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Controle societário e qualidade da governança corporativa

4.3 Efeito da estrutura de propriedade sobre a qualidade da governança

4.3.3 Controle societário e qualidade da governança corporativa

As estruturas piramidais de controle, comuns nas companhias de capital aberto brasileiras (ALDRIGHI; MAZZER NETO, 2005; 2007), podem enviesar a análise da estrutura de propriedade destas companhias a partir da observação direta dos seus principais acionistas. Por este motivo, buscou-se nesta pesquisa identificar os acionistas últimos das companhias analisadas para complementar as análises dos principais acionistas. Com dados fornecidos pelas próprias companhias em seu Formulário de Referência, foi possível verificar o tipo de controle (se identificado ou disperso), a identidade do acionista controlador (família/pessoa física, acordo de acionistas ou outra empresa), sua nacionalidade (nacional, estrangeira ou mista) e seus direitos de voto e de fluxo de caixa.

Na Tabela 8 é mostrada a análise descritiva do IQGC segregado por tipo de acionista controlador. Nas três categorias analisadas, testes de média e de Análise de Variância

(ANOVA) indicam que há diferenças significativas no IQGC. Similarmente ao constatado quando se analisou a identidade dos principais acionistas, os dados apresentam baixo coeficiente de variação.

Tabela 8 – Índice de qualidade da governança corporativa por natureza do controle societário

Natureza do controle societário Índice de Qualidade da Governança Corporativa Teste de média(a)

N Média Desvio-padrão Mínimo Máximo

Painel A – Tipo de Controle

8,989*** Controle identificado 294 0,5943 0,0905 0,2734 0,8181

Controle disperso 46 0,7209 0,0770 0,5853 0,8823

Painel B – Identidade do controlador

13,276*** Família/Pessoa física 83 0,5940 0,0880 0,2730 0,7240

Acordo de acionistas 88 0,6350 0,0790 0,4850 0,8180 Outra empresa 83 0,5520 0,0960 0,3170 0,7660 Governo 40 0,5950 0,0660 0,4550 0,7100

Painel C – Nacionalidade do controlador

20,596*** Estrangeiro 65 0,5351 0,0999 0,3174 0,7659

Misto 46 0,5997 0,0612 0,4851 0,7443 Nacional 183 0,6140 0,0843 0,2734 0,8181 Notas:

(a) Teste t para diferença de médias para tipo de controle e Análise de variância (estatística F) para identidade do

controlador e nacionalidade do controlador. *** Estatística significante a nível de 1%. Fonte: Dados da pesquisa (2014)

Pelo Painel A observa-se que companhias com controle disperso apresentam IQGC superior ao das companhias em que há um acionista controlador, com uma diferença média de aproximadamente 0,13. Quanto à identidade dos controladores, no Painel B, companhias cujo controle é exercido por outra empresa são aquelas com menor IQGC médio, enquanto o controle partilhado entre dois ou mais grupos de acionistas está associado aos maiores índices. No Painel C pode-se verificar que o controle estrangeiro está associado aos menores índices de qualidade da governança corporativa em comparação a companhias com controle nacional e partilhado entre brasileiros e estrangeiros.

Os direitos de voto e de fluxo de caixa dos acionistas controladores têm uma correlação negativa com o IQGC, conforme apresentado na Tabela 56, no Apêndice H. O excesso de direitos de voto sobre direitos de fluxo de caixa, por sua vez apresenta correlação positiva com o IQGC.

No Quadro 8 podem-se verificar os principais resultados das estimações em que se analisou a influência de características do controle societário sobre a qualidade da governança. O tipo de controle, a identidade e a nacionalidade do acionista controlador foram

operacionalizados por meio de variáveis dummies. Os direitos de voto e de fluxo de caixa do acionista controlador foram calculados por meio do percentual de ações ordinárias e do total de ações detidas pelo bloco de controle, respectivamente.

Quadro 8 – Controle societário e qualidade da governança corporativa

Acionista controlador Relação com o IQGC Referência (Apêndice G)

Tipo Controle disperso Positiva(a) Tabela 47

Identidade

Outra empresa Negativa

Tabela 48 Acordo de acionistas Não significante

Governo Não significante Família/pessoa física Negativa(a)

Nacionalidade

Nacional Negativa

Tabela 49 Estrangeiro Negativa

Mista Negativa(a)

Direitos de voto e de fluxo

de caixa

Direitos de voto Negativa Tabelas 50 e 54 Direitos de fluxo de caixa Negativa Tabelas 51 e 55 Excesso de direitos de voto Não significante Tabelas 52-55

(a) Coeficiente significante na maior parte das estimações.

