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Conceitos introdutórios para análise de uma política pública

CAPÍTULO II O GOVERNO ELETRÔNICO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA

2.1 Conceitos introdutórios para análise de uma política pública

O entendimento da análise de uma política pública inicia com a compreensão do conceito de política pública, bem como as etapas que abarcam o ciclo de sua produção.

A análise da política (ou no inglês ‘policy analysis’) permite diferenciar as três dimensões da política, distintas em inglês pelos termos: ‘policy’, ‘politics’ e ‘polity’. De maneira sucinta, Frey (2000b, p. 216), conceitua “‘polity’ para denominar as instituições políticas, ‘politics’ para os processos políticos e ‘policy’ para os conteúdos da política”, isto é, o conteúdo material das decisões políticas: as configurações dos programas políticos (2000b).

Em seus estudos, Souza (2006, p. 24–25) recuperou os principais conceitos de policy (traduzido em português como políticas públicas) debatidos na literatura, sendo entendido como: campo da ciência política que analisa o governo a partir das grandes questões públicas (Mead, 1995); um conjunto de ações do governo que levam à determinados efeitos (Lynn, 1980); somatório das atividades dos governos que influenciam a vida dos cidadãos (Peters, 1986); ou, “o que o governo escolhe fazer ou não fazer” (Dye, 1984). Para Souza, política pública poderia ser conceituada, ainda, como o governo em ação, atuando nos problemas da sociedade ou de um grupo social específico, visando executar ações em prol de seu desenvolvimento. Ele ressalta a visão holística que “instituições, interações, ideologia e interesses” possuem na análise da política, sendo fundamental a soma das partes envolvidas para se compreender as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade.

Quanto aos tipos de política, Hill (2013) especifica quatro tipos: distributive policy, redistributive policy, regulatory policy, constituent policy. A primeira diz respeito a distribuição de novos recursos, a qual é associada a baixa ambiguidade e baixa relação de conflitos. A segunda, associa-se a troca de distribuição entre recursos existentes, que leva a uma alta ambiguidade, mas ainda com baixo conflito. A terceira, regulatory policy, trata das politicas publicas que regulam atividades, caracterizando-se por gerar baixa ambiguidade, mas alto conflito. Por fim, o último tipo visa o estabelecimento ou reorganização das instituições, o que

traz alto conflito e alta ambiguidade. O autor afirma que esta distinção pode ser tanto uma característica subjacente de uma área política como uma característica específica de qualquer política pública promulgada.

Sobre a perspectiva de se analisar a gênese e o percurso de programas de política, com atenção aos fatores favoráveis e entraves, torna-se fundamental debruçar-se sobre as questões dos processos administrativos, observando “os arranjos institucionais, as atitudes e objetivos dos atores políticos, os instrumentos de ação e as estratégias políticas” (Frey, 2000b, p. 221). Neste sentido, conceitos como policy network, policy arena e policy cycle devem ser levados em conta na análise da política pública, dando atenção a outros fatores que exercem influência sobre os comportamentos de decisão política.

O interesse da análise de políticas públicas não se limita ao conhecimento dos programas e projetos de governo desenhados e implementados; mas, sob a perspectiva das leis e princípios que a nortearam, a análise das políticas públicas visa olhar para “a inter- relação entre as instituições políticas, o processo político e os conteúdos de política” com o “arcabouço dos questionamentos ‘tradicionais’ da ciência política” (Windhoff-Héritier 1987, p. 7 apud Frey, 2000b, p. 214).

O policy cycle (ciclo de política) pode ser visto, em partes, não apenas para descrever o policy process (processo de política), mas também como um ideal para a administração racional, e para entender a diferença entre politics e a administração. O desenvolvimento dos estágios da policy cycle pode ser visto como uma elaboração a partir desta visão. A análise do sistema de modelo de estágios da política proposto por David Easton (1953, 1965) fornece um caminho para a conceptualização, por vezes, complexa do fenômeno da política (Hill, 2013).

