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Natureza dos principais acionistas e qualidade da governança corporativa

4.3 Efeito da estrutura de propriedade sobre a qualidade da governança

4.3.2 Natureza dos principais acionistas e qualidade da governança corporativa

Para se analisar a relação entre a natureza dos principais acionistas e a qualidade da governança corporativa foram utilizadas três proxies de estrutura de propriedade: a identidade do maior acionista votante, a identidade dos acionistas majoritários e a concentração de direitos de voto dos cinco maiores acionistas votantes segregada por tipo de acionista.

A Tabela 7 discrimina o IQGC pela identidade do principal acionista votante e do acionista majoritário, que detém mais de 50% das ações ordinárias.

Tabela 7 – Índice de qualidade da governança corporativa por identidade dos principais acionistas

Principais acionistas

Índice de Qualidade da Governança Corporativa Anova

N Média Desvio-

padrão Mínimo Máximo Valor F

Painel A – Maior acionista votante

Empresa comercial/industrial 104 0,5644 0,0990 0,3174 0,7745 17,246*** Empresa de participação 125 0,6288 0,0719 0,4810 0,8347 Instituição financeira 4 0,7147 0,0444 0,6496 0,7497 Família/pessoa física 29 0,5772 0,1157 0,2734 0,7100 Governo 40 0,5954 0,0661 0,4553 0,7097 Fundos de pensão 5 0,8247 0,0468 0,7440 0,8599 Outros investidores institucionais 28 0,6823 0,0821 0,4660 0,7975

Outros 5 0,7897 0,0868 0,6790 0,8823

Painel B – Acionista majoritário

Empresa comercial/industrial 62 0,5439 0,0749 0,3977 0,6934

7,812*** Empresa de participação 68 0,6083 0,0666 0,4810 0,7240

Família/pessoa física 4 0,5632 0,0227 0,5300 0,5799 Governo 39 0,5953 0,0670 0,4553 0,7097 Outros investidores institucionais 5 0,5472 0,0780 0,4660 0,6520 Sem acionista majoritário 162 0,6457 0,1102 0,2734 0,8823 - Nota:

*** Estatística significante a nível de 1%. Fonte: Dados da pesquisa (2014)

Os testes de Análise de Variância (ANOVA) indicam que há diferença no IQGC por identidade do principal acionista e do acionista majoritário. Em todos os grupos analisados percebe-se baixa variação no IQGC, e que as médias são maiores quando se considera o maior acionista votante do que quando são levados em consideração apenas as companhias em que há um acionista majoritário. O IQGC médio para as companhias com acionista majoritário é de 58,03%, menor do que o IQGC médio das companhias em que não há acionista majoritário, que é de 64,57%.

Destaca-se no painel A (Tabela 7) o elevado IQGC nas companhias em que o maior acionista votante é um fundo de pensão, cuja média é bem superior à das companhias em que outros investidores institucionais são os principais acionistas votantes. Por outro lado, os menores IQGC são de companhias em que o principal acionista é uma outra empresa comercial ou industrial, uma pessoa física ou um governo, todos abaixo do IQGC médio da amostra total. No painel B as maiores médias são das companhias que em que o acionista majoritário é uma empresa de participação ou um governo. Mais uma vez, a presença de outra empresa como acionista majoritário está associada à qualidade da governança corporativa inferior, assim como investidores institucionais que não são fundos de pensão.

Testes de correlação de Pearson entre o IQGC e a concentração de direitos de voto por identidade dos cinco maiores acionistas votantes (Apêndice G) indicam que há associação entre estes dois construtos. O IQGC apresenta associação positiva com as concentrações de direito de voto de empresas de participação e de fundos de pensão. Por outro lado, verificou-se associação negativa do IQGC com a concentração de direito de voto de empresas comerciais/industriais. As demais categorias de investidores não têm associação estatisticamente significante com o IQGC.

Quadro 7 – Natureza dos principais acionistas e qualidade da governança corporativa

Identidade do acionista

Relação com o Índice de Qualidade da Governança Corporativa Maior acionista votante Acionista majoritário Concentração de direitos de voto

Empresa não financeira Negativa(a) Negativa Negativa(a)

Empresa comercial/industrial Não significante Negativa Negativa Empresa de participação Não significante Negativa Não significante Instituição financeira Não significante - Não significante Família/pessoa física Negativa(a) Não significante Negativa(a)

Governo Negativa(a) Não significante Não significante(b)

Investidores institucionais Negativa Não significante Não significante Fundo de pensão Não significante - Não significante Outros investidores institucionais Não significante - Não significante

Referência (Apêndice E) Tabelas 41 e 42 Tabelas 43 e 44 Tabelas 45 e 46

Notas:

(a) Coeficiente significante na maior parte das estimações.

(b) Coeficiente significante e negativo em algumas estimações, sem consistência.

