas elencadas no texto constitucional, não sendo possível afastar-se

362

CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabis, 1992, p. 37.

de referidos parâmetros,363 notadamente para criminalizar condutas cuja imposição decorre da

Constituição Federal.

Feita essa digressão conceitual, apresenta-se como possível definir os mandados de

criminalização como sendo uma obrigação de caráter positivo dirigida ao legislador para que

venha a debater e aprovar normas incriminadoras ou punitivas, protegendo bens jurídicos

expressos no texto constitucional em razão da sua relevância ou dignidade.

Conforme afirmado anteriormente, os mandados de criminalização reduzem a margem

de discussão do Parlamento, e a imposição constitucional já traça e delimita alguns contornos

que obrigatoriamente devem ser seguidos, sob pena de malferimento ao texto constitucional,

podendo ser editadas normas inconstitucionais, colidentes, portanto, com determinação

expressa da Constituição Federal.

A previsão dos mandados de criminalização figurando como normas “paramétricas na

aferição da inconstitucionalidade da lei editada em desconformidade ao seu conteúdo”, produz

um grande efeito, consistindo em “transferir ao Poder Judiciário – ou ao Tribunal Constitucional

– a possibilidade de sindicar, em casos extremos, o juízo de des(necessidade) de tutela penal”.364

A possibilidade de atuação do Judiciário, por seus juízos inferiores ou até mesmo por

intermédio da Suprema Corte, julgando, sindicando ou avaliando a necessidade/desnecessidade

de determinada norma penal, deve ser adotada cum grano salis, evitando-se a usurpação pelo

poder judiciário de atribuições específicas do parlamento; eis que a edição e discussão de

normas integram a esfera de atuação do Congresso Nacional, único legitimado

constitucionalmente para legislar em matéria penal (art. 22, I, Constituição Federal).

Esses mandados de criminalização ou punibilidade podem ser expressos ou explícitos,

ou, ainda, podem decorrer de uma análise sistemática e principiológica do texto constitucional,

apresentando-se como implícitos.

363

“Ocorrendo uma indispensável vinculação entre a necessária reprimenda quando os valores constitucionais

forem afrontados ou impedidos de implementação por condutas humanas. Nesta medida, apresentam-se

perspectivas criminalizadoras, despenalizadoras e descriminalizadoras”. SBARDELOTTO, Fábio Roque. Ob. cit.,

p. 200.

364

FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: a constituição penal.2. ed. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2012, p. 73.

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