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Conclusão sobre os resultados das redes

Neste subitem apresentam-se os comentários sobre a relação dos resultados com a afirmativa orientadora da pesquisa de que, diante das incertezas ambientais e comportamentais, os atores de uma rede criam regras como se fossem sistemas de defesa, para evitar os efeitos das incertezas ambientais; e regras sobre sistemas de controles e incentivos para exercer algum grau de controle nas incertezas comportamentais, oferecendo a resposta ao problema de pesquisa.

Verificando a ocorrência de todos os indicadores nas duas redes construiu-se o Quadro 10, que indica as convergências completas, isto é, quando determinado indicador de incerteza levou ao mesmo indicador de governança nas duas redes.

Quadro 10 - Apresentação dos indicadores de incertezas e de governança relacional presentes nas entrevistas das redes investigadas (ASSCAVAG e Shopping Popular) que obtiveram convergência completa.

Indicadores de incerteza Indicadores de governança 1.3.2 (possíveis mudanças comerciais e seus

efeitos no grupo)

3.9.1 (ações/tarefas para conseguir apoio financeiro ou de infraestrutura do governo, do

mercado e da sociedade) 1.3.3 (possíveis mudanças nas leis que

possam afetar o grupo)

3.9.1 (ações/tarefas para conseguir apoio financeiro ou de infraestrutura do governo, do

mercado e da sociedade) 2.1 (a ética e a conduta correta conforme as

regras do grupo)

3.6.1 (existência de algum controle ou alguma forma de vigilância do comportamento do outro) 2.2 (o comprometimento dos parceiros que

integram o grupo)

3.7.1 (existência de gratificações, interna ao grupo, para a permanência dos integrantes do

grupo) 2.3 (os objetivos individuais, dos parceiros

que integram o grupo, conflitantes com os coletivos)

3.2.1 (coordenação do grupo se dá por todos do grupo)

Fonte: Construído pela autora, 2017.

A convergência completa significa a valorização dos mesmos indicadores de incertezas e as mesmas soluções presentes nos indicadores de governança. Pode-se supor que as duas redes seguiram processos de construção social semelhantes.

O Quadro 11 mostra as situações de convergência parcial, isto é, o mesmo indicador de incerteza que leva à diferentes soluções de governança.

Quadro 11 - Apresentação dos indicadores de incertezas e de governança relacional presentes nas entrevistas das redes investigadas (ASSCAVAG e Shopping Popular) que obtiveram convergência parcial.

Indicadores de incerteza Indicadores de governança 1.3.2 (possíveis mudanças

comerciais e seus efeitos no grupo)

3.4.1 (a coordenação se dá por uma comissão eleita por todos) 3.9.1 (ações/tarefas para apoio financeiro ou de infraestrutura do

governo, do mercado e da sociedade)

2.1 (a ética e a conduta correta conforme as regras

do grupo)

3.2.1 (coordenação e controle das atividades do grupo se dá por todos do grupo)

3.2.2 (existe uma rotina de encontro para criação e ajustes das regras do grupo)

3.4.1 (a coordenação das atividades se dá por uma comissão eleita por todos)

3.5.2 (existência de regras para eleger pessoas que tem autoridade) 3.8.2 (regras e/ou ações para conseguir legalização)

3.7.1 (existência de gratificações, interna ao grupo, para a permanência dos integrantes do grupo)

2.2 (o comprometimento dos parceiros que integram

o grupo)

3.2.1 (a coordenação e o controle das atividades do grupo se dão por todos do grupo)

3.2.2 (existe uma rotina de encontro para criação e ajustes das regras do grupo)

3.5.1 (existência de regras para eleger pessoas que representam e gerenciam o grupo)

3.8.1 (regras e/ou ações para reconhecimento do governo, do mercado e da sociedade)

2.3 (os objetivos individuais, dos parceiros

que integram o grupo, conflitantes com os

coletivos)

3.2.1 (coordenação do grupo se dá por todos do grupo) 3.2.2 (modo de decisão das regras do grupo)

4.4.2 (existência de casos de falhas quanto ao cumprimento de algumas regras)

2.6 (disposição de arcar com os custos coletivos)

3.4 (existência de uma comissão que decide)

3.6.1 (existência de algum controle ou alguma forma de vigilância do comportamento do outro)

Fonte: Construído pela autora, 2017.

