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2. LETRAMENTOS, MULTILETRAMENTOS E GÊNEROS LITERÁRIOS

2.1 Concepções de Letramento

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40 percepção de que só a apreensão do código linguístico, que faça com que o aluno leia e escreva não são suficientes na perspectiva da educação dos novos tempos.

E desse modo, os estudos avançados e as teorias mais inovadoras, tendo como pesquisadores Gerald (2003), Kleiman (1995), Soares (2003), trataram, no Brasil, de apresentar o termo letramento nas práticas cotidianas de professores, como uma mudança de paradigma na educação que precisa acontecer para trazer à escola mais do que o ensino do código linguístico, mas abranger contextos reais de aprendizagem que envolvem a sociedade.

O termo letramento surge da palavra “Literacy”. Soares (2003) afirma que a tradução desse termo procurou trazer uma nova abordagem para a alfabetização, com intuito de ressignificar práticas estanques de ensino, por modelos de aprendizagem mais próximos da realidade dos alunos. Tais situações envolvem questões como não valorizar apenas a codificação e a decodificação de palavras, e permitir que se envolva às atividades de escrita e de leitura permeadas por práticas sociais. Assim, Soares esclarece a etimologia da palavra

etimologicamente, a palavra literacy vem do latim litera (letra), com sufixo – cy, que denota qualidade, condição, estado, dado de ser (...). No Webster’s Dictionary, literacy tem a acepção de ‘the condition of being literate’, a condição de ser literate, e literate é definido como ‘educated; especially able to read and write’, educado, especialmente, capaz de ler e escrever. Ou seja, literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever. Implícita nesse conceito está à ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la (SOARES, 2009, p. 17).

Sendo assim, não é pertinente mais considerar apenas o indivíduoalfabetizado como sendo letrado, pois o conceito de letramento vai mais além do que propriamente as questões de alfabetização, que se dá com uma abrangência ainda restrita à aquisição do código linguístico de uma forma individual e através de mecanismos desenvolvidos no ambiente escolar.

Nesse contexto, Kleiman (1995) também destaca que o letramento, muito mais do que a alfabetização, consiste em formar os indivíduos para o pleno uso da leitura e da escrita em circunstâncias reais e na interação a partir das demandas sociais. As práticas de letramento são múltiplas e diversificadas, uma vez que leva em consideração as formas como os grupos integram a escrita e a leitura no seu cotidiano e, por outro lado, o processo de interpretação utilizado pelos sujeitos

de uma forma sumária, o evento de letramento busca descrever uma situação de interação mediada pelo texto escrito, enquanto as ―práticas de letramento‖ buscam estabelecer as relações desses eventos com algo mais amplo, numa dimensão cultural e social. ―Práticas de letramento, então, se referem a uma concepção cultural mais ampla de formas particulares de pensar de ler e de escrever em contextos culturais.‖ Elas incluem os modelos sociais de letramento utilizados pelos

41 participantes e os significados atribuídos aos eventos de letramento. (STREET, 1984, p. 73).

Com isso, têm-se os eventos de letramento, que são justamente práticas que perpassam as questões de leitura e de escrita de forma mecanizada, pois para esse viés o que vem a ser pertinente é o uso da leitura e da escrita em situações de interação na sociedade (SOARES, 2003). Pois, muitas vezes, o que se vê é que o letramento escolar desvaloriza algumas práticas em detrimento de outras, sendo que na escola há uma valorização de atividades, em sua maioria, individualizadas, além de considerar nessa recepção do texto o aluno apenas como passivo, numa espécie de abordagem enfatizada por Freire (2004), como uma educação bancária, em que o aluno recebe os conteúdos de forma passiva e unívoca, sem uma reflexão do contexto em que está inserido.

Tais práticas, segundo Street (1995, mencionado por Soares, 2003, p.107) também são chamadas de “pedagogização do letramento”, no qual o processo de leitura e de escrita na escola se apresentam como um letramento específico, associado à aprendizagem, bem diferente dos eventos de letramento nos quais os indivíduos se envolvem fora do ambiente escolar, pois tais eventos negam a neutralidade e trazem efeitos de sentido considerando as questões sociais, para além de um repasse monopolizado do saber. Nesse sentido, Soares (1998, p. 72. apud ROJO, 2009, p. 96), acrescenta “letramento não é pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais, é o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social”.

