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Contra o integralismo foram usados dois argumentos à exaustão. O primeiro deles sinalizava para a notória animosidade entre o governador Nereu Ramos e a AIB, pois um prefeito enfrentando o governador não traria nenhum tipo de benefício à cidade, segundo a Frente Única. O segundo argumento era dirigido notadamente ao

90 Jornal de Joinville. In: KOLB, Alberto. Reminiscências para a história do Círculo. Caderno

3.

91 Jornal de Joinville, 11 fev. 1936, p. 1. In: KOLB, Alberto. Histórico do Círculo através da imprensa. Fatos e não palavras. Amparando os proletários catarinenses. Caderno 1.

candidato Largura, por não ser natural de Joinville e ter residido pouco tempo na cidade. Para explorar melhor essa questão, o A Notícia ocupou boa parte de suas páginas com referências aos “primeiros colonos que fizeram, que construíram, que começaram os alicerces da cidade”93. De Blumenau, Largura respondeu às críticas, mostrando que sua experiência como inspetor escolar o fez conhecer Joinville.

Na véspera da eleição, o último recurso utilizado para combater a candidatura do partido do sigma foi a publicação de um texto acusando os integralistas de não defenderem o regime nazista94. O público alvo eram evidentemente os simpatizantes do governo de Hitler. Porém, sobre essa questão, os integralistas não realizavam manifestações diretas em seu jornal, embora regularmente fossem tecidos elogios ao modelo sindical italiano e à “autoridade” dos Estados fascista e nazista.

Como demonstrou o estudo de René Gertz, de acordo com os relatórios do cônsul alemão, o grupo que se dizia nazista em Joinville não era representativo e mantinha relações pouco amistosas com os teuto-brasileiros, o que não impedia, obviamente, a simpatia pelo governo de Hitler dos demais teuto-brasileiros da cidade95. O trabalho de Gertz analisou relatórios policiais catarinenses, denunciando supostas provas de colaboração entre integralismo e nazismo, reunidas no volume

O punhal nazista no coração do Brasil. De autoria de João Küehne e

Lara Ribas, a publicação apresentou como provas as cartas de “partidários” nazistas de Jaraguá do Sul à NSDAP, datadas de 1935, e outra carta da Frente Alemã (DA) em Blumenau, datada de 1936, na qual é comentada a filiação de membros da DA ao integralismo. René Gertz demonstrou que embora as fontes apresentadas por Küehne, fossem importantes e autênticas, foram analisadas pelo policial de forma parcial e problemática, na medida em que apenas algumas partes desses documentos receberam destaque96. Afirmações isoladas do restante do contexto resultaram em conclusões equivocadas, de acordo com Gertz.

Faz-se necessário enfatizar que João Küehne residia em Joinville enquanto a AIB atuava. No mesmo período, foi proprietário do jornal Folha Nova publicado em alemão e português97. Na consulta a

93 Os tempos, os homens. A Notícia, 20 fev. 1936, p. 8. 94 Idolatria verde. A Notícia, 1 mar. 1936, p. 8. 95 GERTZ, op. cit., 1987, p. 84.

96 Ibid., p. 126. 97

João Küehne. Nascido em Joinville em 1913, onde fundou o jornal Folha Nova, publicado em alemão e português. Em 1934 foi nomeado comissário de polícia, passando a chefiar o Serviço de Ordem Pública da DOPS, em Florianópolis, quando, com Antônio de Lara Ribas, organizou o livro “Punhal Nazista no Coração do Brasil”, assinando os capítulos “Colonização

alguns números do jornal publicado no período das eleições municipais é possível perceber que, embora estivesse nitidamente apoiando a Frente Única, não há nenhuma restrição ao movimento integralista, tendo sido a chapa do partido inclusive apresentada aos leitores do periódico. Em comparação aos demais jornais da cidade, o Folha Nova parecia o menos comprometido com filiações partidárias. Importa salientar que o proprietário do jornal mantinha atividades na cidade e caso suspeitasse de ligações entre integralistas e nazistas certamente não teria deixado de mencioná-las em seu relatório. Como evidenciou René Gertz, o relatório de Küehne sobre a relação entre integralistas e nazistas foi inconclusivo e expôs ambiguidades. Além disso, Küehne não apresentou indícios de atividades nazistas relacionadas aos integralistas em Joinville, seu foco ficou restrito a Blumenau, Hansa e Jaraguá do Sul. Curiosamente, Rosa Maria Cavalari, listou em seu livro o jornal Folha Nova como se fizesse parte da imprensa integralista. Entretanto, a autora apenas listou o jornal, não o analisou e não justificou a razão de ter incluído aquele periódico.