O quadro retrata que as incertezas comuns nas duas redes podem seguir caminhos distintos de construção da governança. Uma possível interpretação pode estar relacionada ao fato de uma rede estar voltada para a economia solidária e outra

para questões de negócios, com diferentes interesses, necessidades e objetivos. Essas diferenças levam os líderes de cada grupo a tomarem decisões conforme o interesse coletivo.

Sobre as divergências de resultado da pesquisa foram considerados os indicadores encontrados apenas em uma das redes. Como exemplo, pode-se citar os indicadores de incerteza ambiental: 1.1 (a relação entre o crescimento econômico da região e sua influência no grupo), 1.2 (a relação entre futuras tecnologias), 1.3.1 (as mudanças políticas e sua influência no grupo), 1.5 (as ações dos movimentos dos concorrentes e sua influência no grupo), 1.6 (desejos, demanda, necessidades e comportamento dos consumidores e sua influência no grupo); os indicadores de incerteza comportamental: 2.4 (o comportamento comercial oportunista dos parceiros), 2.5 (a intenção dos parceiros de continuidade no grupo) e 2.7 (ações que possam comprometer a saúde e integridade dos parceiros); e indicadores de governança relacional: 3.5.1 (existência de regras para eleger pessoas que representam e gerenciam o grupo), 3.5.2 (existência de regras para eleger pessoas que têm autoridade), 3.6.2 (existência de regras de controle e de combate aos comportamentos oportunistas) e 4.4.2 (existência de casos de falhas quanto ao cumprimento de algumas regras).

A interpretação para essa divergência é que as duas redes seguem histórias e objetivos distintos, sofrem pressões legais e ambientais diferentes (como leis de sustentabilidade, ou leis antipirataria). Por exemplo, a rede de economia solidária apresenta incertezas relacionadas às políticas ambientais do governo, enquanto que a rede da qual o Shopping Popular participa, tem incertezas econômicas sobre impostos e produtos importados.

Pode-se afirmar ainda que a rede de material reciclável, considerando o ator ASSCAVAG, tem foco nos associados, com o objetivo social de possibilitar uma melhoria na qualidade de vida e no bem-estar desses associados. Secundariamente, existe também a preocupação ambiental, até mesmo pelo fato de tratar-se de algo institucional, ou seja, de regras e ações que auxiliam diretamente na consciência sobre o meio ambiente. Na rede de negócios do Shopping Popular de Cuiabá, o foco é voltado para os clientes do local, a maior parte das medidas tomadas é para atrair os consumidores até o shopping e garantir a satisfação desses consumidores, buscando seu retorno e propaganda. Secundariamente, a associação do Shopping Popular se preocupa em manter uma imagem idônea do shopping para que isso não

os prejudique como já foi no passado, quando eram conhecidos como contrabandistas.

Finalmente, sobre os indicadores ausentes, são eles: indicadores de incerteza ambiental 1.4 (incertezas sobre as ações dos fornecedores e sua influência no grupo) e 1.7 (incertezas sobre as mudanças ambientais e climáticas e sua influência no negócio ou na tarefa); e os indicadores de governança relacional 3.1.1 (regras de restrição de acesso às informações do grupo para aqueles que não fazem parte do grupo), 3.1.2 (dependendo da informação, existem restrições para uma parte dos integrantes do grupo), 3.3.1 (existência de regras sobre a definição de função ou atribuição de cada um desse grupo) e 3.7.2 (existência de gratificações, externa ao grupo, para a permanência dos integrantes do grupo).

