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I. UMA BREVE TEORIA DA CORRUPÇÃO

1.3. Corrupção, globalização e combate transnacional

A corrupção é um fenômeno mundial e que afeta todas as sociedades, estando presente

até mesmo nos países desenvolvidos e com elevado grau de formação de seu povo, contando

com existência e funcionamento de agências públicas responsáveis pela sua fiscalização e

combate.

Obviamente que, via de regra, a corrupção nos países desenvolvidos, tanto econômica

quanto culturalmente, além de não ser tolerada pela população, encontra resposta do Estado,

havendo plena possibilidade de punição dos envolvidos com perda de funções públicas e

ressarcimento dos valores desviados, diferentemente do que ocorre em parte dos países em

desenvolvimento que lutam no combate à impunidade da corrupção.

Ademais, diante da era da plena informação e das relações comerciais e culturais

globalizadas, apresenta-se a corrupção como um fenômeno mundial e globalizado; assim,

reivindicam-se respostas da comunidade internacional, sendo necessário firmar o compromisso

de um combate transnacional às práticas corruptas.

Não há dúvida de que hoje se vive em um mundo globalizado e conectado, operando-se

nos últimos anos verdadeira revolução tecnológica, mercantil, cultural e social. Houve um

encurtamento ou o fim das distâncias, uma flexibilização das fronteiras e uma enorme

velocidade das comunicações, sendo que referido avanço nas relações humanas, e entre o

indivíduo e o Estado, também serve como forma de aperfeiçoar ou aprimorar as práticas

passíveis de serem definidas como à margem da lei.

O mundo é hoje conduzido sob a égide da rapidez e da fluidez, vivenciando-se uma

verdadeira revolução das comunicações (notadamente com a ampliação e, em alguns ambientes,

com a verdadeira massificação do uso da internet e das redes sociais), bem como a alteração

das regras comerciais e mercantis (com a criação de blocos econômicos, diluindo-se o conceito

de fronteiras).

Tal mundo globalizado provocou alterações e avanços nos costumes, mudanças

culturais, econômicas e de relacionamento, passando a imprimir modificações em alta

velocidade em alguns direitos, como a propriedade, inclusive a propriedade imaterial ou os

direitos autorais, comunicações e na esfera da intimidade.

Nesse sentido, cita-se estudioso do assunto:

Hoje vivemos um mundo da rapidez e da fluidez. Trata-se de uma fluidez virtual,

possível pela presença dos novos sistemas técnicos, sobretudo os sistemas da

informação, e de uma fluidez efetiva, realizada quando essa fluidez potencial é

utilizada no exercício da ação, pelas empresas e instituições hegemônicas. A fluidez

potencial aparece no imaginário e na ideologia como se fosse um bem comum, uma

fluidez para todos, quando, na verdade, apenas alguns agentes têm a possibilidade de

utilizá-la, tornando-se, desse modo, os detentores efetivos da velocidade. O exercício

desta é, pois, o resultado das disponibilidades materiais e técnicas existentes e das

possibilidades de ação. Assim, o mundo da rapidez e da fluidez somente se entende a

partir de um processo conjunto no qual participam de um lado as técnicas atuais e, de

outro, a política atual, sendo que esta é empreendida tanto pelas instituições públicas,

nacionais, intranacionais e internacionais, como pelas empresas privadas.

97

Da forma como é concebida, a globalização implica em aumento das hipóteses de

desigualdade entre as nações, aumento do desemprego, automação das relações humanas,

virtualização dos ambientes, paradoxal distanciamento das relações humanas, com

encurtamento ou fim das fronteiras da comunicação.

Todas essas características contribuem para uma situação de aparente desordem,

constituindo-se em terreno fértil para a prática de condutas corruptas, notadamente nas relações

econômicas envolvendo empresas transnacionais e países em desenvolvimento.

Ainda sobre o conceito de globalização e seus efeitos, cita-se:

O significado mais profundo transmitido pela ideia da globalização é o do caráter

indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência

de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete

administrativo. A globalização é uma ‘nova desordem mundial’. [...]

