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Concentração acionária e qualidade da governança corporativa

4.3 Efeito da estrutura de propriedade sobre a qualidade da governança

4.3.1 Concentração acionária e qualidade da governança corporativa

A relação entre a concentração acionária e a qualidade da governança corporativa foi analisada a partir da concentração de direitos de voto (controle) e da concentração de direitos de fluxos de caixa (propriedade) dos maiores acionistas. Testes de correlação de Pearson (Apêndice G) indicam associação negativa entre o IQGC e as concentrações de direitos de voto e de fluxo de caixa do maior acionista, dos três maiores acionistas e dos cinco maiores acionistas. Também se constatou associação positiva entre as medidas de concentração de direitos de voto e de direitos de fluxo de caixa.

Seguindo estudos anteriores, a concentração de direitos de voto foi operacionalizada inicialmente de forma linear, para se testar a hipótese relativa ao efeito substituição (BOZEC; BOZEC, 2007). Num segundo momento testou-se a hipótese relacionada ao efeito expropriação, considerando o efeito não linear da concentração de direitos de voto sobre a qualidade da governança corporativa, através de dois cenários: o primeiro, mais utilizado em estudos internacionais (como BOZEC; BOZEC, 2007; MORCK; SLEIFER; VISHNY, 1988), utiliza a participação de 25% como ponto de corte; num segundo cenário considerou-se posições minoritárias (até 50%) e majoritárias (mais de 50%). Também se verificou a importância da participação do segundo maior acionista votante e da diferença entre os direitos de voto dos dois maiores acionistas. O Quadro 6 resume os principais resultados das estimações, que podem ser visualizadas de forma mais completa no Apêndice D.

Quadro 6 - Concentração acionária e qualidade da governança corporativa

Aspecto da estrutura de propriedade Relação com o IQGC Referência (Apêndice D)

Concentração de direitos de voto (linear) Negativa Tabelas 14-16 Concentração de direitos de voto (até 25%) Não significante Tabelas 18, 20, 24, 26, 30 e 32 Concentração de direitos de voto (mais de 25%) Negativa Tabelas 19, 20, 25, 26, 31 e 32 Concentração de direitos de voto (até 50%) Inconsistente(a) Tabelas 21, 23, 27, 29, 33 e 34 Concentração de direitos de voto (mais de 50%) Negativa(b) Tabelas 22, 23, 28, 29, 31 e 35

Concentração de direitos de fluxo de caixa (linear) Negativa Tabelas 36-38 Existência de um acionista majoritário (dummy) Negativa Tabela 17 Direitos de voto do segundo maior acionista Não significante Tabela 39 Diferença de direitos de voto entre os dois maiores

acionistas Negativa Tabela 40

Notas:

(a) A depender da modelagem econométrica, da operacionalização e das variáveis explicativas inseridas no modelo,

o coeficiente sugere relação positiva ou negativa.

(b) Coeficiente significante na maior parte das estimações.

As análises indicam que há uma relação negativa e linear entre a concentração de direitos de voto e o IQGC, confirmada em todas as estimações realizadas (Tabelas 14 a 16). Este resultado, segundo Bozec e Bozec (2007), é compatível com o efeito substituição. Neste sentido, embora se observe uma evolução no mercado de capitais brasileiro (ROSSETTI; ANDRADE, 2012), este ainda é marcado pelo baixo enforcement e pela fraca proteção legal aos investidores (LA PORTA et al., 1998), o que aumenta o risco de expropriação em companhias com controle disperso. O maior poder sobre a gestão, então, é uma forma de garantir ao acionista controlador o alinhamento de seus interesses com os interesses dos gestores, tornando a concentração de controle um substituto às demais práticas de monitoramento e controle da companhia (BOZEC; BOZEC, 2007).

As estimações não apontaram relação consistente entre baixas concentrações de direitos de voto e o IQGC. Quando avaliada a concentração de direitos de voto até 25%, apenas alguns coeficientes nas modelagens OLS e FGLS apresentaram significância estatística e positiva, não sendo confirmada nas estimações em GMM-SYS (Tabelas 18, 20, 24, 26, 30 e 32). A concentração de direitos de voto de até 50%, que ainda não garante uma posição majoritária, apresentou resultados inconsistentes, com variação no sentido da relação e na significância dos coeficientes, a depender da operacionalização da variável, do modelo econométrico e da modelagem utilizada (Tabelas 21, 23, 27, 29, 33 e 34). Estes resultados sugerem que em companhias com o capital mais disperso não se observa uma busca dos principais acionistas em melhorar a qualidade dos mecanismos de governança corporativa através de maior participação no capital votante, o que seria esperado segundo a hipótese do efeito expropriação (BOZEC; BOZEC, 2007).

As grandes concentrações de direitos de voto, por outro lado, mostraram-se negativamente relacionadas com o IQGC em quase todas as estimações. Concentrações acima de 25% apresentaram coeficientes significantes em todos os modelos testados (Tabelas 19, 20, 25, 26, 31 e 32), enquanto as concentrações com posições majoritárias, acima de 50%, não foram significantes em apenas duas das 24 estimações realizadas (Tabelas 22, 23, 28, 29, 31 e 35). Se baixas concentrações de direito de voto não parecem estar relacionadas com o IQGC, a partir de determinado ponto, quando há uma maior concentração de controle, os principais acionistas votantes passam a influenciar em decisões estratégicas acerca da adoção de práticas voluntárias de governança, reduzindo a qualidade da governança corporativa da companhia. Como não se constatou uma relação quadrática entre concentração de controle e qualidade da governança corporativa, não se pode aceitar a hipótese de que esta relação negativa em altas concentrações do controle esteja sendo motivada pela intenção dos principais acionistas em

expropriar a riqueza dos minoritários (BOZEC; BOZEC, 2007), podendo ser reflexo apenas do efeito substituição.

