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Em 1931, como apontou Vito Giannotti, com a criação do Ministério do Trabalho e a edição da Lei da Sindicalização, o Estado passou a controlar e a “criar” sindicatos oficiais em todo o país253. É nesse contexto que se insere o surgimento dos sindicatos joinvilenses. Em 1931, foi fundada a Aliança dos Trabalhadores em Construção Civil e em seguida surgem os Sindicatos dos Trabalhadores em Olarias, Metalúrgicos, Gráficos, Operários e Empregados em Moinhos, Sindicato das Oficinas Mecânicas, Sindicato dos Estivadores e Sindicato dos Trabalhadores em Massas Alimentícias.

A historiografia sobre Joinville durante muito tempo pouco se referiu aos sindicatos da cidade. Apolinário Ternes, historiador e jornalista que publicou diversos trabalhos sobre Joinville, foi categórico em relação ao tema, afirmando que a falta de organização operária na cidade, ajudaria a explicar seu desenvolvimento industrial. Em seu livro

História Econômica de Joinville, Ternes assim se expressou:

Outra faceta decisiva para a evolução industrial e econômica de Joinville, acompanhando a realidade nacional determinada pelo autoritarismo, foi o asfixiamento da luta operária por melhores salários e condições de trabalho, através da emasculação do papel dos sindicatos. Aqui, da mesma perduraram as lideranças sindicais atreladas ao discurso autoritário, não ocorrendo ainda o processo de renovação que já rapidamente se registrou nos centros operários mais expressivos, muito especialmente na região do ABC paulista254.

O trabalho de Ternes, publicado na década de 1980, também tentou esclarecer as razões pelas quais a organização de movimentos grevistas em Joinville seria um “fenômeno raro”, o autor identificou dois motivos principais:

253 GIANNOTTI, Vito. Cem anos de luta operária. Petrópolis: Vozes, 1988.

[...] a visão mais esclarecida do empresário, que procura estabelecer condições de trabalho mais dignas e humanas a seus operários; uma política de formação de mão-de-obra, com reflexos naturais nos salários, esclarecida e atualizada; e o diálogo permanente com os colaboradores, que é um traço cultural da elite empresarial quer alemã quanto luso-brasileira. O diálogo, contudo, muitas vezes não foi suficiente e o período anterior a 1964 registra a eclosão de movimentos de paralisação de significativa representatividade, inclusive sob o comando de lideranças sindicais ou políticas, de esquerda, relativamente entrosadas com o sentimento reivindicatório operário. E é preciso dizer, ainda, que o Brasil como um todo, vivia a psicose da greve, como, aliás, chegou a se reeditar nos meses imediatamente posteriores à abertura política, na presente década. Este efeito psicológico de contágio grevista também ocorreu em Joinville, com a eclosão de greve em importantes empresas locais. No momento, todavia, operários e empresários se reciclam com vistas aos novos tempos de democracia e negociação.

Em Joinville, porém, perdura o modelo sindicalista corporativo fascista, que vigiu [sic] em todo o país durante os anos de repressão255. Os excertos acima envolvem toda a análise de Ternes em relação a sindicatos e à organização operária da cidade. O Círculo Operário e o integralismo em Joinville não aparecem nos trabalhos do historiador. Recentemente, outros autores buscaram investigar a organização dos trabalhadores na cidade. Giane Maria de Souza, por exemplo, focalizou em seu trabalho a ideologia do autoritarismo estadonovista em Joinville. A autora analisou os sindicatos da cidade durante o período do Estado Novo como instrumentos educativos. De acordo com Giane de Souza: “as entidades sindicais transformaram-se em aparelhos difusores da pedagogia do trabalho disciplinado e do capital honesto”256.

255 Ibid., p. 203.

O Arquivo Histórico de Joinville abriga um conjunto de documentos relacionados às atividades de alguns desses sindicatos. A documentação consiste em livros de atas, livros-caixa, correspondências e documentos avulsos referentes a processos trabalhistas. Um nome aparece em diversos desses documentos: Conrado de Mira. Não por coincidência, Conrado de Mira foi o nome dado ao conjunto de documentação referente a sindicatos do arquivo municipal. Toda a documentação do “Fundo Conrado de Mira” foi cedida ao Arquivo Histórico pela família do sindicalista, que a manteve sob sua posse durante décadas.

Entre a documentação estão também processos que o próprio Conrado de Mira moveu contra os sindicatos dos quais foi funcionário. Nesses processos ele alegava ter direitos trabalhistas a receber. Mira recebeu salário de todos os sindicatos em que trabalhou simultaneamente, inclusive quando exerceu atividades na comissão de finanças do Círculo Operário de Joinville. Os processos trabalhistas eram uma das especialidades de Conrado de Mira, que cuidava pessoalmente das reclamações levadas aos sindicatos, o que explica a grande quantidade de documentos dessa espécie sob sua posse.

Das três personalidades estudadas nesta pesquisa, Conrado de Mira é o personagem que deixou mais lacunas não preenchidas. A contradição se encontra justamente no fato de ele ter sido entre os três, o que apresentou a mais extensa vida pública em Joinville. No entanto, é também o personagem menos popular fora do seu campo de influência. Aristides Largura e Alberto Kolb tiveram suas atividades altamente expostas pela imprensa.

Conrado de Mira exerceu intensa liderança e influência entre os trabalhadores sindicalizados, mas, ao que tudo indica, não conseguiu ter o mesmo apelo popular que o prefeito integralista ou o padre Kolb. Embora tenha conseguido ser eleito vereador por um mandato, não alcançou o cargo de prefeito para o qual também se candidatou. Além disso, depois de se afastar das entidades sindicais e passar a mover processos contra elas, Mira enfrentou o julgamento das novas lideranças sindicais. Em um dos processos encontrados, Conrado de Mira foi chamado por um dos novos dirigentes de o “conde do sindicalismo de Joinville”.

Não é uma tarefa simples entender a forma como Conrado de Mira conseguiu se projetar como liderança sindical na cidade, situação na qual se manteve por quase quatro décadas. Diferentemente de Largura e Kolb, Mira trabalhou nos bastidores das entidades nas quais manteve vínculo, esteve menos exposto às críticas da imprensa em

comparação ao líder integralista e tampouco escreveu cadernos de memórias.

Conrado de Mira foi apenas mais um entre os 166 operários que assinaram a ata de fundação da Aliança dos Trabalhadores em Construção Civil de Joinville, em 17 de novembro de 1931257. Porém, poucos anos depois, exercia a função de “secretário” simultaneamente em diversos sindicatos da cidade. Ao que tudo indica, o cargo de “secretário” seria uma espécie de assessoria política que Mira prestava àquelas entidades. Embora redigisse reclamações trabalhistas e representasse os sindicatos de Joinville em eventos e atividades fora da cidade, sua função não eliminava os serviços dos advogados e contadores. Os salários de Mira normalmente representavam as maiores despesas dos sindicatos, apesar da carga horária reduzida que dispunha para atender a todas as entidades, incluindo o Círculo Operário, onde também foi funcionário. Funcionário registrado dos sindicatos de Joinville, de 1939 a 1976, na carteira de trabalho de Conrado de Mira está registrada também sua admissão na fábrica de móveis “Reu e Cia” em 1935 e demissão em 1939, mesmo ano em que foi registrado como funcionário do Sindicato da Construção Civil.