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2. LETRAMENTOS, MULTILETRAMENTOS E GÊNEROS LITERÁRIOS

2.6 Literatura negra com o livro “O Mundo no Black Power de Tayó” e “Contos e

58 apropriando-se das características do gênero e trazendo esse gênero efêmero para dentro de suas potencialidades de escrita criativa e colaborativa.

2.6 Literatura negra com o livro “O Mundo no Black Power de Tayó” e “Contos e

59 O livro contém 44 páginas que contam a história de Tayó, personagem principal. A menina tem 6 anos, é muito alegre e feliz por entender a sua cultura e ancestralidade com a devida importância que ela possui. Tayó também esbanja um cabelo Black Power e essa é sem dúvidas, a sua marca, porque é nos cabelos que Tayó projeta a ancestralidade do seu povo, e em várias passagens do livro, ela afirma que carrega o mundo e as riquezas de sua terra nos cabelos.

Essa situação de deslumbramento pelos cabelos, foi proposital da autora kiusam de Oliveira, pois o cabelo Black Power até pouco tempo não era bem visto ou aceito por uma sociedade altamente racista, pois sabemos que até mesmo o estudo do termo Black Power nos remete a lutas por garantia de respeito ao formato do cabelo, sendo seu significado “poder negro”.

Inicialmente, o termo Black Power, desenvolvido por Stive Biko, foi pensado como a “Consciência Negra”, tempos depois o termo foi utilizado para falar de Poder Negro, eis que surge os Black Panters (Panteras Negras) falando de: “Para o povo, pelo povo, e com o povo, todo poder para o povo”, o poder conquistado diariamente através da luta (OLIVEIRA, 2019, p. 1-2).

Desse modo, o fato de apresentar a personagem Tayó com o cabelo Black Power e a valorização desse penteado, proporciona para o leitor além de representatividade para aqueles que também têm o mesmo formato de cabelo, como fator importante a ser tratado na literatura, outra possibilidade de enxergar e se informar sobre o tema, pertinente para a desconstrução da ignorância que muitos ainda têm sobre o estudo da cultura africana e afro-brasileiras, um entendimento do assunto de uma forma leve e positiva.

Assim, Tayó traz com muita leveza a potencialidade dos seus ancestrais, ela valoriza a sua cultura e convida os leitores a também a se deixarem deslumbrar pela cultura de margem africana que tem muito a nos ensinar. Com isso, faz-se uma reflexão de que o conteúdo tratado no livro não é uma história comovente e de sofrimento como geralmente acontece nos livros que tratam sobre personagens negros, não é por esse viés, Tayó nos convida a imaginar às belezas da sua cultura africana e permite que às crianças de sua cor se sintam representadas nas passagens dos livros e também às crianças brancas conheçam essa menina de alma potente. Tal perspectiva vem de encontro ao que Martins e Cosson (2008) asseveram sobre o tratado com personagens negros que reafirma a autoestima de pessoas que possui esse mesmo fenótipo e traz uma nova vertente para o tratamento com personagens negros

A posição de personagens periféricas é trocada pela de protagonista e o negro, antes infantilizado, assume o comando de sua vida. A caracterização corporal passa a ser dignificada, e a sensualidade exacerbada perde espaço para conflitos psicológicos, entre outros aspectos, de uma estética de identidade comprometida com a representação do negro (MARTINS; COSSON, 2008, p. 59).

60 Sendo essa uma vertente importante para trabalhar no espaço de sala de aula, uma literatura que aguça a sensibilidade nos educandos, além de proporcionar empatia e representatividade, questões para as quais a escola contemporânea precisa estar atenta, até mesmo na escolha das obras a serem lidas com os alunos, com intuito de diminuir práticas racistas que ainda se tornam latentes, e cumprir o que está previsto em lei sobre a obrigatoriedade do ensino da cultura africana e afro-brasileira nas escolas.

Nesse sentido, tratando-se do contexto escola, é oportuno trabalhar essa obra no espaço educacional como forma de desmistificar a vertente de uma história única sobre os africanos, passada para os alunos, pois o que se sabe desses povos é sobre sua escravização, como se esses não tivessem uma cultura e por isso os casos de preconceito pela cor da pele ainda perduram.

Assim, não diferente do que acontece hoje na escola, a personagem Tayó também é vítima de racismo na escola, devido a sua cor e o formato do cabelo Black Power, no entanto, a menina não se intimida com as provocações dadas ao seu cabelo tratado pelos colegas de sala como “ruim”, Tayó logo rebate atestando que “meu cabelo é muito bom porque é fofo, lindo e cheiroso. Vocês estão com dor de cotovelo, porque não podem carregar o mundo nos cabelos como eu posso” (OLIVEIRA, 2013, p. 27).

Tal vertente de encantamento está presente em todo livro, além de um conteúdo marcante. No final da obra, se encontra um Glossário que explica de maneira altamente didática sobre expressões próprias da cultura africana, uma parte do livro que pode ser muito bem explorada para entendimento da cultura africana de grande valia para o conhecimento e também para dissipar situações estereotipadas dessa cultura.

Além disso toda a obra é ilustrada pela artista Taisa Borges, o que enche os olhos, tratando da multimodalidade da língua, um recurso fascinante para o trabalho com o público infantil e juvenil, devido a chamar atenção dos alunos com as ilustrações, com imagens marcantes da cultura africana, que nos deixam uma ponte para reflexão. Assim também como imagens belíssimas da personagem Tayó, valorizando seus traços negroides, como o nariz, formato de sua boca e do seu cabelo, com toda sua beleza. Sendo essa uma forma de literatura que promove o que a autora Kiusam de Oliveira destaca “uma literatura de cura ao preconceito”.

