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2. LETRAMENTOS, MULTILETRAMENTOS E GÊNEROS LITERÁRIOS

2.5 Do conto ao Miniconto

51 ensino tradicional, o que evidencia ainda mais o fracasso da disciplina. Porém, é preciso ousar nos materiais literários para fornecer uma formação leitora necessária para o alunado, os novos tempos carecem de novas metodologias para a formação literária dos educandos.

52 Seguindo essa linha de pensamento, têm-se uma divisão dos gêneros do discurso como forma de apresentar a heterogeneidade da composição dos enunciados, e desse mesmo modo os diferentes momentos em que esses gêneros são utilizados e sua apreensão. São eles os gêneros primários, que consistem nas conversas convencionais do dia a dia, conversas com colegas, familiares, mensagens informais, no WhatsApp, entre outras situações. Além desses, ainda se têm os gêneros secundários, sendo esses mais elaborados e complexos, que exigem uma certa formalidade, como a carta, o romance, os artigos científicos, documentos oficiais, etc. E para cada contexto previsto nas nossas interações sociais escolhemos um gênero que se adequa para o fim determinado e planejado pelo falante.

Mediante os pressupostos teóricos abordados, elencamos o conto e o miniconto para tratar com mais ênfase nesse trabalho. Sabendo que tais gêneros são secundários, e para sua escrita no espaço escolar, precisam de um desenvolvimento organizado com a linguagem para aquisição das competências de escrita dessas duas modalidades.

E por isso, a escola apresenta esses gêneros secundários com mais ênfase para o alunado, tratando de ampliar seu letramento e formação leitora. Com isso, Pinto (2010) reitera com relação à aquisição das competências com os gêneros discursivos que

uma das metas da escola consiste, então, em ajudar os alunos, numa situação determinada, a adaptar-se às características do contexto, a mobilizar modelos discursivos, a dominar as operações psicolinguísticas, a reconhecer e usar as unidades linguísticas. Isso significa que nas situações escolares, os alunos desenvolvem capacidades de utilizar, adequadamente, os gêneros de acordo com as situações de comunicação em que estiverem inseridos (PINTO, 2010, p. 54).

Enfatizamos aqui a questão do gênero conto e miniconto, como gêneros literários em constante mutação e para isso é necessário observar como se dá a produção desses para entender seu modelo discursivo atual.

A começar pela perspectiva do conto, nas palavras de Soares (1993), o conto se dá como uma narrativa curta, muitos até confundem o conto com a novela, no entanto, esse se diferencia do romance e da novela pela sua estrutura e também por conta do tamanho

Ao invés de representar o desenvolvimento ou o corte na vida das personagens, visando a abarcar a totalidade, o conto aparece como uma amostragem, como um flagrante ou instantâneo, pelo que vemos registrado literariamente um episódio singular e representativo (SOARES, 1993, p. 54).

Para ratificar o exposto, Cortázar (1999) ainda acrescenta sobre o conto, comparando o gênero com um fotógrafo devido ao olhar atento que ambos apresentam em sua abordagem quando se trata de um lance da vida

o fotógrafo e o contista se veem obrigados a escolher e limitar uma imagem ou um acontecimento que sejam significativos, que não apenas tenham valor em si mesmos, mas que sejam capazes de funcionar no expectador ou no leitor como uma

53 espécie de abertura, de fermento que projeta a inteligência e a sensibilidade em direção a algo que chega muito mais longe do que o espírito visual ou literário do conto (CORTÁZAR, 1999, p. 351).

Esse espírito descrito por Cortázar (1999) é justamente as peculiaridades do conto, suas nuances com relação à estrutura de escrita, ele sai do limite daquilo que é individual, daquilo que é percebido pelo olhar do contista e entra em uma vertente coletiva de representação dos sentimentos e da sensibilidade.

Para tanto, ainda com relação às diferenças entre o conto e o romance, é fato que o conto não possui uma análise minuciosa, nem seu enredo elabora tramas tão complicadas ou até mesmo uma delimitação mais enfática de tempo e de espaço. Magalhães (1972) atesta que o conto não tem por pretensão explicar de uma forma detalhada a vida ou o caráter dos personagens, o conto antes de tudo é uma narrativa breve ou relativamente longa que narra uma história obedecendo as características e as nuances do próprio gênero, de objetividade, concisão, tratando de um episódio da vida humana, enaltecendo seus conflitos.