René Gertz mencionou autores cujos trabalhos contestam supostos auxílios vindos da Alemanha, que teriam fomentado o desenvolvimento do movimento integralista, principalmente nas colônias alemãs do sul do Brasil. Hans-Adolf Jacobsen e Kate Harms- Baltzer afirmaram que não há provas de ter existido colaboração entre nazismo e integralismo. De acordo com Baltzer, nazistas individuais podem ter se envolvido na tentativa de golpe integralista, em maio de 1938, mas isso não significa que instâncias nazistas tenham colaborado. Jacobsen acrescenta que “altos chefes nazistas teriam se mantido neutros diante do fascismo brasileiro, lamentando antes a ampla adesão dos teuto-brasileiros no sul Brasil”98.

Gertz encontrou nos relatórios de Schlich, funcionário da embaixada alemã, um pedido de ajuda financeira de José Zamarin da Testa, secretário de estudos da AIB em Pindamonhangaba. O secretário endereçou uma carta a Hitler, solicitando financiamento para uma viagem de observação e estudos na Alemanha. A embaixada alemã indicou o funcionário Schlich para assistir de forma oculta a uma concentração integralista. O funcionário relatou que a apresentação de Salgado “foi meio ridícula”, fazendo ataques ao nazismo. Para concluir

Alemã no Brasil” e “O integralismo Nazi-fascista em Santa Catarina”. Faleceu em Florianópolis, em 1950. Cf. Boletim do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Florianópolis, a. X, n.11, out. de 2007.

o relatório, a embaixada procurou o assessor jurídico de Salgado com o propósito de entender o posicionamento da AIB. O assessor teria dito se tratar de uma tática, para rebater as críticas sobre imitação e colaboração com o nazismo. O relatório do embaixador concluiu que um possível apoio ou financiamento à AIB seria “inadequado e extremamente perigoso, mesmo com o emprego do maior cuidado”99.

A análise de Gertz é detalhada e explorou ainda outros documentos da embaixada alemã. Conforme demonstrou o historiador, houve contato entre representantes do nazismo e funcionários da embaixada com os integralistas. Militantes enviaram cartas à Alemanha adulando o regime, mas essas fontes não comprovam envolvimento oficial entre os dois movimentos. Gertz concluiu que o efeito contrário tenha sido mais provável.

Ademais, o partido nacional-socialista alemão pode ter atraído a simpatia de brasileiros e teuto-brasileiros pelo seu caráter autoritário e pelas melhorias econômicas promovidas por Hitler, constantemente divulgadas em todo o mundo. O próprio jornal A Notícia, que defendia a liberal-democracia, propagou diversos elogios ao governo nazista. As evidentes afinidades entre o nazismo e o integralismo, sobretudo em relação ao uso dos símbolos e do discurso autoritário dirigido às classes populares, podem ter levado a população a elaborar uma conexão entre os dois movimentos cujos limites eram difíceis de mensurar. Através da imprensa é possível apreender a confusão que envolvia essas questões. Os opositores do integralismo pareciam não ter convicção se a ligação com o nazismo surtiria o efeito desejado, de repulsa dos eleitores, ou se seria benéfico ao partido do sigma. Por outro lado, o jornal integralista não se posicionava sobre essa questão, e embora fosse um movimento de cunho nacionalista, demonstrava simpatia aos teuto-brasileiros, publicando muitas vezes textos em língua alemã. O A Notícia, por sua vez, enaltecia a imigração alemã, sobretudo a classe empresarial teuto- brasileira, mas criticava intensamente os colonos do interior do município que optavam por se comunicar em alemão. Como mencionado anteriormente, as duas candidaturas apresentavam nomes alemães em suas composições, o que indica que a explicação étnica de que os integralistas foram eleitos pelos teuto-brasileiros talvez não seja suficiente para entender a eleição integralista.

A única documentação referente ao movimento integralista existente no arquivo municipal de Joinville é uma pasta de ofícios

expedidos durante a gestão de Largura. Entre aquela documentação, está um convite do grupo nazista de Joinville. O documento com data de julho de 1936 convidava o prefeito Largura para assistir a exibição do filme Triunfo da Vontade. O filme produzido em 1935 e dirigido por Leni Riefenstahl é um relato sobre o Congresso Nacional-Socialista alemão de 1934. No próprio documento, está escrito à lápis uma observação para que seja feito o agradecimento ao convite, mas não há indicação de que Largura tenha comparecido à exibição do filme. O documento propriamente não é uma evidência de que o grupo mantivesse maior proximidade com Largura, pois não existem outros indícios que confirmem isso. A princípio, trata-se somente do convite de uma atividade do grupo ao prefeito municipal100.