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Uma congruência de modelos para avaliação de portais

CAPÍTULO III PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.1 Uma congruência de modelos para avaliação de portais

O debate dos modelos de maturidade do e-gov no Capítulo I indicou a dificuldade da escolha de um eGMM para servir de métrica e avaliar os postais das prefeituras de forma padronizada, aprofundada e contemplando aspectos considerados importantes. Apesar da literatura apresentar trabalhos que incorporam o conceito dos três pilares do e-gov aqui debatidos, com alguns direcionados ao e-gov local, os eGMM estudados nesta tese não detalham a variedade de indicadores em cada pilar, dão pouca relevância a questões como usabilidade ou acessibilidade digital, não consideram uma variação de peso no modelo estrutural, nem permitem identificar diferentes níveis de desenvolvimento dentro de um mesmo estágio de maturidade. Ainda, pouco avançam na ponderação, calibração e validação empírica dos modelos propostos – Rampelotto, Löbler e Visentini (2015) propõem uma avaliação previamente formulada em entrevistas exploratórias e questionários, mas restringem a aplicação ao não contemplarem o conceito pluridimensional do e-gov. Por fim, embora existam trabalhos que articulam esses aspectos de forma isolada, optou-se por desenhar um modelo robusto que as contemple integralmente e esteja mais próximo à realidade deste caso de estudo – os municípios brasileiros.

Dos modelos discutidos, três destacaram-se: os modelos de Lee e Kwak, Nações Unidades e Lechakoski, todos mediados pela Web 2.0. Mas, tendo em vista suas potencialidades e seus desafios (Quadro 4.1), percebeu-se que a escolha de um único modelo

27 Proposta submetida aos pares em artigo sob o título “Avaliação do governo eletrônico: proposta de

índice para medir a maturidade de portais governamentais”, apresentado no grupo de trabalho intitulado “Internet, Sociedad y Política: análisis y prospeccion del gobierno digital” do VIII Congreso Internacional en Gobierno, Administracion y Políticas Públicas, realizado de 25 a 28 de setembro de 2017, em Madrid/Espanha.

para avaliar a maturidade do e-gov produziria uma análise restritiva visto os desafios elencados e não atenderia ao objetivo e conceitos trabalhados neste estudo.

Com isso, optou-se por propor um método de avaliação de portais de governo locais que, de maneira objetiva e robusta, pudesse atender às necessidades deste estudo e trazer um novo olhar para os modelos de maturidade, sendo um contributo à literatura.

O modelo proposto considerou a congruência dos três modelos discutidos, de forma que suas potencialidades complementassem seus desafios, e proporcionasse uma avaliação da maturidade do e-gov mais completa e adaptada ao objetivo da tese. Nesta congruência extraiu-se as potencialidades de cada modelo, mantendo a lógica de seus estágios de maturidade, de modo que um complementasse a carência conceitual do outro.

Quadro 4.1 – Potencialidades e desafios dos eGMM mediados pela Web 2.0.

Lee e Kwak (2012) United Nations (2014) Lechakoski (2015) Pote nc ia li da d e s

- Foco em transparência e governo aberto;

- Propõe estágios evolutivos da participação, engajamento do cidadão via Internet, e abertura do governo às ideias do cidadão; - Uso de ferramentas Web 2.0 em

estágios menos avançados; - Introduz conceito de e-

colaboração;

- Colaboração aberta entre agências de governo, público e setor privado;

- Valoriza conhecimento coletivo; - Elaborado a partir de grupos

focais, isto é, considerou a necessidade real dos cidadãos para seu desenvolvimento;

- Análise do e-gov sob a ótica dos três pilares: informação, e- serviço e e-participação; - Foco no governo aberto; - Abordagem cidadão-centro; - E-participação como e-

information sharing, e- consultation e e-decision making;

- Estágio de transação considera e-serviços financeiros e não- financeiros;

- Modelo aplicado em 80 países membros da ONU;

- Análise do e-gov sob os três pilares: informação, e-serviço e e-participação;

- Considera a avaliação de usabilidade e acessibilidade dos portais conforme o avanço das tecnologias;

- Enfatiza a relação C2C;

- Valoriza informação e comunicação via redes sociais; - Comunicação real time;

- Modelo aplicado na realidade brasileira, em três capitais de estados; Des a fio s

- Modelo teórico ainda sem métricas;

- Modelo rígido no que tange a evolução da participação cidadã; - Não analisa o e-gov sob a ótica

dos três pilares: informação, e- serviço e e-participação;

- Não aborda a relação C2C; - Associa conceito de e-voto à e-

participação, direcionando seu uso mais como “enquete” e mais como tomada de decisão;