Fonte: Dados da pesquisa (2014)

No Quadro 7 são apresentadas as principais conclusões das estimações em que se analisou a relação entre a natureza dos principais acionistas e a qualidade da governança corporativa. Para os modelos em que as variáveis de estrutura de propriedade são o maior acionista votante e o acionista majoritário, os testes foram efetuados com a inclusão de variáveis

dummies para cada identidade do principal acionista, tendo como referência outros acionistas e companhias sem acionista majoritário, respectivamente para maior acionista votante e acionista majoritário. A concentração de direitos de voto foi operacionalizada com variáveis contínuas, sem a inclusão da categoria Outros.

As variáveis indicativas do maior acionista votante (Tabelas 41 e 42), em todas as estimações realizadas com as modelagens OLS e FGLS apresentaram relação negativa com o IQGC. Entretanto, quando se utilizou a modelagem GMM-SYS, os resultados mostraram-se consistentes apenas para companhias cujo maior acionista é uma pessoa física ou um ente governamental, com significância estatística em três das quatro estimações realizadas. Empresas não financeiras e investidores institucionais, embora tenham apresentado relação com o IQGC, não foi confirmada quando se utilizaram suas subcategorias (Tabela 42).

Ao analisar a identidade dos acionistas majoritários (Tabelas 43 e 44), observa-se que a presença de outra empresa como acionista majoritário está negativamente relacionada com a qualidade da governança corporativa, sendo válida tanto para empresa comercial/industrial, como para empresas de participação. Estes resultados se confirmaram em todas as estimações processadas. A presença de outros tipos de acionistas como majoritários não apresentaram significância estatística nas estimações com GMM-SYS.

Quanto à concentração de direitos de voto (Tabelas 45 e 46), empresas comerciais/industriais e pessoas físicas são os tipos de acionistas que estão mais relacionados à qualidade inferior da governança das companhias brasileiras, com coeficientes negativos em quase todas as estimações. A concentração de voto nas mãos de governos apresentou resultados inconsistentes, embora todos sinalizem uma relação negativa. Empresas de participação, instituições financeiras e investidores institucionais, incluindo fundos de pensão e outros investidores institucionais, só tiveram coeficientes significantes nas modelagens FGLS e OLS. A análise conjunta dos resultados sumarizados no Quadro 7 indica que a propriedade de grupos empresariais é a que está mais relacionada à não adesão de boas práticas de governança por parte das companhias brasileiras. Além de apresentar menor IQGC, conforme a Tabela 7, estão negativamente relacionados com o IQGC, principalmente no que tange à presença de acionista majoritário e à concentração de direitos de voto (Tabelas 41 a 44).

Embora seja um tipo de acionista pouco focado em estudos anteriores, Aguilera e Jackson (2003) já indicavam que grupos empresariais são investidores que podem ter interesses estratégicos, sobretudo em companhias em que detêm o controle, levando os gestores da companhia controlada a tomar decisões voltadas para os interesses particulares da empresa controladora. Entre os benefícios privados do controle que podem ser auferidos por grupos

empresariais, podem ser citadas vantagens pecuniárias, como preços de transferência abaixo do mercado, bem como não pecuniárias, como sinergias produtivas com a companhia controlada (BARCLAY; HOLDERNESS, 1989; DICK; ZINGALES, 2004). O controle sobre a gestão e os interesses estratégicos do investimento, então, podem ser as motivações para que grupos empresariais não estejam incentivando a melhoria da qualidade da governança de suas controladas.

Outro grupo de investidores que, no geral, está relacionado à qualidade inferior da governança corporativa são as pessoas físicas, embora que esta relação não seja tão forte quanto à encontrada com as empresas comerciais e industriais. Destaca-se que as pessoas físicas estão em posição majoritária em apenas quatro observações (Tabela 4), ou uma companhia, se considerar-se os quatro anos pesquisados, ao passo que são os principais acionistas votantes em aproximadamente sete companhias/ano (Tabela 3). Este comportamento pode indicar que estas pessoas que aparecem como maior acionista votante fazem parte de grupos familiares ou estão investindo em companhias com capital disperso, quando não há acionista controlador.

As empresas familiares são mais estudadas pela literatura, que geralmente aponta o controle familiar como associado à pior governança, seja por questões internas à família, seja pela sobreposição entre propriedade e gestão, que serve como substituto a outras práticas de governança (AGUILERA, DESENDER; CASTRO, 2011; IFC, 2009; KLEIN; SHAPIRO; YOUNG, 2005). Quando agem de forma isolada, geralmente pessoas físicas são insiders, tendo nas hipóteses do efeito substituição e da expropriação motivos para reduzir o monitoramento por meio de mecanismos formais de governança (CONNELLY et al., 2012).

