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A contribuição das teorias das políticas públicas na análise da Política do Governo

CAPÍTULO II O GOVERNO ELETRÔNICO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA

2.2 A contribuição das teorias das políticas públicas na análise da Política do Governo

Comte (1988) aponta que o conhecimento da Física Social ou Sociologia repousa nos fatos observados, submetendo-os a postulados universais: "nenhuma verdadeira observação é possível sem que seja primeiramente dirigida e finalmente interpretada por uma teoria". Esses postulados, que para o autor são invariáveis, regem o comportamento de fenômenos sociais, permitindo extrair leis gerais e explicar novos fatos testados e confrontados através da experimentação (1988, III). As teorias são, portanto, modelos generalizáveis capazes de prever a ação coletiva (Schmidt, 2006), através da essência da “compreensão do princípio que norteia as ações sociais cooperativas” (Andrews, 2005, p. 287).

No que tange ao tema em estudo desta tese, os avanços tecnológicos e a necessidade de modernização da gestão pública com os princípios da NPM propiciaram a inserção da TI na administração pública e o surgimento do e-gov. Neste sentido, a Política do Governo Eletrônico seria facilmente explicada pelos princípios das Abordagens Funcionalistas, cuja base teórica apoia-se no argumento de que o desenvolvimento das políticas públicas é uma resposta funcional das necessidades oriundas dos processos de industrialização e modernização da própria sociedade capitalista. A modernização seria, assim, efeito do processo de industrialização e da dinâmica das políticas (Caldas, 2005), e razão da inserção das TI e das políticas de e-gov nas agências de governo. Entretanto, a teoria funcionalista seria simplista ao tentar explicar o que leva os governos a investirem mais ou menos em e- gov, sustentando o argumento de que existem motivações ligadas à maturidade do e-gov.

Na tentativa de explicar a existência destes fatores, buscou-se apoio nos contributos de outras teorias das políticas públicas. Para entender o motivo de alguns problemas serem importantes para os governos em detrimento a outros, é importante entender o que o conduziu à agenda governamental. O modelo Multiple Streams, elaborado por Kingdon (2003) e Zahariadis (2007), analisa os processos pré-decisórios: o agendamento da política e as alternativas, isto é, momento anteriores à tomada de decisão e à implementação da política (Capella, 2016).

Alguns trabalhos, como de Zahariadis (1995 apud Capella, 2006) ampliam o alcance do modelo até a fase de implementação, considerando que a movimentação do processo decisório não se limita ao agendamento da política pública.

O modelo Multiple Streams tem por base três fluxos decisórios (streams), que permeiam a organização de forma independente, mas que se unem para a formação da janela de oportunidade da política pública. O primeiro fluxo diz respeito aos problemas (problems stream) e os motivos pelos quais passam a ocupar espaço na agenda política. Visto o grande número de problemas que circundam a agenda política, a atenção dos formuladores depende da forma como percebem e interpretam os problemas. Por vezes esses problemas surgem baseados em indicadores de monitoramento de programas, eventos de crises ou feedback das ações de governo, dos quais dependem do modo como formuladores os veem para que se tornem problemas.

No segundo fluxo estariam as soluções ou alternativas para os problemas levantados (policy stream). Essas soluções seriam desenvolvidas por especialistas e geradas a partir de comunidades (policy communities), onde num processo de seleção, algumas ideias seriam selecionadas dentre o universo de propostas (policy primeval soup) com base na viabilidade técnica e financeira. Como num efeito multiplicador (bandwagon), as ideias ganhariam adeptos e representariam o consenso dentro de uma comunidade política.

O terceiro fluxo, composto pela dimensão política (politics stream), caminha para o processo de negociação e barganha, seguindo sua própria dinâmica e regras, e levando a mudanças estratégicas dentro da estrutura de governo com base na dimensão da opinião pública, das forças políticas organizadoras e do próprio governo (Capella, 2006, 2016; Franco, 2013; Gottems, Pires, Calmon, & Alves, 2013; Kingdon, 2003).

Assim, com base no fluxo de Kingdon, a agenda governamental seguiria um processo não intencional caracterizado por três momentos: i) surgimento de um problema; ii) ideias e alternativas para conceituá-los – geralmente formulados por especialistas; e, iii) o contexto político, administrativo e legislativo favorável. Estes momentos convergiriam para a janela de oportunidade e ao processo de produção da política pública (Gottems et al., 2013)

Embora os fluxos sejam independentes, em algumas circunstâncias, eles parecem se conectar, abrindo as janelas de oportunidade (política windows). O problema que chama a atenção do governo é influenciado, sobretudo, pelo movimento do primeiro e terceiro fluxos, onde as condições políticas seriam favoráveis para as mudanças propostas (Capella, 2016). Essas oportunidades, segundo Kingdon, são percebidas com mais facilidade em transições de governo, mudanças no parlamento, e algumas fases do ciclo orçamentário, onde são incluídas novas propostas, e são influenciadas por grandes eventos e pelas estruturas, e não pela vontade de um indivíduo em particular, mas de atores envolvidos no processo. Para Kingdon, o papel desses atores é essencial na defesa das ideias para as soluções dos problemas. Considerados atores visíveis e participantes invisíveis, eles formariam as comunidades nas quais as ideias circulam (policy communities), uns influenciando a definição da agenda política, outros afetariam a definição de alternativas. Os

atores membros destas comunidades podem ou não pertencer aos quadros governamentais, mas compartilham da mesma preocupação numa área específica da política e conhecem os demais membros e suas ideias (Capella, 2006, 2016; Gottems et al., 2013).

Assim, este modelo estabelece alguns padrões: nem todas as ideias tem as mesmas oportunidades de entrar na agenda política, nem todas as ideias tem as mesmas oportunidades de investimentos, algumas conexões são limitadas pela conjuntura dos governos, e por restrições gerais, como orçamento, opinião pública (national mood), legislações e escassez de janelas abertas. Estes padrões ajudam a entender o porquê de alguns itens entram na agenda governamental em determinadas circunstâncias.