- Não aborda a relação C2C; - Interação com cidadão mais

ativa e uso da Web 2.0 somente no último estágio;

- Considera necessária, mas não inclui uma avaliação crescente de acessibilidade mais criteriosa nos estágios;

- Modelo rígido, onde cada estágio passa pelo cumprimento das funcionalidades do estágio anterior;

- Não considera estágios de transição de serviços on-line: na fase 2 não há qualquer serviço on-line e na fase 3 os serviços devem ser totalmente on-line; - Não faz menção a importância do

governo aberto e transparência pública;

- Trata a evolução da e- participação com foco nas redes sociais e pouco em portais de governo;

Fonte: Elaborado pela autora

Assim, na intenção de valorizar potencialidades e minimizar os desafios dos eGMM, considerou-se as seguintes funcionalidades:

a) No modelo de Lee e Kwak (2012): o foco no governo aberto e transparência pública; a abordagem evolutiva da participação social em estágios de desenvolvimento (conceito de e-participação e e-colaboração); o uso de ferramentas Web 2.0 em fases menos avançadas de maturidade; a colaboração aberta entre agências de governo e público em geral; e valorização do conhecimento coletivo.

b) No modelo das Nações Unidas (2014): a avaliação dos serviços digitais financeiros e não- financeiros dentro do mesmo estágio, caracterizando uma mesma etapa evolutiva; e a e- participação como e-information sharing e e-consultation na perspectiva para e-decision making;

c) No modelo de Lechakoski (2015): a avaliação de usabilidade e acessibilidade nos portais; a ênfase na relação entre cidadãos (C2C); e o uso de redes sociais para complementar a comunicação entre Estado e cidadão nos portais de governo.

Com base nestas funcionalidades, definiu-se os respectivos estágios de maturidade, baseado nos modelos teóricos, mas adaptando-se a nova estrutura proposta em cinco estágios de desenvolvimento (Quadro 4.2).

Quadro 4.2 – Congruência dos eGMM mediados pelas Web 2.0 Nível de maturidade 1

United Nations (2014)

Emerging: disponibilidade de informações governamentais básicas, políticas, leis e

estrutura departamental. As informações são estáticas, mas é possível acessá-las por meio de links.

Lechakoski (2015)

Estágio 1: Estático (unidirecional)

- acessibilidade: promove acessibilidade mínima com recursos de áudio ou vídeo sem áudio e conteúdo não textual com alternativa em texto. Apresenta identificação de erro na interação com o usuário.

- usabilidade: o portal é condizente com a finalidade do órgão e apresenta seu objetivo, informações e serviços. Possui páginas padronizadas (identidade visual), estrutura lógica de navegação e de conteúdo acessível, e evita excesso de informações na página inicial. - rede social: inserção do governo nas redes sociais por meio de perfil ou página como forma

de comunicação com o usuário. Lee e Kwak

(2012)

Initial conditions: Sugere uma forma de interação estática com o cidadão, onde apenas

são disponibilizadas informações. É uma fase com pouca capacidade de governabilidade on-line, sem qualquer interatividade governo-cidadão e pouco nível de transparência. Nível de Maturidade 2

United Nations (2014)

Enhanced: estágio de interação unidirecional ou bidirecional simples entre Estado e

cidadão, com downloads e submissão não eletrônica de formulários para serviços e aplicações governamentais. O site possui versões em outras línguas.

Lechakoski (2015)

Estágio 2: Dinâmico (bidirecional)

- acessibilidade: os sites apresentam áudios com legendas pré-gravadas, e vídeos com autodescrição pré-gravada. Permite selecionar outro idioma para apresentar as informações. Cabeçalhos e etiquetas de formulários descrevem sua finalidade.

- usabilidade: o portal é compatível com os principais navegadores. Apresenta elementos da identidade visual localizados sempre no mesmo lugar e ferramentas de busca em todas as páginas. Textos são formatados para facilitar leitura, exploração da página e entendimento do conteúdo (alinhamento à esquerda e dividido em tópicos ou parágrafos).

- rede social: participação ativa nas redes sociais, com consulta aos cidadãos sobre sua satisfação a respeito das plataformas e-gov existentes e sugestão para serviços on-line. Lee e Kwak

(2012)

Data transparency: É o primeiro passo para o governo aberto, com publicação de dados

governamentais relevantes. Presença de mecanismos para feedback do público sobre utilidade e qualidade das informações. Uso de e-mail para receber comentários do público. Nível de Maturidade 3

United Nations (2014)

Transaction: os sites do governo desenvolvem uma comunicação bidirecional completa

do governo, programas, regulamentos, etc. O portal pode processar operações não financeiras, por exemplo, arquivos de impostos on-line ou requerer certificados, licenças e alvarás; ou operações financeiras em ambientes seguros, onde disponibiliza informação de segurança e privacidade de dados e algumas formas de autenticação eletrônica na identificação do cidadão.