Para Abaurre (2007), a composição do gênero também se faz de maneira compacta, apresenta o narrador, os personagens, o enredo, o espaço e o tempo. A partir disso, a narrativa é criada sem que os conflitos se deem de uma forma aprofundada, pelo contrário, são pequenos conflitos, dado que o tamanho da narrativa também não se configura como extenso.

Então, tal produção traz um recorte de um momento da vida, e por isso ainda é pertinente destacar que há uma diferença estrutural entre o conto, o romance e a novela, devido justamente o gênero conto possuir uma concisão na narrativa, ou seja, prezar por uma brevidade.

Seguindo essa linha de pensamento, Abaurre (2007) ainda destaca que o conto segue uma narrativa determinada e que ao longo dessa narrativa acontece um conflito que desestabiliza o cenário atual, e o desenrolar da história tem o objetivo de buscar soluções para o enfrentamento desse mesmo conflito, sendo esse justamente o foco da narrativa.

O conto não tem pretensões de narrar apenas acontecimentos atuais ou no tempo presente, como faz as novelas e os romances, ele não se preocupa com o tempo, mas sim com ato de ficcionar, não se preocupando apenas com o acontecido, conforme Gotlib (1990, p. 12)

“não tem compromisso com o evento real. Nele, realidade e ficção não têm limites precisos.

[...] A esta altura, não importa averiguar se há verdade ou falsidade: o que existe é já a ficção, a arte de inventar um modo de se representar algo.”

54 Dessa forma, há alguns tipos de conto, como afirma Costa (2008), os contos de humor, fantásticos, psicológicos, sombrios, cômicos religiosos, entre outros, a distinção deles vai ser justamente os efeitos que causa no leitor, as sensações ao tomar a leitura das narrativas.

Os leitores de contos são geralmente pessoas que querem encontrar nessas narrativas um espaço para refletir sobre a realidade, pois esse gênero aborda justamente os acontecimentos diários, transposto de uma forma leve e que prende a atenção de quem os leem, por isso na maioria das vezes esses textos se configuram como um escape para os leitores que querem se deleitar com uma leitura agradável, que por ser também uma leitura curta, própria dos tempos efêmeros e que chama mais a atenção dos interessados por essa leitura.

Para tanto, na contemporaneidade já contamos com outra abordagem do conto, ainda mais concisa e própria do contexto atual, que são os minicontos, uma versão ampliada do gênero conto que está no gosto das pessoas principalmente por se tratar de uma leitura que tem um espaço virtual mais abrangente, permeado pela tecnologia, próprio dos tempos vigentes.

Os gêneros do discurso têm suas características de mutabilidades, conforme a necessidade e a demanda dos tempos, com o gênero miniconto podemos observar essas minucias de mutabilidade do discurso literário, e tais situações são características das potencialidades do discurso, segundo Bakhtin (2011) mudam conforme as necessidades comunicativas dos falantes, veremos essa abordagem de mutação do gênero discursivo no tópico que segue.

2.5.2 O Miniconto no espaço escolar

O gênero miniconto teve seu início em 1959 com o guatemalense Augusto Monterroso, que escreveu o famoso miniconto “O dinossauro” que ficou mundialmente conhecido como o menor conto escrito. No Brasil, essa abordagem se deu com Dalton Trevisan, em 1994. Já em 2004, os minicontos ganharam um destaque a mais com a obra “Os cem menores contos do século”, organizado por Marcelino Freire.

Nesse sentido, o miniconto teve sua acessão ainda no século XX, mas foi no século XXI que esse gênero teve grandes repercussões e aos poucos garantindo um público consumidor, principalmente devido às grandes transformações tecnológicas, deixando os

55 conteúdos da rede mais acessíveis, e lá estavam presentes os minicontos, sendo que esse formato de texto foi o que mais acompanhou as inovações dos últimos tempos.