Podem-se seguir duas linhas de interpretação: (a) existem falhas nos descritores dos indicadores, exigindo uma replicação, ou avaliação técnica; (b) de fato, nessas duas redes, não se valorizam os temas constantes nos indicadores. Por exemplo, mudanças ambientais e climáticas podem não ter importância numa rede de varejo, ou em rotinas de reciclabilidade.

Enfim, o fato de as análises intraorganizacionais oferecerem mais exemplos de governança relacional que as análises interorganizacionais pode ser interpretado a partir da formalização de cada rede. A rede interorganizacional da qual a ASSCAVAG faz parte compõe planos e projetos do governo, tornando as regras menos flexíveis. Além disso, essa rede conta com atores, como grandes empresas, que desenvolvem ações sociais e, por questões de controle dessas ações, criam contratos com regras para serem obedecidas, sob pena de suspensão dos financiamentos, o que caracteriza uma rede interorganizacional formalizada, com pouca margem para negociação. Seguindo nessa mesma linha, a rede interorganizacional da qual o Shopping Popular faz parte também possui sua formalização, fundada em regras de comércio de varejo, controle de pirataria, leis de segurança e higiene no local, entre outras. No entanto, diferente da rede anterior, aqui existiram casos de negociações e acordos entre os atores. Assim, a afirmativa encontrou mais sustentação nas análises intraorganizacionais, sugerindo discussão no capítulo de comentários finais.

6. COMENTÁRIOS FINAIS

A proposta desta dissertação foi verificar, em pesquisas de campo, a interface entre incertezas e governança nas redes, buscando identificar os sinais de governança relacional que contribuíram para prevenir e defender a rede dos efeitos das incertezas ambientais e para exercer algum grau de controle nas incertezas do comportamento dos indivíduos. O motivo do questionamento é o fato de as redes estarem inseridas em ambientes de constantes modificações, sejam comerciais, políticas, sociais, sejam comportamentais; valorizando o papel da governança relacional na condução do grupo.

Definiu-se governança relacional como uma perspectiva do contrato relacional criado pelo grupo, ela é analisada a partir de um contrato que surge por meios sociais e relacionais (GRANDORI; 2006). Ainda sobre a categoria governança relacional, importa citar o trabalho de Blois e Ivens (2005) que argumentou existir escalas que buscaram unir relacionamento e regras, mas a escala não estava claramente configurada para fenômenos de redes.

Este estudo trouxe algumas contribuições. Uma delas é a contribuição teórica pelo fato de se tentar criar correspondência entre a categoria governança relacional com as incertezas ambientais e comportamentais. A revisão bibliográfica indicou que são raros os trabalhos que relacionam essa conexão, mas a tarefa é justificada tendo em vista a importância das incertezas nos rumos das redes e das organizações que a compõem. Um dos motivos da raridade pode ser a dificuldade operacional em criar os sinais indicadores das categorias, mas a revisão bibliográfica indicou a importância da investigação dessa relação.

Essa raridade trouxe também a dificuldade de se utilizarem indicadores validados para as duas categorias. Foi necessário um trabalho de adaptação e até de criação de indicadores, o que, por um lado, constitui uma contribuição metodológica importante e, por outro lado, coloca a necessidade de replicação de pesquisas, para verificar a operacionalidade e validade dos indicadores.

A revisão bibliográfica indicou que existem trabalhos sobre incertezas, sem aprofundar a resposta das empresas (por exemplo, análises clássicas de ameaças e oportunidades) e trabalhos sobre governança, que investigam sua função e resultados, sem aprofundar sobre a origem das regras. Assim, pesquisar a interface da governança relacional com as incertezas configura uma pesquisa de importante

validade, haja vista que as regras constituem a base de organização e estruturação das redes e as incertezas, sem dúvida, configuram um problema presente em todas as redes. Logo, partindo da afirmativa de que a governança e a incerteza são pontos que influenciam a criação e o desenvolvimento das redes, surgiu daí a decisão de pesquisar essa correspondência e contribuir com o avanço do conhecimento científico.

