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I. UMA BREVE TEORIA DA CORRUPÇÃO

1.1. Conceito de corrupção e sua interferência na cidadania

1.1.2. Tolerância com a corrupção

Inexiste uma nação ou povo incorruptível. Mesmo os países escandinavos e nórdicos,

mais bem situados no Corruption Perceptions Index, possuem algumas práticas corruptas, a

exemplo do superfaturamento de obras públicas ou de uso do patrimônio público em favor

pessoal, razão pela qual constitui verdadeiro equívoco associar a prática da corrupção a países

subdesenvolvidos ou a sociedades não evoluídas. Países europeus como a Itália, berço da máfia

e do maxi-processo criminal de combate à corrupção, denominado de operação “mãos limpas”,

desmentem essa assertiva.

Entrementes, mesmo havendo equívoco nessa associação de corrupção com

subdesenvolvimento, não resta dúvida de que, quanto mais pobre e atrasado (econômica e

culturalmente) um país, mais facilmente proliferam as práticas corruptas, havendo maior

tolerância com referidas posturas.

Além disso, ainda nos dias atuais, encontram-se estudos acadêmicos que afirmam ser

possível extrair algo de positivo nos costumes ou hábitos impregnados de corrupção,

notadamente nos países em desenvolvimento, afirmando-se que “o nível ótimo de corrupção

não é zero”.60 Eis um tema controverso (se a corrupção pode desempenhar um papel positivo

nos países em desenvolvimento), havendo sérias divergências teóricas entre os especialistas.

A hodierna tolerância com a corrupção é absolutamente perniciosa, não se apresentando

como possível sustentar teorias econômicas dos anos 80 e 90 do século passado, que afirmavam

funcionar o suborno e a corrupção como “lubrificantes” necessários ao desenvolvimento dos

negócios, sendo responsáveis “pela celeridade na tramitação de certos processos, ou mesmo

como fonte de incremento da remuneração dos funcionários públicos”.61

Cita-se a passagem de alentada obra, escrita por economista considerando autoridade no

assunto, afirmando-se que a corrupção pode ser vista como uma forma útil de burlar sistemas

políticos ruins e ultrapassados em busca de crescimento econômico:

Em suma, se o sistema vigente é ruim, então a corrupção pode ser benéfica.

[...] Nas palavras do cientista político Samuel Huntington: “em função do

crescimento econômico, a única coisa pior que uma sociedade com uma

burocracia rígida, ultracentralizada e desonesta é aquela com uma burocracia

rígida, ultracentralizada e honesta” [...] A corrupção pode ajudar por um lado

e prejudicar por outros. Contornar regras públicas por meio da corrupção, por

exemplo, pode conduzir a um tipo de eficiência econômica, mas à custa dos

outros objetivos visados pelas regras em primeiro lugar.

62

Entretanto, mesmo existindo alguns poucos pontos positivos, segundo os estudos de

referidos cientistas, conclui-se afirmando que “à medida que aumentam as provas de corrupção

nos países em desenvolvimento, parece claro que seus efeitos danosos ultrapassam amplamente

os (ocasionais) benefícios sociais”.63

Essa alegação de que a corrupção era algo inevitável nos países subdesenvolvidos

(escola funcionalista norte-americana) encontra-se superada na academia nos dias de hoje,

sendo desautorizada, inclusive, pelos diversos diplomas internacionais voltados ao combate à

corrupção, merecendo destaque a Convenção da OEA e a Convenção da ONU, que versam

sobre a matéria, determinando que os Estados signatários promovam alterações legislativas

internas para prevenir e combater as práticas definidas como corruptas.

Ademais, não se concebem a indiferença e a tolerância com a corrupção na medida em

que o ofendido é o bem comum, os interesses da coletividade e do Estado, registrando-se dano

em detrimento do erário. Urge uma mudança de paradigma, afastando essa concepção atrasada,

ainda vigorante em alguns segmentos, de que a “lesão ao Estado que está em toda parte, mas

não é de ninguém, e em sociedades não-participativas, é sentido como inimigo comum, a ser

expropriado e saqueado”.64

61

FURTADO, Lucas Rocha. Ob. cit., p. 44.

62

KLITGAARD, Robert. Ob. cit., p. 50-51.

63

KLITGAARD, Robert. Ob. cit., p. 52.

É nesse contexto de enfrentamento da corrupção que se ergue a necessidade de reformas

institucionais no sistema político e na forma de investidura dos cargos eletivos, buscando-se

aumentar “os mecanismos de controle interno e externo da corrupção, por meio de agências

especializadas em seu combate”.65

O presente trabalho insere-se nesse ambiente, afirmando ser injustificável qualquer

defesa de algo positivo oriundo da prática corrupta, devendo-se atender os diplomas jurídicos

internacionais que versam sobre a matéria, adequar a legislação interna e intensificar as

hipóteses de fiscalização (controle interno e controle externo com o funcionamento dos órgãos

destinados a essa função, a exemplo da CGU, do TCU e do Ministério Público).

Especificamente no âmbito da corrupção política, gênese de diversos escândalos

atualmente enfrentados pelo nosso país, o que põe à prova as instituições e seus agentes,

impende que sejam prontamente adotadas medidas na contramão de qualquer postura de

tolerância com a corrupção, devendo-se exigir do parlamento uma discussão adequada e

decente, mediante coleta do posicionamento dos especialistas quanto à reforma política, além

de serem preenchidas lacunas normativas em matéria penal, como, por exemplo, a ausência de

tipificação do crime de corrupção praticada nas relações privadas ou a adequada definição das

condutas passíveis de serem enquadradas como caixa dois eleitoral.

Além disso, especial atenção deve ser destinada ao problema da corrupção eleitoral, que

consiste na compra de votos desde a sua forma mais grotesca, implicando no pagamento direto

em dinheiro ou pela entrega ou permuta de bem de qualquer valor pelo voto do eleitor, até a

sua forma mais sútil, com a atuação política que possibilita a prática de atos corruptos, em razão

da promiscuidade partidária existente, do excesso de atos administrativos discricionários ou da

falível fiscalização.

Deve-se mudar a forma de fazer política partidária no país, principalmente com relação

aos meios utilizados para a conquista dos mandatos eletivos, viabilizando que todos os

segmentos da sociedade se interessem pela política e permitindo que a prática política no Brasil

seja mais bem desempenhada. Isso atrai pessoas que tenham a política como vocação66 e

65

HAYASHI, Felipe Eduardo Hideo. Corrupção: combate transnacional, compliance e investigação criminal.3ª

tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 43.

66

“Quem vive para a política a transforma, no sentido mais profundo do termo, em ‘fim de sua vida’, seja porque

encontra forma de gozo na simples posse do poder, seja porque o exercício dessa atividade lhe permite achar

equilíbrio interno e exprimir valor pessoal, colocando-se a serviço de uma ‘causa’ que dá significado a sua vida”.

WEBER, Max., Ob. cit., p. 78.

estejam dispostas a pôr em prática preceitos éticos voltados ao bem comum, com uma ética da

responsabilidade, conferindo-se verdadeira dimensão à representação popular e

fortalecendo-se a democracia e a cidadania.

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