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A década de 1920 é constantemente apresentada como um período que abrigou anos de crise e transformação política e econômica, tanto no contexto mundial, quanto no cenário nacional. A ascensão do autoritarismo na Europa, o sucesso da revolução comunista russa, o Movimento Tenentista, a fundação do Partido Comunista Brasileiro e a Semana de Arte Moderna de 1922 são exemplos de eventos que abalaram o mundo e o Brasil.

O surgimento de Estados autoritários ocorreu em um contexto em que se observava uma desconexão entre as propostas dos intelectuais liberais e a realidade da economia capitalista cada vez mais oligopolizada. Conforme observou Astor Diehl, a igreja católica através da análise da chamada “questão social”, ainda no final do século XIX, procurou demonstrar as falhas de ordem “moral” e de “competência” dos problemas decorridos da relação capital-trabalho125. Para solucionar esse problema deveria ser criada uma nova ideologia que se adaptasse à realidade do capitalismo. A posição da igreja frente à “questão social” foi assinalada na encíclica Rerum Novarum do papa Leão XIII, em 1891. Em 1931, a encíclica Quadragesimo Anno ratificou algumas daquelas posições. De acordo com Astor Diehl, a Rerum Novarum sistematizou as críticas da igreja frente ao modelo liberal:

[...] por permitir que se criassem esferas sociais pauperizadas, pontos favoráveis á eclosão e desenvolvimento da “revolução proletária”. Portanto, ante a ineficácia do Estado a igreja toma a si a pauta de motivar o Estado para que ele assumisse a tarefa de solucionar o problema social, toma posições definidas como forma de não ficar marginalizado do processo histórico. Porém, a ausência do Estado e a crescente proliferação da organização socialista, traduz na

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Res non verba, isto é: fatos, não palavras. Foi a expressão mais usada por padre Kolb para justificar suas ações, especialmente nos momentos de crise.

125 DIEHL, Astor Antonio. Os círculos operários: um projeto sócio-político da Igreja Católica

igreja a responsabilidade de educar a elite capitalista e promover a organização operária dentro de uma perspectiva mutualista, assistencialista e corporativa126.

Nessa concepção, o liberalismo teria deixado a sociedade desamparada para resolver seus problemas, ao mesmo tempo em que permitiu à igreja abertura para a sua atuação. Conforme Diehl, a igreja católica lançou um projeto “cristianizador para o capitalismo”, através da orientação de associações, partidos e sindicatos.

No Brasil, foi a partir da década de 1920 que ocorreu de forma intensa o processo de urbanização e industrialização da sociedade e a consequente mobilização de grupos sociais até então excluídos do poder. Nesse contexto, o clero brasileiro desenvolveu a chamada eclesiologia do Corpo Místico de Cristo através da “Ação Católica”, que foi a expressão do catolicismo nacional nesse período.

Alceu Amoroso Lima, presidente da Liga Eleitoral Católica (LEC) que trabalhou para desvincular a igreja católica dos partidos, dizia que à igreja competiria “os destinos espirituais e metafísicos do povo brasileiro”127. Entre os anos de 1932 e 1934, Alceu Amoroso Lima discutiu a questão social e a plataforma dos candidatos na Constituinte. Seria nesse sentido que os grupos católicos poderiam intervir na política. De acordo com Damião Duque de Farias:

Nesse sentido podemos afirmar que a eclesiologia do Corpo Místico, ao se representar em um movimento religioso essencialmente espiritualista, provocou nos fiéis um efeito de desconhecimento ou alienação em relação às articulações entre o “campo religioso” e o poder político propriamente dito, assim como das relações de classe que estruturavam este poder, relações de dominação e exploração128.

O desenvolvimento da “Ação Católica Brasileira” esteve sob liderança de Dom Sebastião Leme. O objetivo da entidade era “moralizar as instituições sociais e culturais”. Para tanto, a estratégia

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Ibid., p. 18.

127 FARIAS, Damião Duque. Em defesa da ordem: aspectos da práxis conservadora católica no

meio operário em São Paulo (1930 – 1945). São Paulo: HUCITEC, 1998, p. 147.

seria ocupar todos os espaços políticos, educacionais e de organização operária possíveis. A presença operária no cenário político nacional chamou a atenção dos intelectuais católicos para melhor articular o controle desses novos personagens. Diante do sucesso da revolução bolchevique na Rússia e a propagação de partidos comunistas pelo mundo, a igreja reagiu elegendo os comunistas como seus principais inimigos, reconhecendo-os, inclusive, onde efetivamente não existiam.

A igreja estabeleceu, dessa forma, sua oposição não apenas contra o liberalismo, mas, contra o comunismo, sobretudo a partir da década de 1930. De acordo com o pensamento conservador católico, os modelos socialistas e comunistas seriam frutos dos erros do liberalismo. Nos textos de intelectuais católicos do período, como Tristão de Ataíde, por exemplo, são encontradas definições consideradas amplas sobre o que é ser comunista, reconhecendo como tal qualquer movimentação que não fosse nacional cristã129. De acordo com Marilena Chauí: “não há precisão no termo, todos os subversivos são comunistas”130.

Na década de 1930, a reaproximação entre Estado e igreja católica se concretizou. O historiador Damião Duque de Farias identificou convergências entre o pensamento dos intelectuais católicos e os intelectuais que serviam ao governo. Os dois grupos reconheceram o fracasso do modelo liberal e elegeram o comunismo como a maior ameaça a ser enfrentada e extirpada. Os intelectuais responsáveis pelo desenvolvimento do pensamento conservador brasileiro estavam reunidos em torno da revista A Ordem” e no Centro Dom Vital, duas instituições criadas naquela década para fomentar o movimento da chamada restauração católica. Esse movimento, que havia sido iniciado no Vaticano, teve como um dos principais responsáveis no Brasil, o cardeal Dom Sebastião Leme. No desenvolvimento das ideias desse movimento, destacam-se os nomes de Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima.

129 Ibid., p. 34.