Lechakoski (2015)

Estágio 3: Transacional

- acessibilidade: as legendas de áudios ao vivo são sincronizadas e textos podem ser redimensionados aumentando seu tamanho. Operações por teclado possuem foco visível. - usabilidade: a página apresenta destaque para seções ou serviços mais utilizados, e os formulários apresentam campos com formato e número de caracteres desejáveis. Há presença de tutorial e mapa do sítio;

- rede social: faz uso das redes sociais para disponibilizar e divulgar informações, experiências e melhorias já implementadas e as futuras ações do governo. Estimula e utiliza palavras-chaves (via taxonomia ou ontologia com ‘#’) para extrair conteúdo partilhado entre cidadãos nas redes sociais de modo a mapear e processar necessidades.

Lee e Kwak (2012)

Open participation: de maneira informal faz uso de instrumentos para promover cultura e

prática voltadas à participação eletrônica. A participação popular é bem aceita e utilizada nas decisões políticas, por meio de e-Voto, e-Petição, ferramentas Web 2.0, através de blogs, microblogs, social bookmarking/tagging, redes sociais, etc. Enquanto no nível 2, as informações são abertas ao público, na fase 3 o governo “abre-se” às ideias do público, no entanto, exige uma efetiva capacidade de resposta por parte do governo. Incremento e valorização da transparência e disponibilidade de dados em formato aberto.

Nível de Maturidade 4 United Nations

(2014)

Connected*: E-services e e-soluções atravessam os departamentos e ministérios de forma

contínua, e informações, dados e conhecimento são transferidos para agências governamentais por meio de aplicativos integrados.

Lechakoski (2015)

Estágio 4: Integrado*

- acessibilidade: presença de linguagem de sinais (pré-gravada) em vídeos e áudios. É disponível item de ajuda contextualizada ao conteúdo acessado.

- usabilidade: abertura de links sem abrir automaticamente uma nova janela e não existem plugins autoinstaláveis para executar tarefas. As mensagens de erro são explicativas e sucintas.

- rede social: disponibiliza um ambiente de compartilhamento de conteúdo que possibilita postar sugestões, reclamações e soluções de melhores práticas de plataformas de e-gov. Lee e Kwak

(2012)

Open collaboration: caracteriza-se por um processo mais complexo de engajamento do

público, com colaboração aberta entre agências de governo, público e setor privado por meio de partilha de dados e contribuições da população. Consultas públicas são organizadas e seus dados utilizados para promover novos conhecimentos e melhoraria para a tomada de decisões.

Nível de Maturidade 5 United Nations

(2014)

Omnipresence: Integra todos os serviços possíveis disponibilizados on-line, com

pagamentos efetuados no próprio portal e dando conhecimento automático a todos os departamentos envolvidos com o serviço. A abordagem passa a ser focada no cidadão e os e-serviços são classificados por grupos segmentados para fornecer serviços personalizados, num único portal. Governos criam um ambiente que habilita os cidadãos a estarem mais envolvidos com as atividades do governo para terem voz na tomada de decisão, fazendo uso de Web 2.0 e outras ferramentas de interação com o cidadão. Lechakoski

(2015)

Estágio 5: Omnipresence

- acessibilidade: permite que todas as operações sejam operáveis com funcionalidade do teclado.

- usabilidade: a estrutura do portal é determinada pelo contexto das tarefas realizadas pelo cidadão e não pela estrutura organizacional. Permite personalizar as páginas com serviços e informações de maior interesse do cidadão.

- rede social: a partir da cultura colaborativa, o cidadão faz uso das palavras-chave para classificar os conteúdos e promover um bando de dados dos mesmos, com vistas ao compartilhamento e desenvolvimento do conhecimento produzido.

Lee e Kwak (2012)

Ubiquitous engagement: dados abertos, aplicações e processos são interoperáveis entre

as agências de governo, numa integração horizontal e vertical. Valoriza a transparência e o engajamento do público via sua participação e colaboração por meio de mecanismos de interação virtual, expandindo o alcance e a profundidade dos recursos tecnológicos e o poder das mídias sociais. O público tem acesso universal aos dados, informações e serviços de governo e esses são facilmente acessados por dispositivos móveis e tablets. Fonte: Elaborado pela autora com base em Lee e Kwak (2012), Lechakoski (2015) e United Nations (2014).