61 2.6.2 Contos e minicontos africanos

O livro Contos e minicontos Africanos3 de organização da professora Daiane Katiuscia4 é um livro com um apanhado de contos e minicontos escritos pelos alunos dessa mesma professora, tendo por intuito o combate à prática de racismo no espaço educacional.

O livro consiste em um projeto da professora, que trata sobre as questões de gênero e também sobre a diversidade cultural. Transformando os dizeres de seus alunos em um E-book com esses minicontos e também um livro materializado pela editora Pindorama, que acatou essa iniciativa nobre e transformou às histórias desses alunos em escritos de denúncia e de encantamento sobre a cultura africana, que agora materializados oportunizam a outras pessoas o deslumbramento dessa leitura. A organizadora do livro, Rocha (2021) atesta que

na voz dos meus alunos, chocada com um mundo que tanto oprime, ofende, seleciona e descarta, lanço mão das palavras como arma de combate ao preconceito.

Toda voz ecoada na dor silenciada é transformada em reconto. Nestes eles falam sobre amor, amizade, luta, desafio, escravidão, superação, sonhos, respeito e conquista. Com os pés no chão minhas palavras voam longe em busca de uma educação sem racismo.

Desse modo, o livro “Contos e Minicontos Africanos” foi trazido para essa pesquisa como forma de tratar o contexto da cultura afro-brasileira e questões de racismo com uma

3 Livro de organização da professora Daiane Katiuscia, com contos e minicontos, voltados para a temática da cultura africana e afro-brasileira, explorando situações de racismo e também a valorização do povo. O E-book

está disponível para Downloads no site:

http://www.editorapindorama.com.br/livros/contos_e_minicontos_africanos/index.html. Acesso em: 09 de ago.

de 2021.

4A professora Daiane Katiuscia é bacharel em Comunicação Social, licenciada em Pedagogia e Letras e especialista em educação especial e educação à distância. Desenvolve projetos em artes, educação e tecnologia associada ao incentivo e ao comportamento e adesão de práticas sustentáveis em escolas públicas voltadas à discussão de questões relacionadas à gênero, direitos humanos, ações afirmativas e etnia nas escolas, como projetos voltados para a conscientização de práticas antirracistas no espaço escolar. Desse modo, a professora é integrante de um projeto, que resultou na criação do E-book, Contos e Minicontos Africanos. Tal livro é um projeto de intervenção da docente juntamente com seus alunos, que elaboraram minicontos ou microcontos, relacionados ao racismo, lutas dos africanos, e também valorização da cultura negra. Hoje seu livro está disponível de forma impressa, graças a editora Pindorama, mas também pode ser acessado de forma gratuita por qualquer interessado no E-book em espaço digital. Leitura que vale a pena ser apresentada aos alunos, tendo seu valor para a comunidade escolar.

62 literatura que abordasse essa perspectiva de uma maneira próxima dos alunos com faixa etária entre 10 e 11 anos, e para tanto o livro foi uma descoberta que chamou atenção para ser trabalhado com o público infanto-juvenil com uma linguagem próxima aos alunos, sendo esse um livro que desperta para uma tomada de consciência sobre várias questões subjetivas, além de uma literatura antirracista.

Pois tratam-se de histórias com muitas vozes, são os alunos protagonistas de seus próprios dizeres e que ao final se tornam um livro com bastante significado no que concerne o combate ao preconceito, e o alcance da empatia para com o próximo e ao respeito mútuo entre os alunos.

Tal narrativa muito contribui para ser trabalhada na sala de aula, pois traz uma nova vertente sobre a literatura, uma nova forma de leitura que pode despertar a curiosidade e fazer os alunos refletirem sobre pautas sociais importantes como a do racismo.

Além disso, um material que tem condições de chamar mais a atenção dos discentes por se tratar de uma escrita também de alunos, e não uma escrita distante em moldes canônicos e que pouco se aproximaria dos dizeres dos alunos reais, que estão nos bancos das salas de aulas também reais e que sofrem com o preconceito racial.

O problema das escolas, muitas vezes, é afastar os alunos de leituras literárias próximas à sua realidade, por considerá-las não aptas para o ensino, por não serem canônicas ou bem vistas pelos literatas. No entanto, o material de cunho popular e construído em projetos de letramento precisa ter um alcance mais amplo até como forma de incentivar a leitura e a escrita dos alunos, de uma maneira mais próxima da sua realidade.

E por essa razão o E-book de Contos e Minicontos Africanos foi uma escolha pertinente, neles estão presentes as mais diversificadas falas referentes à cultura africana e afro-brasileira, um misto de histórias, sobre preconceito, realização de sonhos, princesas negras e castelos na África, escravização, e cultura africana, que levam os sujeitos em formação leitora a um conhecimento integral por meio das vozes desses alunos que representam o “chão” da escola pública, as vozes de resistência que precisam de espaço.

Nesse projeto, a professora Daiane Katiuscia ousou em propor a escrita de um gênero pouco trabalhado na escola, que são os minicontos, e por isso é relevante esse trabalho por apresentar a capacidade dos alunos em escrever um gênero pouco comum, e mais para se transformar em um E-book, ou seja um livro digital, que pode ser baixado por qualquer leitor interessado nesse projeto que emancipa os alunos e os tornam protagonistas do ato de escrita autoral.

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