A concentração de propriedade, expressa pelos direitos dos principais acionistas a fluxos de caixa, está negativamente relacionada com o IQGC, constatada em todas as estimações processadas (Tabelas 36 a 38). De forma geral, este comportamento sugere, assim como no caso da concentração de direitos de voto, que os principais acionistas utilizam a maior concentração como uma forma de garantir o controle sobre a gestão e mitigar a possibilidade de expropriação de sua riqueza (SILVEIRA, 2004). Caso houvesse o efeito expropriação, a maior participação no capital total da companhia faria com que os principais acionistas buscassem melhorar a qualidade da governança, pois a maior probabilidade de expropriação está associada a menores índices de concentração de direitos de fluxo de caixa (DURNEV; KIM, 2005; LA PORTA et al., 2002).

A diferença entre direitos de voto e direitos de fluxo de caixa na amostra é pequena e não apresentou relação com o IQGC – os resultados destes testes não foram reportados. Silveira et al. (2010) também encontraram resultados semelhantes em companhias brasileiras no período entre 1998 e 2004. Cueto (2009) explica que os acionistas controladores devem ter capacidade (alta concentração de direitos de voto) e incentivos (excesso de direitos de voto sobre direitos de fluxo de caixa) para expropriar os acionistas minoritários. Neste sentido, os achados da pesquisa mostram que, embora a capacidade de expropriar esteja relacionada ao menor IQGC, não existem os incentivos que justifiquem o uso do controle societário para a obtenção de benefícios privados.

Os direitos de voto do segundo maior acionista (Tabela 39), que é apontado como um mecanismo que reduz o risco de expropriação por meio de um maior monitoramento da gestão e do maior acionista votante (DELGADO‐GARCÍA; QUEVEDO-PUENTE; FUENTE- SABATÉ, 2010; MAURY; PAJUSTE, 2005), não apresentou relação com o IQGC quando aplicada a estimação em GMM-SYS. Nas estimações em FGLS e OLS a relação encontrada foi negativa, ao contrário do que se esperava, segundo a hipótese H1d. A diferença entre os direitos de voto do maior acionista e do segundo maior acionista, por outro lado, mostraram-se negativamente relacionados com o IQGC em todas as estimações (Tabela 40), indicando que o maior controle nas mãos de um único acionista favorece a não adoção de práticas diferenciadas de governança pela companhia. Este resultado, em consonância com os anteriormente discutidos, ressalta que a qualidade da governança corporativa está mais relacionada aos direitos de voto e de fluxo de caixa do maior acionista, não havendo indícios de que pressões ativistas estejam influenciando a adoção de práticas diferenciadas de governança corporativa.

Foram realizadas estimações adicionais, não reportadas, considerando apenas as companhias emissoras de ações preferenciais, cujos direitos de voto e de fluxo de caixa não coincidem, representando aproximadamente 47% da amostra total. Os coeficientes da concentração acionária não apresentaram significância estatística, o que indica que estes atributos são mais relevantes para as companhias que emitem apenas ações ordinárias. Também se realizaram testes com esta sub-amostra utilizando como variável de propriedade a diferença entre os direitos de voto e de fluxo de caixa dos principais acionistas, sem nenhum resultado significante. Quando analisado o efeito da concentração de direitos de voto considerando apenas as companhias que não emitem ações preferenciais, os resultados são semelhantes aos encontrados com a amostra total. Outra análise não reportada diz respeito à concentração de direitos de voto por tipo de controle, separando companhias com controlador e com controle disperso. Reforçando os resultados anteriores, a concentração de direitos de voto apenas apresentou coeficiente negativo e significante em companhias nas quais há um acionista controlador.

De forma geral, a concentração acionária mostrou-se negativamente relacionada com a qualidade da governança das maiores companhias de capital aberto do Brasil, sobretudo em altos índices de concentração. Seguindo a mesma linha, a existência de um acionista majoritário e a diferença entre os direitos de votos dos dois maiores acionistas votantes estão negativamente relacionada com o IQGC. Estes achados sustentam principalmente o argumento de que a concentração acionária, no Brasil, funciona como uma prática alternativa de governança, substituindo os mecanismos formais de monitoramento e controle da gestão. Por outro lado, não se pode afirmar pelos resultados que a maior propensão à expropriação da riqueza dos minoritários está motivando os principais acionistas a reduzirem a qualidade da governança das companhias, ou que o ativismo de minoritários esteja contribuindo para a o aumento da qualidade da governança corporativa. A relação negativa em altas concentrações de controle pode indicar expropriação da riqueza dos minoritários, mas como os principais acionistas também detêm altas concentrações de direitos a fluxo de caixa, os benefícios privados do controle podem não compensar as perdas residuais decorrentes de decisões que prejudiquem a performance organizacional (JENSEN; MECKLING, 1976). Estes resultados não permitem afirmar que os acionistas não possam estar utilizando a alta concentração acionária para usufruir de benefícios privados do controle, mas apenas que a relação entre a concentração acionária e o nível de adoção de práticas voluntárias de governança não parece estar sendo motivada por interesses de expropriação.