* Desmembramento do nível de maturidade 4 em dois níveis, de modo que permita enfatizar a onipresença do e-gov em seus três pilares no nível de maturidade 5.

A proposta de congruência dos eGMMs, além de enfatizar os pontos positivos de cada modelo, tornou-se mais adaptada à realidade estudada. O Brasil já possui instrumentos institucionalizados de participação social, como conselhos de políticas públicas. No que tange às ferramentas eletrônicas, as políticas de saúde contemplam participação via portal de saúde28 e e-SUS AB29, e há portais específicos para participação em outras temáticas, como

Participa.br30, onde se discute assuntos diversos, e e-Cidadania31, para assuntos legislativos.

Em teoria, a proposta de Lee e Kwak para o processo evolutivo de participação considera o nível de envolvimento e de entendimento do cidadão com relação a política pública discutida. Uma proposta participativa precisa ser elaborada sob a lógica de uma “metodologia, uma arquitetura que exija menos do cidadão, e (...) a partir do interesse em continuar participando, (...) ele vai colocando, vai dando mais energia na medida em que o próprio processo participativo envolve ele” (Entrevistado 6, Anexo A).

Porém, considerando, a existência de práticas participativas em instâncias presenciais32, as práticas das políticas brasileiras não seguem necessariamente a ordem

rígida proposta por Lee e Kwak, ou estabelecida em modelos teóricos. No Brasil, não se percebe “preocupação com esse nível de maturidade do processo evolutivo da participação de forma escalonar (...) as coisas não são tão quadradas, tão cartesianas” (Entrevistado 3, Anexo A), e assim, “tem-se começado dos últimos degraus” (Entrevistado 6, Anexo A).

Na Estratégia de Governança Digital (EGD) do Governo Federal, por exemplo, a formulação deu-se com consultas públicas em meio digital e canais participativos com conhecimento compartilhado em redes, um processo mais qualitativo. Outro exemplo foi a construção do Portal de Dados Abertos, cuja elaboração foi de “forma totalmente aberta a qualquer pessoa que quisesse participar, dar palpite, programar, fazer designer, fazer qualquer coisa. Era aberto a qualquer pessoa” (Entrevistado 4, Anexo A).

28 Disponível em: < http://portalsaude.saude.gov.br/>.

29 Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/portaldab/esus.php>. O e-SUS AB é um espaço aberto aos

usuários (Gestores, Profissionais e Cidadãos) da Coleta de Dados Simplificada (CDS) e Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC) para troca de informações, sugestões e construção colaborativa de respostas as dúvidas sobre o SUS (Sistema Único de Saúde).

30 Disponível em: <http://participa.br/>.

31 Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ecidadania/>.

32 O fóruns de participação popular, como o orçamento participativo (OP) – já difundido mundialmente,

e tido como referência central para o poder do cidadão em estruturar e fortalecer órgãos comunitários – e os fóruns, comitês, conselhos e comissões das áreas das políticas públicas (como Fórum Municipal Consultivo, Conselhos de Saúde, Conselhos do Orçamento Participativo, ou as comissões específicas para criação de projetos às cidades) – presente também em diversos países e cidades que implantaram o OP – representaram instâncias de participação popular na forma tradicional (Cabannes, 2014; Secchi, 2009).

O que se observa é certa facilidade em “processo qualificado, a partir de dados selecionados, para depois estabelecer pelo menos algumas propostas e (...) propor um processo de votação” (Entrevistado 2, Anexo A). E, nas experiências brasileiras, “em geral, ocorre primeiro uma participação do cidadão e depois se for o caso, ele vota, mas isso vai muito depender daquele que se propôs a ouvir o cidadão enquanto se constrói a decisão” (Entrevistado 1, Anexo A).

Outrossim, a Internet é um ambiente multiativo e como tal as interações presentes nas redes sociais já estão inseridas na vida cotidiana dos cidadãos, o que facilita a inserção de tecnologias interativas deste nível em portais de governo. Na Web 2.0, primeiro disponibiliza- se a informação para depois promover a participação. Atualmente na inserção da Web 3.0, os atores militam mais ativamente nos grupos.

Neste sentido, a flexibilização do modelo no que tange as ferramentas de participação Web 2.0 utilizadas tornou-se necessária para adaptar à realizada brasileira, cujo contexto da participação é diferente da realidade americana onde o modelo foi criado. Assim, o direcionamento da análise tem vistas à abertura do governo e participação, segundo os conceitos dos autores, isto é, as ferramentas interativas possuem viés de enquete ou pesquisa de opinião, ou são formuladas para envolver os cidadãos numa construção coletiva.