A globalização não diz respeito ao que todos nós, ou pelo menos os mais talentosos e

empreendedores, desejamos ou esperamos fazer. Diz respeito ao que está acontecendo

a todos nós.

98

97

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 10. ed.Rio de

Janeiro: Record, 2003, p. 83-84.

98

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas.Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro:

Zahar, 1999, p. 67-68.

Quanto maior o desenvolvimento da globalização, principalmente sob o viés

econômico, promovendo-se o estreitamento de fronteiras e a redefinição do conceito de

soberania, maior a probabilidade de serem praticadas condutas delituosas definidas como

práticas corruptas.

A expansão das empresas e dos mercados favorece, também, o surgimento de paraísos

fiscais, o incremento da lavagem de dinheiro e de uma corrupção sistemática praticada por

organizações criminosas, contando-se com a colaboração de servidores públicos transnacionais,

bancos, indústrias, empresas e pessoas com poder político. São “delitos classificados

criminologicamente como crimes of the powerful; de delitos que têm uma regulação legal

insuficientemente assentada; e de delitos cuja dogmática se acha parcialmente pendente de

elaboração”.99

Diante de referido problema de graves dimensões e amplitude, notadamente em razão

de sua potencialidade com o crescimento da globalização, passou-se a desenvolver a

consciência de que “a luta contra a corrupção tornou-se parte das prioridades internacionais

universais e regionais, requerendo efetivamente, esforços comuns, intercâmbio de experiências

e um certo grau de uniformização”.100

Nesse contexto surgem medidas internacionais de combate à corrupção, podendo-se

afirmar que “a corrupção é uma prioridade emergente para a comunidade internacional”,101 o

que deságua nos diplomas vigentes na atualidade e na sedimentação de uma concepção de que

devem ser desenvolvidas ações integradas que objetivem a cooperação transnacional entre as

nações e os diversos organismos governamentais (OEA, ONU, FMI, Banco Mundial, etc.) e

não governamentais (Transparência Internacional).

Ademais, devem-se criar mecanismos externos que possuam força de coerção no sentido

de coibir os países da comunidade internacional a adotarem medidas e providências no combate

à corrupção, inclusive com a alteração de sua legislação.

Adiantaria muito pouco ao esforço internacional no combate à corrupção a edição de

tratados, pactos e convenções, com a realização de estudos e detecção dos focos de corrupção,

99

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades

pós-industriais. Tradução: Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 77.

100

ROCHA, Patrícia Barcelos N. de Mattos. Corrupção na era da globalização. 3ª reimp. Curitiba: Juruá, 2011,

p. 115.

apresentando-se sugestões de alteração de práticas comerciais, econômicas e culturais, se os

países não adotassem medidas internas no escopo de promover a alteração de sua legislação

sobre o assunto, a mudança das formas de controle das práticas administrativas e econômicas

envolvendo o Estado, além de uma cultura de combate à corrupção.

Nesse diapasão ganha especial destaque a necessidade de uma discussão intensa,

culminando na alteração da legislação penal brasileira, notadamente em razão de omissões

normativas existentes, como a ausência de tipificação do crime de caixa dois na campanha

eleitoral, ausência de regras transparentes versando sobre financiamento de campanhas,

insuficiência de adequado controle interno no âmbito dos partidos políticos, inexistência do

crime de corrupção privada, necessidade de tipificação da infidelidade patrimonial e do

enriquecimento ilícito.

Todas as alterações acima mencionadas devem ser empreendidas com brevidade,

notadamente em razão das recomendações já existentes em diplomas normativos internacionais,

havendo verdadeiro descumprimento de mandados expressos de criminalização, o que

configura déficit normativo, além da necessidade de adequação do país às regras vigentes no

mundo civilizado, possibilitando uma apropriada inserção na globalização econômica, devendo

estar, contudo, preparado para o enfrentamento dessa nova criminalidade.

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