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III. DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO, BEM JURÍDICO TUTELADO E DA CORRUPÇÃO

3.4. Da corrupção eleitoral

3.4.2. Corrupção eleitoral e corrupção comum. Semelhanças e diferenças

O legislador brasileiro adotou a separação da tipificação das condutas definidas como

corrupção ativa e corrupção passiva (arts. 333 e 317, Código Penal), afastando a bilateralidade

do delito, ou seja, não se apresenta como imprescindível a punição do corruptor para que exista

a punição do corrupto e vice-versa.

Diferentemente do contido no Código Penal, a previsão da corrupção eleitoral

estampada no art. 299 do Código Eleitoral tipifica em um único dispositivo as duas condutas

(corrupção eleitoral ativa, praticada pelo candidato ou por interposta pessoa com a sua

conivência ou anuência e a corrupção eleitoral passiva, praticada pelo eleitor que vende o voto).

Entrementes, também se apresenta como perfeitamente possível a configuração da

corrupção eleitoral ativa, sem que tenha ocorrido a corrupção eleitoral passiva, ressalvando o

legislador que está materializado o crime de corrupção eleitoral “ainda que a oferta não seja

aceita”.

Uma questão, entretanto, merece especial atenção e consiste no cerne do presente

trabalho: as penas fixadas paras as condutas definidas como corrupção (ativa ou passiva)

figurando como vítima a administração pública (em suas três esferas de governo – federal,

estadual ou municipal), englobando a proteção tanto da administração direta como indireta, está

fixada, desde o advento da Lei nº. 10.763, de 12 de novembro de 2003, em um patamar de 02

(dois) a 12 (doze) anos de reclusão e multa, enquanto a corrupção eleitoral (tanto a ativa como

a passiva), de acordo com o art. 299 do Código Eleitoral, possui uma pena de até 04 anos de

reclusão e multa.

Ao fixar a pena para o crime de corrupção eleitoral, resta evidenciado que “o limite de

pena parece desproporcional, por não oferecer adequada proteção a bem jurídico tão precioso

como a regularidade da colheita da vontade popular nos pleitos”.337

Registre-se, de logo, a estranheza no tratamento leniente dado pelo legislador para a

corrupção eleitoral, deixando-se de proteger bem jurídico relevante.

Ao afirmar que o legislador utilizou-se do Código Penal como paradigma para tipificar

o tipo penal contido no art. 299 do Código Eleitoral, leciona a doutrina:

O legislador do Código Eleitoral certamente inspirou-se nesses preceitos do Código

Penal ao erigir o tipo inscrito no vertente art. 299, comumente designado corrupção

eleitoral. Mutatis mutandis, no lugar do funcionário público, entrou o eleitor, em torno

do qual gira o marco legal protetivo.

Note-se, porém, que a descrição contida no art. 299 reúne as duas modalidades de

corrupção: a ativa e a passiva.

O objeto jurídico é a liberdade do eleitor de escolher livremente, de acordo com sua

consciência e seus próprios critérios e interesses, o destinatário de seu voto. Tanto a

dação, a oferta ou a promessa, quanto a solicitação e o recebimento de vantagem

podem criar vínculo psicológico no eleitor, gerando obrigação moral que o force a

apoiar determinada candidatura em razão da vantagem auferida ou apenas acenada.

338

Tem-se como condutas idênticas (ontologicamente falando) a corrupção comum e a

eleitoral, ou seja, tanto a corrupção comum (ativa e passiva) como a corrupção eleitoral (ativa

e passiva) implicam em ofensa às regras de moralidade, à ética e à regularidade na atuação ou

de um agente público ou do processo eleitoral.

Entrementes, optou o legislador em punir muito menos severamente a corrupção

eleitoral, sendo que referida conduta afeta a própria regularidade do processo eleitoral e a

democracia, não se concebendo o porquê do tratamento diferenciado.

Portanto, acredita-se ser fundamental investigar quais os motivos que levaram à

individualização legislativa da pena339 para o crime de corrupção eleitoral de forma tão

diferente da corrupção comum prevista no Código Penal e positivada nos arts. 317 e 333 do

Código Penal.

Apenas para exemplificar: se o cidadão é flagrado oferecendo ou entregando uma cédula

de R$ 100,00 (cem reais) a um guarda de trânsito para não ser autuado, ambos responderão por

corrupção, o particular por corrupção ativa (art. 333, parágrafo único, Código Penal) e o agente

de trânsito por corrupção passiva (art. 317, §1º, Código Penal), não admitindo a doutrina e a

338

GOMES, José Jairo. Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, p. 53.

339

“O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do

Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o

executivo”. NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 31.

jurisprudência pátria340 a incidência do princípio da insignificância ou crime de bagatela,

considerando que em referidos delitos o agente visa subverter a moralidade administrativa, fato

que não pode ser considerando insignificante,341 notadamente diante do bem jurídico tutelado,

sendo vedada, ainda, a suspensão condicional do processo prevista no art. 89 da Lei nº.

