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3. O RACISMO NO ESPAÇO ESCOLAR

3.3. O ensino da cultura afro-brasileira na escola e a formação dos professores

A inserção da obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira e africana no Brasil é um dado recente, ela surgiu em janeiro de 2003, nas diretrizes nacionais para a educação.

Sendo seu parecer regulamentado na lei 10.639/2003 que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica.

Porém, leis sozinhas não bastam, nessa luta o papel do docente é fundamental. O professor deve possuir informações, formação, discernimento e sensibilidade sobre a

68 situação da realidade racial e social no país para contribuir na superação do preconceito e discriminação (BRASIL. MEC, 1997, p. 4).

A decisão por essa obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira e negra é uma decisão política e, para tanto, chega à escola com fortes pressões pedagógicas para os professores, pois será mesmo que todos os docentes estão preparados para abordar de forma crítica e reflexiva à temática da diversidade cultural. Pois essa medida, além de garantir ao negro vagas nos bancos escolares, ela também oferece o direito de que sua história, e ancestralidade sejam tratados de modo coerente, buscando reparar os danos que foram causados a esses povos por mais de três séculos.

É um equívoco pensar que a história de margem africana se restringe apenas para o povo negro, ao contrário, essa história diz respeito a todos os brasileiros e por isso ela precisa ser difundida e passada de forma séria e reflexiva para todos, uma vez que a educação tem o papel de educar para formação cidadã em uma sociedade multicultural e pluriétnica, em busca de uma sociedade mais democrática (BRASIL, 2005).

As diretrizes nacionais da educação buscam apresentar ao corpo escolar que o negro de fato foi inserido na história do Brasil a partir da questão do tráfico negreiro e da mão de obra escrava, mas esses indivíduos trouxeram consigo uma bagagem cultural vasta e importante, que não pode ser desconsiderada quando se fala em um ensino voltado para a práxis libertadora, proporcionando diariamente um ensino que paute a história da cultura africana de modo valorativo, que esse estudo venha a ser contemplado pelo currículo.

E para tanto, é necessário considerar práticas de ensino que abordem as contribuições da cultura negra na sociedade brasileira, e sem dúvida assumir essa responsabilidade implica compromisso com os profissionais que trabalham na escola, ou seja, com a formação continuada para o trato com as temáticas que abordam a cultura africana e afro-brasileira.

Assim, é pertinente que o professor tenha acesso a formações continuadas para de fato terem subsídios em suas aulas para tratamento significativo do tema, pois a maioria dos professores não foram preparados nos cursos de formação para tratarem com o tema da diversidade cultural. Para Rocha (2008, p. 57)

esse redimensionamento da perspectiva causou, evidentemente, uma enorme inquietação no meio educacional, uma vez que a Lei obriga a introdução de novos conteúdos e uma nova perspectiva. A prática docente e a formação inicial e continuada de professores e, por conseguinte, o currículo exige revisão de modo a adequarem-se às demandas legais e à satisfação da orientação pela inclusão – tônica da política educacional brasileira dos últimos anos.

Além da pregressa formação dos professores com relação à abordagem da cultura africana, esses também têm uma certa resistência a desprenderem-se de sua formação inicial,

69 em que a maioria dos professores, ao terem uma devida formação, se restringem ao seu campo de atuação sem se permitirem a inovação, ou até mesmo permearem por outras áreas do saber.

Segundo Coelho (2008, p. 113)

a licenciatura, no Brasil, conhece um tipo de formação peculiar: a formação é dividida em dois conjuntos de conhecimentos: o conhecimento específico da área escolhida pelo licenciado e o conhecimento próprio do fazer docente. Via de regra, esse princípio se materializa nos currículos dos cursos de licenciatura: a maior parte deles concentra-se no aprendizado da área específica – seja ela Artes, Letras, Biologia, História ou Matemática – oferecido pelo próprio curso; a formação docente, porém, ocupa parte reduzida do currículo ( as ampliações recentemente introduzidas ocorreram à revelia dos cursos de licenciatura introduzidas pelo Ministério da Educação) e é ministrada, tradicionalmente, pelos cursos de pedagogias.

Nesse sentido, os professores em sua maioria se restringem ao arcabouço teórico que foi visto em sua licenciatura e, por isso mesmo em sala de aula se deparando com práticas preconceituosas não se atentam para problematizar o caso, preferem utilizar medidas paliativas que pouco vem a surtir efeito. Dado que a falta de reflexão sobre o racismo na escola é em alguns casos o despreparo dos docentes, que por diversos motivos como falta de tempo para formações continuadas, acabam por não priorizar pautas sociais como a do racismo em suas aulas, e seguem com os conteúdos estabelecidos pelo programa escolar, deixando de lado temas relevantes para os educandos, e com isso se abre uma margem para algumas situações racistas que podem passar despercebidas pela falta de informações sobre o caso.

Com isso, ainda é relevante destacar que na maioria das instituições, a temática da diversidade cultural é uma abordagem que deve ser responsabilidade do professor de literatura, artes e história, e que os outros docentes não precisam estar envolvidos no trato com essa abordagem, o que vem a enfraquecer ainda mais o conceito de inclusão da diversidade.