Fonte: Dados da pesquisa (2014)

O controle disperso, tendo como referência companhias em que há acionista controlador, mostrou-se positivamente relacionado ao IQGC nas estimações OLS, FGLS, bem como quando a variável indicativa do controle disperso foi estimada como endógena na modelagem GMM-SYS (Tabela 47). Conforme a Tabela 8, o IQGC das companhias sem acionista controlador é superior aos de companhias em que há controle definido, o que corrobora com os achados da análise de regressão. Companhias sem controlador são aproximadamente 13% da amostra, e a natureza de seus conflitos de agência recaem sobre a relação entre gestores e acionistas, diferentemente da maior parte das companhias brasileiras. O ambiente legal brasileiro ainda é deficitário no que tange à proteção dos direitos de acionistas e ao enforcement (LA PORTA; LOPÉZ-DE-SILANES; SHLEIFER, 1999; ROSSETTI; ANDRADE, 2012), o que ressalta a importância da adoção de práticas voluntárias de governança por estas companhias. Aguilera, Desender e Castro (2011) destacam que a dificuldade de pequenos acionistas em monitorar diretamente a gestão de companhias com capital disperso faz com que este papel seja atribuído ao conselho de administração, enfatizando-se a independência do conselho e a compensação dos executivos. O disclosure, segundo os autores, também tende a ser maior, pela maior dependência do mercado de capitais para financiamento.

Dentre as identidades do acionista controlador, que tiveram como referência o controle disperso, apenas o controle exercido por outra empresa apresentou relação negativa em todos as estimações (Tabela 48). O controle exercido por famílias e/ou pessoas físicas apresentou-se negativamente relacionado ao IQGC nas modelagens OLS, FGLS e na modelagem GMM-SYS quando as variáveis indicativas da identidade do controlador foram consideradas endógenas e estritamente exógenas. Estes achados confirmam as análises realizadas quanto à natureza dos principais acionistas, cujos resultados indicam que grupos empresariais são os acionistas mais relacionados à qualidade inferior da governança corporativa, seguidos pelos investimentos de pessoas físicas ou famílias (Tabelas 41 a 46). O controle estatal, diferentemente de quando se analisou a natureza dos principais acionistas, só apresentou relação negativa estatisticamente significante com o IQGC nas modelagens FGLS e OLS e quando foi tratada como estritamente exógena na modelagem GMM-SYS.

O controle exercido por acordo de acionistas também só apresentou significância nas modelagens FGLS, OLS e GMM-SYS quando estritamente exógena, com sinal negativo, tendo os menores coeficientes nas estimações e o maior IQGC médio dentre os quatro tipos de controlador analisados. Esta forma de controle, compartilhado entre dois ou mais grupos de acionistas, e sua relação com a qualidade da governança da companhia controlada são assuntos que necessitam de maiores esclarecimentos teóricos e investigação empírica no Brasil. Os resultados deste trabalho indicam que esta forma de controle é mais próxima do controle disperso do que outros tipos de controle exercido por um só acionista, seja ele uma família, um grupo empresarial ou um governo, embora o IQGC médio das companhias com controle partilhado seja superior ao das companhias sem acionista controlador.

A partilha do controle com outro acionista pode reduzir a sobreposição entre os acionistas controladores e a gestão, deixando margem para que esta tome decisões em benefício próprio ou alinhadas aos interesses de apenas um dos acionistas controladores. Esta possibilidade de expropriação, não encontrada em companhias em que há apenas um acionista controlador, pode ser uma das explicações para o IQGC superior das companhias controladas por acordo de dois ou mais acionistas. Estudos já haviam encontrado evidências da importância do controle partilhado para o monitoramento da gestão, contribuindo para uma melhor eficiência de investimentos, valor e reputação da firma (GOMES; NOVAES, 2005; MAURY; PAJUSTE, 2005). Ademais, Silveira et al., (2009), utilizando uma amostra de companhias listadas na BM&FBovespa no período entre 1998 e 2004, encontraram associação positiva entre controle por acordo de acionistas e qualidade da governança corporativa.