A presença de governos como principais acionistas votantes, que ocorre apenas nas empresas estatais, também está negativamente relacionada com o IQGC. Por outro lado, quando se verifica a partir da existência de participações majoritárias governamentais, não se identificou relação com o IQGC. Deste modo, não se pode fazer maiores inferências sobre o efeito da propriedade governamental sobre a qualidade da governança das empresas estatais.

A propriedade governamental tem sido pouco abordada em pesquisas sobre governança corporativa (AGUILER; DESENDER; CASTRO, 2011), existindo argumentos para que empresas estatais tenham melhores estruturas de governança e razões pelas quais se espera que estas empresas não invistam em mecanismos formais de monitoramento e controle: se por um lado a necessidade de prestar contas à população é um incentivo para que governos melhorem a governança das empresas públicas (BORISOVA et al., 2012), por outro lado o risco de expropriação por parte dos gestores públicos e os interesses estratégicos dos investimentos governamentais podem motivar os governos a adotar estratégias de governança

diferentes das recomendadas pelos códigos de boa governança (AGUILERA, DESENDER; CASTRO, 2011;; SHEIFER; VISHINY; 1997).

Instituições financeiras, quando controladoras, podem utilizar-se de seus investimentos com interesses estratégicos, de forma similar a outros tipos de empresas (AGUILERA; JACKSON, 2003). Quando minoritárias, embora sejam investidores sofisticados, detêm informações privilegiadas sobre as companhias em que mantêm seus investimentos, o que pode reduzir seus esforços em melhorar a qualidade da governança da companhia investida (AGUILERA; DESENDER; CASTRO, 2011). Neste estudo, apenas cinco observações ou duas companhias têm como principal acionista votante uma instituição financeira, sendo que em nenhuma delas há um acionista majoritário. Os resultados apontam que não há relação entre a participação das instituições financeiras e a qualidade da governança corporativa. Do exposto, a sua pequena representatividade ou as outras formas de monitoramento que as instituições financeiras dispõem podem ajudar a compreender estes achados.

Quando se analisou a participação de investidores institucionais como principal acionista votante, sem considerar suas subclassificações, os resultados apontam relação negativa com o IQGC. Uma possível justificativa para este resultado é que muitos fundos de investimentos e fundações podem estar agindo como agentes de outros acionistas, fazendo parte de estruturas piramidais de controle. Deste modo, seus investimentos deixam de ter interesses meramente financeiros, passando a integrar as estratégias de seus controladores.

Os fundos de pensão, investidores institucionais que mais estariam relacionados à melhora da qualidade da governança corporativa por meio de diversas formas de ativismo (GUILLAN; STARKS, 1998; 2003; OECD, 2011; ROSSETTI; ANDRADE, 2012), foi o único grupo que não apresentou relação com o IQGC em nenhuma estimação realizada, embora as empresas em que são os principais acionistas tenham os melhores índices de qualidade da governança (Tabela 7). Por deterem ainda pequenas participações no capital votante das companhias, estes achados sugerem que seu poder de voz sobre a gestão ainda não é forte o suficiente para influenciar decisões estratégicas da companhia investida, como as práticas de governança adotadas. Aguilera, Desender e Castro (2011) ainda argumentam que os investidores institucionais podem seguir uma estratégia de investimento de curto prazo, sendo menos propensos a exercer um monitoramento ativo ou instigar mudanças significativas na dinâmica de governança corporativa das companhias em que investem.

Empresas de participação e alguns tipos classificados como investidores institucionais, como fundos de investimento e fundações, são entidades que ainda não foram

estudados pela literatura nacional de forma mais concreta. Embora sua participação acionária nas companhias seja expressiva e exista uma associação positiva entre a concentração de direitos de voto destes acionistas com o IQGC, os resultados das estimações não apresentaram consistência, tendo alguns coeficientes apontado relação negativa. Em uma análise qualitativa dos dados, observou-se que estas entidades são agentes de outros tipos de investidores, como uma forma de controle indireto. Desta forma, fez-se necessário analisar a identidade do acionista final destas empresas, o que é explanado na subseção 4.3.3.

De forma geral, os resultados apontam que a qualidade da governança corporativa das companhias brasileiras é influenciada pela natureza dos principais acionistas com direito a voto, sobretudo quando estes são grupos empresariais, pessoas físicas e governos. Os interesses estratégicos destes investidores e o maior controle que detêm sobre a gestão são possíveis justificativas para a relação negativa encontrada, indicando maior propensão ao efeito expropriação, uma vez que estes investidores podem estar utilizando o controle sobre a gestão para alcançar seus interesses particulares, em detrimento de uma melhor performance e da valorização da companhia. Por outro lado, o efeito substituição não pode ser descartado: o maior poder de controle pode ser utilizado por famílias e por empresas controladoras para monitorar a gestão, em substituição a outras práticas de governança. Já os investidores institucionais, de quem se espera maior ativismo, principalmente fundos de pensão, não parecem contribuir com a melhora da governança das companhias, do mesmo modo do que empresas de participação e instituições financeiras.