Foram encontrados autores que escreveram sobre a existência de ligação entre a governança e incertezas, como por exemplo Jones et al. (1997) que afirmam que as relações entre os parceiros podem reduzir a incerteza comportamental. O modelo sistêmico, mostrado na Figura 1, indica o circuito de encontros para resolver problemas comuns e a construção social de regras sobre esses problemas. Provan e Kenis (2008) afirmam que a incerteza nos relacionamentos tende a diminuir à medida que a governança da rede se desenvolve.

A raridade de trabalhos publicados no âmbito acadêmico abordando essa correspondência foi um elemento a mais na motivação de investigar o tema. A análise dos dados deu sustentação à afirmativa de correspondência entre as duas categorias. As duas redes se defrontaram com incertezas ambientais e comportamentais e criaram mecanismos para lidar com essas incertezas.

Pode-se afirmar, então, que este estudo tratou de um tema pouco investigado, mas que é importante, já que as teorias de ação coletiva afirmam que um grupo se une para resolver problemas comuns. A pesquisa obteve dados que sustentaram a correspondência afirmada, com vários exemplos de adaptações e inovações de regras nas duas redes, com o propósito explícito de se prevenirem, ou exercerem algum controle nas incertezas. Como exemplo pode-se citar a incerteza dos lojistas do Shopping Popular em continuar ou não trabalhando naquele lugar e esse problema é motivo de organização entre eles e pressão política sobre a prefeitura. O exemplo evidencia que as incertezas podem unir o grupo o qual cria regras para se prevenir ou para exercer algum controle nas incertezas. Outro exemplo é na rede intraorganizacional da ASSCAVAG que busca criar regras de controle do comportamento inadequado de algumas pessoas, em função de sua origem e história. O trabalho trouxe evidências, fatos que mostram que essa relação entre incertezas e governança relacional deve ser estudada, gerando trabalhos que podem contribuir na produção de novos conhecimentos.

A contribuição metodológica do trabalho é a apresentação do quadro de indicadores, com uma sistematização e agrupamento de categorias que se encontram dispersas na literatura. Essa criação, presença e análise dos indicadores não foram encontradas na literatura brasileira.

Uma contribuição gerencial do trabalho é a possiblidade de implementação de ações por parte dos gestores das redes para que desenvolvam as relações interpessoais. Conforme a literatura acadêmica, as organizações necessitam de um processo de coordenação pautado em acordos sociais, os quais são possíveis a partir do entendimento no grupo. O presente trabalho pode auxiliar os gerentes e tomadores de decisão a atentarem para a governança do seu grupo, suas origens e funções.

A escolha das categorias incertezas e governança relacional se deram através de levantamento bibliográfico em dois portais de busca, o Proquest e o Scielo. Em ambos pode-se verificar que são raros os trabalhos que relacionam as incertezas do ambiente e do comportamento com a governança relacional.

Um ponto crítico do trabalho foi a construção dos instrumentos de coleta, visto que não se encontrou na literatura algo que servisse de base ou modelo para a proposta desta pesquisa. O quadro de indicadores construído para nortear a pesquisa se mostrou competente para a coleta e a análise dos dados das duas redes.

Sobre a proposição orientadora deste trabalho - de que diante das incertezas ambientais e comportamentais os atores de uma rede criam regras como se fossem sistemas de defesa, para evitar os efeitos das incertezas ambientais; e regras sobre sistemas de controles e incentivos para exercer algum grau de controle nas incertezas comportamentais -, afirma-se que ela se mantém parcialmente visto que os dados coletados manifestaram essa sustentação apenas no nível intraorganizacional das redes.