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O projeto conservador católico brasileiro seguiu cuidadosamente os princípios da encíclica Rerum Novarum, publicada em 1891, pelo papa Leão XIII. No entanto, de acordo com Damião Duque de Farias, a encíclica não teve aplicação imediata no Brasil, ficando praticamente esquecida131. A razão para o temporário abandono deve-se, entre outros fatores, ao afastamento entre igreja católica e Estado brasileiro desde a Proclamação da República. Além disso, a hierarquia católica brasileira passava por uma fase de mudanças institucionais propriamente religiosas, o que absorveu esforços, impedindo um trabalho específico em relação à questão social.

Outro motivo sugerido pelo autor para explicar a demora na aplicação da encíclica seria a rudimentar industrialização, associada ao incipiente desenvolvimento urbano brasileiro na ocasião de sua publicação. Desse modo, a igreja passou a se preocupar mais efetivamente em interferir na condição operária, quando essa passou a dar sinais de crescimento numérico e de maior autonomia. Uma das primeiras experiências por parte da igreja católica de intervenção institucional na organização dos operários foi através da tentativa de criação de uma rede de sindicatos católicos. Esse projeto, no entanto, não se concretizou, pois apesar de aprovado na Constituinte de 1934, o princípio da pluralidade sindical não foi colocado em prática.

Como demonstrou a pesquisa de Damião de Farias, embora a igreja católica se posicionasse contra a instauração do sindicato único, isso não significava uma posição doutrinária. Segundo o autor, havia espaço para negociação. Setores da hierarquia católica afirmavam que diante de um “Estado Forte” e da “Organização Social Corporativa” não se posicionariam contra esse modelo de sindicalismo, apesar de impedirem as pretensões de criação do sindicalismo católico132. Mesmo

porque o impedimento do pluralismo sindical atrapalhava

principalmente os setores à esquerda do movimento operário.

Diante do impedimento na implantação dos sindicatos católicos, uma das soluções encontradas para a inserção no meio operário veio do Rio Grande do Sul. Naquele estado, o padre Leopoldo Brentano e o arcebispo D. João Becker desenvolveram o modelo dos

131 FARIAS, op. cit., 1998, p. 184. 132 Ibid., p. 188, nota 3.

Círculos Operários. A primeira entidade circulista foi criada em Pelotas, em 1932, e no ano seguinte já era reconhecida pelo Governo Provisório como sendo entidade de “utilidade pública”. Naquele ano, o Círculo Operário Católico de Pelotas já contava com 3.000 sócios e 10 sindicatos filiados e reconhecidos pelo Ministério do Trabalho133. Em 1935, o Círculo de Pelotas registrava o número de 10.000 associados. Além de Pelotas, foram instalados Círculos em várias cidades do interior e também na capital gaúcha, onde rivalizavam com entidades de orientação esquerdista, como a Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS).

Após quatro anos da criação do primeiro Círculo, havia sido formada uma federação e realizado um congresso para discutir os rumos da entidade e de sua difusão para outros estados. A pesquisa de Damião de Farias revelou que o padre Brentano reconhecia que a escolha do local de instalação dos Círculos era decidida de modo que se pudesse competir em influência com os sindicatos de tendências socialistas ou anarquistas. O padre descreveu em entrevista ao jornal O Legendário, como no caso da capital gaúcha conseguiu superar a Federação Operária:

Sentimos a necessidade da organização circulista na Capital. Fomos chamados para lá, tendo iniciado o movimento em janeiro de 1934. Os comunistas dominavam o operariado pela Federação Operária e seu semanário marxista. Organizamos os Núcleos Circulistas nos bairros e os Círculos Operários no interior solapando assim o prestígio da Federação. A luta levou quase 2 anos. Resultado: foi fechada a federação e o jornal, tendo os Círculos Operários fundado, em fins de 1935, a Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul. Operou-se grande metamorfose no ambiente operário. Fundamos muitos sindicatos. A Inspetoria do Trabalho nos favoreceu o trabalho134.

A entidade católica soube aproveitar o momento de crise pelo qual a Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS) passava, devido à forte repressão policial que seus movimentos grevistas sofriam.

133 DIEHL, op. cit., 1990, p. 57. 134 FARIAS, op. cit., 1998, p. 190.

Aliado a isso, os decretos do Ministério do Trabalho em relação à sindicalização abreviavam as possibilidades de atuação entre o operariado. Após a decretação da Lei de Sindicalização, em 1931, a FORGS precisou se reorganizar para continuar existindo. Isso levou, entre outros problemas, à disputa entre as lideranças da entidade, e, consequentemente, ao seu enfraquecimento.

O resultado dessa situação, de acordo com Astor Antônio Diehl, foi o amortecimento gradativo da FORGS, contrastando com o rápido fortalecimento do movimento circulista. A FORGS alinhou seu programa ao do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e chegou a indicar candidatos para as eleições de 1934. Porém, a série de greves deflagradas levou ao fechamento da Federação. Essa experiência demonstrou que os Círculos cumpriam a disposição da igreja católica de persecução a qualquer organização operária que apontasse tendências à esquerda ou anarquistas. Ao afirmar que a Inspetoria do Trabalho “favoreceu o trabalho”, padre Brentano também evidenciou que a aproximação da instituição católica junto ao Estado estava se concretizando em forma de favorecimentos.

A instalação do Círculo na capital gaúcha foi realizada com planejamento e estudo da realidade social, como demonstrou o trabalho de Astor A. Diehl. Além de se beneficiar da crise pela qual a FORGS passava, ao ser convidado pelo arcebispo de Porto Alegre, D. João Becker, e pelo presidente da Ação Católica, Frederico Dahne, padre Brentano elaborou uma espécie de “plano de ação”, que contava com uma detalhada exposição dos fins e objetivos da criação dos Círculos, além de cronograma de instalação dos núcleos circulistas nos bairros de Porto Alegre.

Diferentemente da experiência em Pelotas, no caso da capital gaúcha, o padre decidiu criar, ao invés de um Círculo Operário, diversos núcleos espalhados pelos bairros. Seu objetivo com esse plano era lotear os principais bairros e vilas operárias e, assim, “criar um cerco circulista”, anulando a organização de comunistas e anarquistas entre a classe trabalhadora. Em 1934, foram instalados cinco núcleos e no ano seguinte mais dez. Esses números extrapolaram o plano inicial do padre, o que evidencia o sucesso de sua obra. Vinte anos após a instalação do primeiro núcleo, a cidade já contava com trinta e sete entidades espalhadas por seus bairros135.

135 DIEHL, op. cit., 1990, p. 65.