9.099/95, estando adstritos a uma pena que vai de 02 (dois) a 12 (doze) anos de reclusão e

multa.

Por outro vértice, se ao invés de uma corrupção contra a administração pública, tem-se

a prática de corrupção eleitoral por um candidato a cargo eletivo (de vereador a Presidente da

República) ou seu “cabo eleitoral”, que, flagrados portando R$ 100.000,00 (cem mil reais) e

utilizando referidos valores na distribuição entre os eleitores na véspera da eleição,

comprando-lhes o apoio político e o voto, não sendo referidos recursos declarados em sua prestação de

contas eleitoral,342 tem-se a prática do crime tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, sendo o

mesmo reprimindo com pena de reclusão de 01 (um) a 04 (quatro) anos e multa.

Registre-se que referido crime admite a suspensão condicional do processo (art. 89, Lei

nº. 9.099/95) e, caso não aceita ou não seja possível a oferta de sursis processual, ter-se-á uma

instrução penal que, mesmo resultando em condenação, deverá o juiz fixar a pena, após a

regular dosimetria, em um máximo de até 04 (quatro) anos, o que implica, necessariamente, em

estabelecer o regime prisional aberto (art. 33, § 2º, “c”, Código Penal), promovendo a

substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito (art. 44, I, Código

Penal).

Ademais, mesmo existindo flagrante com a apreensão de recursos em poder de

candidatos ou cabos eleitorais, a punição pelo crime etiquetado no art. 299 do Código Eleitoral

somente será possível se comprovado o dolo específico, diferentemente da corrupção comum

(arts. 317 e 333, Código Penal), que se consuma com o oferecimento ou entrega ou com a

solicitação ou pedido de vantagem indevida.

340

Acerca da matéria, relevante registrar que, em 20.11.2017, o STJ editou a Súmula 599, com a seguinte redação:

“O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública”.

341

“Somente para argumentar, imagine-se o policial que, para não multar o motorista infrator, consente em receber

a quantia de R$ 10,00. Poder-se-ia dizer que é simples bagatela? Em nosso entendimento, não. De R$ 10,00 em

R$ 10,00 o policial se acostuma a ser corrupto. Sua função pública é multar o infrator, e não negociar o ato de

ofício. Se ele se vende barato, isso não é problema do Direito Penal, que deve incidir em qualquer nível de

corrupção”. NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 58-59.

342

Em situação também atípica, diante da ausência de punição para a conduta gravíssima definida como caixa dois

eleitoral.

Nesse sentido tem se posicionado o TSE:

1. Segundo a jurisprudência desta Corte, para a configuração do crime descrito no art.

299 do CE, é necessário o dolo específico que exige o tipo penal, isto é, a finalidade

de “obter ou dar voto” e “conseguir ou prometer abstenção” (RHC nº. 142354, Rel.

Min. Laurita Vaz, DJe de 5.12.2013).

2. Na espécie, o recebimento de vantagem – materializada na distribuição de vale

combustível -, foi condicionado à fixação de adesivo de campanha em veículo e não

à obtenção do voto. Desse modo, o reconhecimento da improcedência da ação penal

é medida que se impõe”. (TSE – AgRg. Resp. 291 – Rel. Luciana Christina Guimarães

Lóssio – j. 03.02.2015, DJE 04.03.2015).

343

Além disso, a jurisprudência da Corte Eleitoral é no sentido de que se não houver na

acusação/denúncia a identificação dos eleitores beneficiados, aliciados e corrompidos, deve-se

rejeitar a petição inicial da acusação, por inépcia, restando comprometido o exercício do direito

de defesa (TSE – RHC nº. 13316/SC, DJe 18.02.14).

Portanto, além de ser punida com uma pena insuficiente para coibir conduta tão grave

(havendo violação ao princípio constitucional da proporcionalidade na modalidade proibição a

proteção jurídica deficiente), tem-se uma série de dificuldades em se promover ou deflagrar a

ação penal para buscar a punição pela prática de corrupção eleitoral.

Em suma: pune-se severamente a “cervejinha do guarda” e com absoluta leniência a

corrupção eleitoral, a compra de votos, mesmo restando comprovada a violação de bens

jurídicos extremamente relevantes (democracia, cidadania e sufrágio universal).

Existe uma flagrante desproporcionalidade que implica em deixar descoberto relevante

bem jurídico, estando sobredita situação em descompasso com o querer da Constituição

Federal, reclamando por imediata alteração desse déficit normativo, havendo a imperiosa

necessidade de serem apresentados pelo parlamento projeto de lei que busque punir de forma

adequada o crime de corrupção eleitoral, evitando-se situação injusta, deletéria e

desproporcional.

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