A escola não é formada apenas por esse quadro de professores que se propõem a trabalhar o tema, todo o corpo docente deve se apropriar da história da cultura africana e estar disponível a levar tais conhecimentos aos alunos, assim a coordenação, a direção e toda a comunidade escolar precisam se propor a formações continuadas que contemplem a temática da diversidade para um tratamento mais democrático no espaço escolar. Rocha (2008, p. 58), afirma que

considerando a Escola como o espaço na qual estereótipos, preconceitos e práticas discriminatórias são desconstruídas. Ela reúne instrumentos pedagógico que viabilizam esse propósito a partir da reflexão dos profissionais que a compõem.

Docentes e técnicos podem “pôr abaixo” grande parte dos entraves interpostos às populações afrodescendentes que as impedem de viver plenamente a cidadania. A

70 apresentação positiva da História e da cultura dessas populações é uma das estratégias a serem colocadas em práticas de modo efetivo e consecutivo.

As atitudes de preconceito na sociedade não vão deixar de existir, é um fato que temos que apresentar, pois temos uma história de preconceito perpetuada por séculos e que tem suas raízes bem fixadas na mente das pessoas. No entanto, a educação pode trazer subsídios para amenizar o racismo, o debate e a problematização bem fundamentados podem ser um viés para libertação do preconceito, entendendo a história do negro a partir de uma vertente de valorização, e não só em dias específicos, datas simbólicas com pretensas de folclorizar esse estudo, não seria esse o caminho, mas sim o reconhecimento da diversidade como um fator gerador de novas posturas. Para Munanga (2005, p.17)

não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes preconceituosas e que existem nas cabeças das pessoas (....). No entanto, cremos que a Educação é capaz de dar tanto aos jovens quanto aos adultos a possibilidade de questionar e de desconstruir os mitos de superioridade e de inferioridade entre grupos humanos que foram socializados (...) não temos dúvidas que a transformação de nossas cabeças de professores é uma tarefa preliminar importantíssima. Essa transformação fará de nós os verdadeiros educadores, capazes de contribuir no processo de construção de individualidades históricas e culturais das populações que formam a matriz plural do povo e da sociedade brasileira.

E com isso, é preciso que a escola e o corpo docente estejam atentos ao tratamento da diversidade cultural, como forma de promover uma educação aos alunos que perpasse a mera reprodução de informações, mas uma educação que se comprometa em preparar os discentes para lidar com a diversidade, sabendo que somos formados por um multiculturalismo. Pois é na infância que a criança está desenvolvendo seu cognitivo e emocional, então é passível de absorver certas posturas preconceituosas ouvidas por adultos, e por isso à escola deve tratar das questões antirracistas com materiais apropriados para que os alunos venham a reconhecer a diferença de forma positiva.

Nesse sentido, é perceptível que os materiais que lidam com a diversidade ainda trazem uma perspectiva equivocada. As histórias lidas para crianças em sua maioria trazem uma princesa branca e de olhos azuis como protagonista o que enfatiza mais ainda uma visão eurocêntrica de sobreposição da cultura branca. Por vezes, quando se trata de um material com personagens negros, o que se vem a apresentar é uma história de sofrimento e inferioridade desses povos. Ribeiro (2019, p.24), reitera em sua fala

O mundo apresentado na escola era o dos brancos, no qual as culturas europeias eram vistas como superiores, o ideal a ser seguido. Eu reparava que minhas colegas brancas não precisavam pensar o lugar social da branquitude, pois eram vistas como normais: a errada era eu. Crianças negras não podem ignorar as violências cotidianas, enquanto as brancas, ao enxergarem o mundo a partir de seus lugares sociais que é um lugar de privilégio acabam acreditando que esse é o único mundo possível.

71 Por isso é necessário que a escola repense as práticas de ensino voltadas apenas para uma cultura de prestígio, e para tanto, são necessários formação e sensibilização para não manter uma linha de privilégio que seja restrita apenas a uma parte dos alunos, mas uma educação e promoção de conhecimentos que versem sobre a diversidade e as práticas antirracistas.

Paulo Freire (2005) é um autor que contribui para o pensamento de uma educação de moldes antirracistas. O teórico traz o homem como um ser incompleto e em constante processo de formação, ou seja, um professor que educa por meio do diálogo e escuta do outro, e tais práticas geram uma nova forma de chegar até os educandos.

Não mais educador do educando, não mais educando do educador, mas educador-educando com educador-educando-educador. Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado também educa (FREIRE, 2005, p. 78-79).

Desse modo, preconiza-se não por hierarquias de educador e educando, mas ambos sujeitos do processo de aprender, e aprender para uma consciência da diferença, defendendo uma educação que tenha por moldes o respeito à diversidade, consistindo assim em uma educação para a formação de um cidadão crítico e reflexivo.

Nesse sentido, seguimos a descrição da pesquisa, com o próximo capítulo, que apresenta os aspectos metodológicos de como ocorreu a coleta dos dados e os procedimentos analíticos.

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