E por isso, o letramento é diferente de alfabetização ou de alfabetismo, pois o alfabetismo preza pelas questões de aprendizagem pautadas por conceitos formados, aprendidos na escola e que requerem dos alunos uma formação intelectual que os faça entender sobre conceitos mais complexos envolvendo a leitura e escrita, e o letramento, considera a leitura e escrita dentro das práticas sociais dos indivíduos.

No entanto, alfabetização e letramento andam juntos, uma prática não exime a outra, e por isso é preciso entender que ambos são processos diferenciados, mas que estão imbricados, são indissociáveis e simultâneos e se complementam dentro de um mesmo processo.

Se alfabetizar significa orientar a criança para o domínio da tecnologia da escrita, letrar significa levá-la ao exercício das práticas sociais de leitura e de escrita. Uma criança alfabetizada é uma criança que sabe ler e escrever; uma criança letrada (...) é uma criança que tem o hábito, as habilidades e até mesmo o prazer de leitura e de escrita de diferentes gêneros de textos (...). Alfabetizar letrando significa orientar a criança para aprender a ler e escrever levando-a a conviver com práticas reais de leituras e de escrita: substituindo as tradicionais e artificiais cartilhas por livros, por revistas, por jornais, enfim, pelo material de leitura que circula na escola e na sociedade, e criando situações que tornem necessárias e significativas práticas de produção de textos (Jornal do Brasil. Nov. 2000).

42 Para Freire (1996), é pertinente perceber o papel do educador, que deve não apenas prezar por conteúdos repassados de forma tradicional no ensino, mas sim incentivar os alunos a serem seres críticos e reflexivos socialmente, a pensar de forma certa, e a partir disso, os discentes poderão desempenhar práticas de leitura e de escrita de modo significativo. Ou seja, é um alfabetizar letrando, e observando as práticas necessárias da atualidade para inserir os alunos, já que se tem percebido que não contamos mais com um único perfil de aluno, mas sim com perfis diferenciados, e às práticas de ensino e de letramento também precisam acompanhar as demandas dos novos tempos, preparando os educandos para vivenciar atividades complexas na sociedade.

E para tanto, é necessário que a escola reveja suas práticas de leitura e de escrita, uma vez que na sociedade atual não basta apenas o aluno ler e escrever. No que diz respeito às sociedades complexas de difusão da informação em tempo real, é preciso que o letramento ganhe uma nova abrangência para “letramentos” no plural, decorrente dos avanços tecnológicos e das mudanças que estão ocorrendo na sociedade. Dessa forma, como afirma Rojo (2009, p. 119), para se trabalhar a leitura e a escrita hoje, “écrucial que a educação linguística focalize os usos e práticas de linguagem (múltiplas semioses), para produzir, compreender e responder a efeitos de sentido, em diferentes contextos e mídias”.

Os textos contemporâneos são compostos de muitas linguagens e exigem capacidades e práticas de compreensão e de produção de cada uma delas para fazer significar. As imagens, o áudio, o vídeo, as diagramações impregnam de significados os textos em ambiente digital.

Com isso atesta Rojo (2009, p. 118)

podemos dizer que trabalhar com a leitura e a escrita na escola hoje é muito mais que trabalhar com a alfabetização ou os alfabetismos; é trabalhar com os letramentos múltiplos, com as leituras na vida e a leitura na escola- e que os conceitos de gênero discursivos e suas esferas de circulação podem nos ajudar a organizar esses textos, eventos e práticas de letramento.

O trabalho com os múltiplos letramentos favorece a participação dos alunos, pois chama a atenção daqueles que são os chamados nativos digitais, por essa razão, é preciso incorporar no trabalho de sala de aula práticas de leitura e de escrita com múltiplos textos, permeados por outros espaços e com uma multimodalidade da linguagem para possibilitar essa aproximação sociedade-ensino e consequentemente promover um letramento mais amplo para os alunos. De acordo com Rojo (2012, p. 20), “trata-se de formar um sujeito funcional que tenha competência (saber fazer) nas ferramentas e práticas letradas que garantem uma formação de maneira integral”. E dessa forma está se possibilitando um letramento que não se

43 esgota na mera aquisição de informações ou que se dá de forma linear, mas práticas de letramento que tenham um viés de formação cidadã, pertinente para os novos tempos.