Na contemporaneidade, esse gênero tem ganhado seu espaço como uma abordagem à parte do conto, uma versão bem menor. Sua popularidade se dá principalmente por leitores virtuais, pois é muito comum encontrar esses textos em blogs e alguns sites, próprios dos tempos contemporâneos. Porém, o fato do tamanho da narrativa não influencia seu conteúdo, tendo em vista que os minicontos ganham o gosto popular justamente devido à significância que possui esses textos que, por mais que sejam concisos, chamam a atenção do leitor.

Os minicontos podem ser de uma página, mas a sua estrutura permite textos até mesmo de uma linha. Essa tendência é fruto da modernidade, mas até mesmo antes um pouco era forte a produção de minicontos, chamados de escrita voltada para o minimalismo.

A fluidez e a rapidez das informações, a redução do texto para uma informação fácil e acessível caíram no gosto das pessoas e nos espaços virtuais que muito chama a atenção dos leitores dos novos tempos, que procuram a informação de maneira rápida e atrativa, e por isso o miniconto, pode ser uma leitura bem aceita no espaço escolar, por ser uma modalidade textual mais próxima do contexto dos leitores atuais. Por isso, faz-se necessário também a observação de novas manifestações culturais, ou seja, de novos gêneros emergentes. Diante de tal contexto, Capaverde (2004, p.33-34) assevera

[...] pode-se considerar que o miniconto seria uma modalidade do conto, porém tendo em sua identidade um pertencimento marginal ao conto, já que ele habita a margem do gênero e inaugura um diálogo com as linguagens multimídia e hipertextual. [...] Podemos pensar, portanto, que o miniconto, ao mesmo tempo em que se encontra à margem das formas convencionais do conto, está no centro das novas manifestações literárias da escritura contemporânea quando a nova ordem é minificar todas as formas de comunicação, congregando, através da condensação, o visual e o textual, o instantâneo e o narrativo, abordando o tempo e o espaço sob dois diferentes aspectos em um mesmo objeto da arte.

Nesse sentido, mesmo se tratando de um texto considerado por Bakhtin (2011) como gênero secundário, aquele que precisa de uma complexidade maior para ser apreendido, o miniconto se assemelha muito a perspectiva dos gêneros primários, pela sua forma de escrita, que não requer uma escrita tão voltada para aspectos formais, mas que tem peculiaridades nos discursos mais informais do cotidiano, e por isso chama atenção dos leitores.

Ainda no aspecto formal e descritivo do miniconto, mesmo sendo um texto pequeno não quer dizer que seu conteúdo seja reduzido ou tenha pouca importância e significância na narrativa, pois se constitui como a narrativa de um conto tradicional. Spalding (2008, p. 61) afirma que “o miniconto é uma narrativa plenamente satisfatória em si mesma e não mero

56 fragmento, anedota, apontamentos ou alusão”. Assim, o miniconto é um resultado literário de formas concisas de expressão que os tempos modernos nos colocam.

Com isso, os temas tratados pelos minicontos são diversos, mas o que tem dado relevância a esse gênero é justamente a forma como trata os temas atuais presentes na sociedade dando um realce desde temas sociais, a também temas bucólicos, dada a efemeridade dos tempos, e também leituras rápidas do desejo dos leitores modernos. Mas a brevidade descrita sobre o miniconto não faz com que esse gênero perca o seu caráter de tratar de um conflito que aguça a sensibilidade e a curiosidade do leitor, mesmo sendo um texto conciso em sua estruturação.

Mesmo sendo uma narrativa breve, tem sua significância plena nos atos que ali serão descritos, e o interlocutor atento aos detalhes da narrativa, perceberá um narrador, e automaticamente observará o desenrolar da trama, o espaço e todas as características pertencentes a esse gênero, ainda que de forma concisa. A esse respeito destaca Martins (2011, p. 275)

textos concisos que possuem intensa significação e narratividade, e que fogem do convencional, os microcontos apresentam diálogo ininterrupto com o contemporâneo e as novas tecnologias. O discurso é sucinto, um recorte cirúrgico no tumultuado cotidiano do final do século XX e deste início do XXI, o que provoca inquietação no leitor e o exige na coautoria.

Os minicontos têm esse papel de manter uma ligação com o leitor, de aguçar a sua imaginação, permitindo que ele delineie o caminho da narrativa, para desenvolver potenciais de imaginação, ativar os conhecimentos de mundo, as emoções, e a criatividade dos leitores envolvidos na trama.