Quanto à nacionalidade do controlador, o controle nacional e o controle estrangeiro estão negativamente relacionados com o IQGC, tendo como referência as companhias com controle disperso. Já o controle misto, em que há controladores nacionais e estrangeiros numa mesma companhia, apresentou significância em quatro das cinco estimações processadas (Tabela 49). Estes resultados sugerem que a nacionalidade do controlador não diferencia a qualidade da governança corporativa, sendo, no geral, a qualidade da governança da companhia com controle definido inferior à da companhia sem controlador. A menor relação do controle misto pode ser explicada porque todas as companhias com controle misto são controladas por meio de acordo de dois ou mais acionistas, o que, como se verificou, apresentam IQGC superior às companhias em que há apenas um acionista controlador.

A literatura internacional tem indicado a importância dos investidores estrangeiros para a promoção da governança corporativa em países com mercados de capitais menos desenvolvidos, seja pelo maior ativismo dos investidores, seja pela incorporação de práticas de governança oriundas do país de origem (AGGARWAL et al., 2011; ANANCHOTIKUL, 2007; FAROOQUE; YARRAN; KHANDAKER, 2009; HASSEL et al., 2003). Entretanto, os resultados deste trabalho apontam que não há grandes diferenças entre a governança de companhias controladas por brasileiros e estrangeiros. Ao contrário, como se observa na Tabela 8, companhias que são controladas por investidores estrangeiros apresentam IQGC inferior a companhias em que há acionistas controladores brasileiros. Neste sentido, Ananchotikul (2007) já havia encontrado resultados semelhantes em companhias listadas na bolsa de valores da Tailândia, em que a presença de uma empresa industrial estrangeira com elevada participação acionária não contribui para a melhoria da qualidade da governança, possivelmente devido a seus interesses estratégicos na companhia investida. No Brasil, o estudo de Brandão et al. (2014) também não encontrou relação entre a internacionalização do capital social e a qualidade da governança das maiores companhias listadas na BM&Fbovespa.

Os direitos de voto e de fluxo de caixa dos controladores mostraram-se negativamente relacionados com o IQGC, com coeficientes estatisticamente significantes em todas as estimações processadas (Tabelas 48, 49, 52 e 53). Estes resultados reforçam a ideia de que, à medida em que o acionista controlador detém maior controle sobre a gestão e maior participação no capital da companhia, reduz a qualidade de outros mecanismos internos de monitoramento e controle. Conforme já explanado, este comportamento é mais condizente com o efeito substituição (BOZEC; BOZEC, 2007), embora não se exclua a possibilidade de os controladores utilizarem do controle para expropriar a riqueza dos acionistas minoritários.

O excesso de direitos de voto sobre direitos de fluxo de caixa dos controladores não apresentou coeficiente com significância estatística em nenhuma estimação com o uso da modelagem GMM-SYS (Tabelas 50 a 53). Quando se processou estimações em FGLS e OLS, os seus coeficientes apresentaram significância estatística, mas o sentido da relação com o IQGC (positivo ou negativo) variou, dependendo das outras variáveis explicativas incluídas no modelo. Mesmo quando se excluíram as companhias em que não há emissão de ações preferenciais, os resultados permaneceram inconsistentes (Tabela 53). Sendo um incentivo à expropriação (ALDRIGHI; MAZZER NETO, 2005; 2007; CUETO, 2009), esperava-se que o excesso de direitos de voto dos controladores estivesse relacionado negativamente com o IQGC, para se confirmar o efeito expropriação. Os resultados sugerem, portanto, que não há um efeito expropriação na relação entre direitos dos acionistas controladores e qualidade da governança corporativa a partir do excesso de direitos de voto sobre direitos de fluxo de caixa, corroborando com os achados da análise da concentração acionária.

Em suma, os resultados da análise do controle societário seguem a mesma direção dos achados da análise do IQGC a partir da natureza dos principais acionistas: o controle exercido por outra empresa e por famílias ou pessoas físicas contribuem para a redução do nível de adoção de práticas voluntárias de governança, que pode ser resultado de uma possível expropriação da riqueza da companhia por parte destes acionistas. Em adição, verificou-se que a ausência de acionista controlador melhora a qualidade da governança, enquanto o controle exercido por acordo de acionistas e a nacionalidade do controlador não estão relacionados com a qualidade da governança das companhias brasileiras, sugerindo o efeito substituição. Quanto aos direitos de voto e de fluxo de caixa dos controladores, observou-se, assim como no estudo da concentração acionária, que há maiores indícios do efeito substituição do que do efeito expropriação: enquanto direitos de voto e de fluxo de caixa dos controladores afetam negativamente a qualidade da governança corporativa, o excesso de direitos de voto não tem relação com o IQGC.