Por isso, Fisher et al. (2007) propõem uma subdivisão do ciclo da política em estágios que permitem uma análise detalhada da sequência de elementos do processo de produção da política, levando em conta as relações de poder, as redes políticas e sociais, e as práticas político-administrativas relacionadas, tornando um importante instrumento de diagnóstico. O denominado Modelo de Etapas divide o ciclo de política em cinco fases: emergência e definição do problema, agenda-setting (agendamento político), formulação e elaboração de programas e decisão, concretização/implementação de políticas e a avaliação de políticas, conforme apresentado na Figura 2.1 (Fisher et al., 2007; Frey, 2000b; Rodrigues, 2014; Souza, 2006).

Figura 2.1 – Ciclo de uma política pública

Fonte: Elaborado pela autora

De forma simplificada, os autores (Fisher et al., 2007; Frey, 2000b; Hill, 2013; L. M. Madeira, 2014; Rodrigues, 2014; Souza, 2006; A. L. Viana, 1996) definem as etapas da seguinte forma:

i) Emergência do problema é o momento do surgimento do problema público que merece a intervenção estatal. Numa análise da política, para John W. Kingdon (1984) e Richard Hofferbert (1974) é essencial questionar como, perante um emaranhado de possíveis campos de ação política, um problema peculiar ganha peso e força para tratamento e relevância política;

ii) Agendamento político é o ponto de início da discussão para análise sociológica da emergência do problema público. É a fase da tomada de decisão política acerca do problema por agendar ou reprogramar à data posterior, avaliando-se, juntamente com os principais atores envolvidos, os custos e benefícios das várias opções de ação disponíveis, bem como sua imposição na arena política;

iii) A formulação é a fase de escolha, dentre as alternativas de ação, a que melhor se enquadra à conjuntura política e socioeconômica. Ocorre a produção de soluções/alternativas que visam resolver e minimizar os impactos negativos do problema sob um “programa de compromisso” já negociado entre os principais atores;

iv) A implementação refere-se à fase executória das decisões formuladas, produzindo resultados e impactos reais, os quais poderão ser avaliados sob a perspectiva de sua formulação (metas e objetivos traçados). É subdivida em etapas: aspectos normativos e causais do problema; divisão em partes

Agendamento político Formulação e elaboração da policy Implementação/ concretização Avaliação da policy Emergência do problema

constitutivas, possibilidades de tratamento das partes do problema e identificação de soluções alternativas, estimativas brutas e, definição das estratégias de implementação.

v) A avaliação consiste na interrogação sobre o impacto efetivo da ação, no que tange déficits de impacto e efeitos paralelos que possam impedir a ação futura. Compara-se, a partir do conteúdo dos programas e planos de ação, os fins estabelecidos na formulação com os resultados alcançados, verificando sua execução, as causas dos eventuais não cumprimentos (como e porquê) e a atuação dos atores. Esta fase pode levar ao fim do ciclo de política, ou a indução de um novo ciclo, visto a emergência de um novo problema ocorrido por mudanças sociais oriundas no ciclo anterior.

Por meio de um modelo de carácter processual e como instrumento de diagnóstico da política, essa divisão em etapas concede à análise uma comparação dos procedimentos reais com o modelo heurístico da mesma, dando pistas às possíveis razões dos déficits ocorridos durante o processo de resolução do problema (Frey, 2000b). Por outro lado, o desenho da política e as regras que regulam suas decisões, formulação e implementação, aliado a fatores internos e externos, também influenciam o resultado das ações de política, tais como questões burocráticas, dos partidos políticos e dos grupos de interesses (Souza, 2006).

A fase do agendamento, por exemplo, pode ser influenciada por dois fatores principais: participantes ativos e processos que tornam relevantes algumas alternativas. Quanto aos processos, as características das instituições determinam o modo de seleção dos processos pelo qual alguns assuntos sobressaem-se. Dos participantes ativos, governamentais ou não- governamentais, John W. Kingdon (1984) aponta que os grupos de interesse não- governamentais, ou seja, “acadêmicos, pesquisadores e consultores; mídia; participantes das campanhas eleitorais; partidos políticos e opinião pública”, atuariam mais na perspectiva de bloquear assuntos que de promovê-los (1984, apud A. L. Viana, 1996, p. 8), o que levaria esses atores a terem pouca participação na arena onde decisões são implementadas. Por outro lado, Viana (1996) aponta que eventos ou crises, podem ocasionar a emergência de um problema, porém não são suficientes para promover seu agendamento, e que national wood e as eleições, via mudança de ideologias ou partidos políticos, possuem maior poder sobre a agenda que os grupos de pressão ou de interesse.