A BNCC, documento que trata das diretrizes da educação básica, apresenta o miniconto como um gênero emergente para ser trabalhado na educação como forma também de inserir os alunos na diversidade de textos vinculados à Web, ou seja, são outras formas de leitura, que chamam atenção dos alunos, visto que hoje estão cada vez mais habituados a realizarem leituras em espaços digitais.

E dessa mesma forma, além da leitura também o estímulo à produção desse gênero, que sendo permeado pelas ferramentas digitais (proposta dessa pesquisa) pode ser um potencial agregador para atividades colaborativas em meios digitais, que trata de novas práticas de uso da linguagem a partir das tecnologias.

Nesse sentido, cabe ao professor, trazer para uma abordagem em sala de aula gêneros textuais emergentes, a exemplo dos minicontos, que mesmo se tratando de uma narrativa curta possui um rico acervo de significados, que pode favorecer o gosto dos alunos na produção,

57 levando em consideração as práticas colaborativas. E nesse caso, a produção de narrativas como o miniconto é uma forma de promover a escrita autoral dos alunos, com perspectivas de aguçar sua criatividade e potencialidade de trabalho em conjunto, vivenciando confrontos de ideias em busca de melhorias para o momento da produção, sendo assim, a BNCC (2018, p.

185) destaca que

Criar contos ou crônicas (em especial, líricas), crônicas visuais, minicontos, narrativas de aventura e de ficção científica, dentre outros, com temáticas próprias ao gênero, usando os conhecimentos sobre os constituintes estruturais e recursos expressivos típicos dos gêneros narrativos pretendidos, e, no caso de produção em grupo, ferramentas de escrita colaborativa.

Por isso, o trabalho com o gênero miniconto é uma estratégia para atrair o gosto do aluno pela leitura, devido a sua forma brevíssima já ser um atrativo, bem como o local onde esse texto pode ser encontrado que geralmente são nos meios digitais em blogs e sites, e tais meios já fazem parte da vida de boa parte dos adolescentes, que também se utilizam desses, e porque não oportunizar a leitura de minicontos como uma abordagem de leitura literária mais propícia para o alunado. Gonzaga (2007, p. 33) reitera

Fruto da aceleração dos tempos modernos, de um novo contexto de leitura fundado pela fragmentação do próprio tempo dedicado à leitura com a explosão dos multimeios, da impossibilidade de totalização ficcional da vida da pressa e da escassez dos tempos dedicados à leitura, lido aos bocados nas horas vagas e em contato com aparelhos eletrônicos, do esgotamento das formas tradicionais, especialmente do romance ou fruto das possibilidades inéditas que os escritores vem descobrindo quando posto frente a concisão extrema da forma (muitas antologias são programadas com limites de palavras), a produção de minicontos vem aumentando cada vez mais seu espaço dentro do universo da literatura contemporânea, conquistando, nas últimas décadas, uma difusão inédita para o gênero. Inúmeras já são as edições em papel, dando suporte a um fenômeno que se desenvolveu, em boa parte das vezes, longe dos interesses das casas editoriais, principalmente em concursos, antologias impressas em pequenas triagens, e-zines, sites pessoais, blogues e outras possibilidades eletrônicas.

Portanto, diante desse novo gênero repleto de possibilidades e de significância em seu conteúdo, não podemos centrar a pedagogia da literatura apenas nos clássicos ou nos cânones renomados, não seria essa observação em uma posição extrema a retirada do cânone da sala de aula, mas aliar essa nova forma de tratar o texto às condições de produção contemporânea, como observar as potencialidades desse gênero inovador.

Essa inserção de gêneros emergentes, contemporâneos e com grande teor significativo, modifica o paradigma de conteúdos apenas de maneira engessada e traz uma nova abordagem para a escola, que trata de uma literatura mais próxima dos alunos, pois essa em suportes digitais, próprias do seu cotidiano, dando a esses oportunidade de ler narrativas curtas e que impactam o leitor, e também proporcionar a esses a criação de suas próprias narrativas,

58 apropriando-se das características do gênero e trazendo esse gênero efêmero para dentro de suas potencialidades de escrita criativa e colaborativa.

2.6 Literatura negra com o livro “O Mundo no Black Power de Tayó” e “Contos e