Para Diniz et al. (2009), os atores atuam mais intensamente em etapas onde seu desempenho apresenta-se mais relevante. Os participantes envolvidos nos processos iniciais seriam definidos como ‘visíveis’ e ‘invisíveis’, o que também definiria sua atuação: os primeiros, políticos, partidos, mídias, grupos de interesse, definiriam a agenda; os segundos, acadêmicos e burocracia, focalizar-se-iam nas alternativas (Souza, 2006; A. L. Viana, 1996).

A formulação das políticas públicas é vista por Hill (2013) como um estágio primordial, mas dependente do sucesso do agendamento. Bem-sucedida, esta fase garante boas perspectivas à implementação, e pode ser executada com ou sem a participação de seguimentos, como grupos de interesses e movimentos sociais. Havendo participação, Schmitter (1999) e Souza (2006) comentam que os governos enfrentariam certa complexidade de governança nesta fase, pois, em tese, levaria à redução da capacidade estatal de intervenção.

O processo da implantação envolve a quantidade de mudança e o consenso sobre objetivos e metas da política, ambos inversamente proporcionais. O desempenho da política é, pois, dependente das características dos organismos implementadores, das condições políticas e socioeconômicas e do modo de execução de atividades (A. L. Viana, 1996).

Quanto à fase de avaliação, esta pode ser de quatro tipos: investigação, investigação avaliativa, avaliação e monitoramento. Baseado no timing da avaliação, ela pode ser realizada ex ante, em que consistem análises de custo-benefício e custo-efetividade21; intermediária ou

durante a implantação, quando o objetivo é dar suporte e melhorar o desenvolvimento do programa; e, ex post, que visa observar os impactos e processos da política implantada (Faria, 2005; Trevisan & Van Bellen, 2008; A. L. Viana, 1996). A avaliação de impactos mede os resultados dos efeitos; e, a de processos visa compreender a adequação entre meios e fins com base no contexto em que a política é implantada: aspectos organizacional e institucional, social, econômico e político (A. L. Viana, 1996).

A avaliação fornece informações essenciais para permitir o aprendizado da política pública e incorporar experiência ao processo de tomada de decisão. Porém, Trevisan e Van Bellen (2008) apontam que nem sempre o plano traçado inicialmente contempla todos os valores reconhecidos e aceitos. Para se aferir seus resultados, utiliza-se variáveis ou critérios de avaliação, ou seja, instrumentos analíticos que permitem mensurar o julgamento de valor. A operacionalização destes critérios dá-se mediante indicadores ou parâmetros que fornecem informação do estado da dimensão trabalhada, comparando o estado real com a referência obtida pelo indicador (Trevisan & Van Bellen, 2008; A. L. Viana, 1996).

Nesse contexto, Jannuzzi (2002, 2005) destaca os indicadores sociais, considerados modelos que explicam a teoria social e os fenômenos sociais e que subsidiam as atividades de planejamento público, formulação de políticas públicas e aprofundamento das pesquisas

21 O custo-benefício é uma relação monetária entre os custos e os benefícios de uma política pública.

Caso os benefícios excederem o custo, a política é considerada aceitável. O custo-efetividade, por sua vez, não exige relação monetária. Os recursos liberados devem ser aplicados de maneira que possibilitem o maior número de resultados ou benefícios, independente do custo deste resultado (A. L. Viana, 1996).

acadêmicas. Para Telles (2003), são medidas quantitativas que informam sobre um dado aspecto da realidade, sem mensurá-la, e que participam de sua construção social.

2.2 A contribuição das teorias das políticas públicas na análise da Política do Governo