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As ações e a vida pública de padre Kolb apontam para uma pessoa de habilidade política excepcional, sendo difícil exprimir seu verdadeiro posicionamento, até porque esse se mostrava bastante adaptável a situações diversas, podendo ser alterado conforme a necessidade. Apenas eventualmente é possível identificar os opositores, pois nas anotações do padre, apesar das constantes queixas contra os desafetos, esses eram citados apenas de forma generalizante, sem citações nominais. De modo geral, pode-se dizer que seus maiores desafetos políticos conhecidos publicamente foram os comunistas e os integralistas.

Aos comunistas e integralistas, as críticas eram diretas, especialmente aos últimos. A gestão do prefeito integralista Aristides Largura (1936-1938), além de fechar a escola noturna172 para operários, não teria repassado nenhum tipo de subsídio ao Círculo e teria tentado cobrar impostos municipais da entidade. No caderno Reminiscências

para a história do Círculo, o padre queixava-se:

Na gestão do Sr. Max Colin foi fundada a Escola Municipal Noturna para o Círculo Operário e outros favores muitos recebemos do coração magnânimo do então prefeito, guardo do Sr. Max Colin a mais grata recordação.

Seu sucessor, Aristides Largura, fechou para os operários esta escola, e durante sua gestão na prefeitura, nem nosso guarda-livros nem nosso tesoureiro tiveram trabalho de escriturar e recolher subvenção alguma. Ao Círculo tudo foi negado173.

Embora não tenha mencionado em suas anotações, o padre foi um dos maiores entusiastas na campanha da “Frente Única de Joinville”, coligação na qual se reuniram os demais candidatos desistentes da eleição a prefeito em 1935, na tentativa de derrotar o candidato integralista. Largura venceu com ampla margem de votos, e, além de cortar todos os benefícios concedidos ao Círculo, ainda denunciou o

172 Em anexo, confira a Imagem 4.

padre por desviar dinheiro da entidade, fato que ocasionou troca de acusações entre ambos nas páginas dos jornais de 1936.

A escola noturna subsidiada pela prefeitura foi aberta no mesmo ano de fundação do Círculo pelo então prefeito Max Colin. Padre Kolb foi contratado para ser o professor da escola, contudo, não assumiu o cargo, terceirizando o serviço a outro professor. O problema detectado por Largura estava no fato de Kolb pagar somente uma parte do salário ao professor substituto e ficar com o restante para si. Comprovada essa situação, a escola foi retirada dos domínios do Círculo e reaberta em outro local. Além do fechamento da escola, o prefeito e o inspetor escolar publicaram uma nota no periódico Jornal de Joinville, onde explicaram a ocorrência em todos os seus detalhes, insinuando que o padre obtinha lucros dos subsídios destinados ao Círculo. Cabe lembrar que o prefeito Aristides Largura exerceu em Joinville a função de inspetor escolar, estando, portanto, bem informado sobre o assunto.

No intuito de responder às acusações, Kolb publicou uma extensa carta com forte teor autobiográfico para apresentar a sua versão dos fatos. O padre se justificou afirmando que em Joinville não recebia nenhum tipo de provento particular, mas suas experiências sacerdotais anteriores na Bahia teriam rendido quantias consideráveis em dinheiro, pois naquela região ele foi responsável pela maior freguesia do sertão brasileiro. Kolb assegurou que poderia ter saído daquela região “rico e independente”. Para justificar sua pretensa humildade e abnegação, o padre revelou que era proprietário de uma fazenda com mais de quatrocentas cabeças de gado. No terreno, medindo aproximadamente meia légua174, residiriam “várias” famílias, das quais o padre não cobrava nada pela moradia. Referindo-se a si mesmo como “modesto”, o sacerdote explanou longamente sobre suas obras de caridade em Joinville. Também adiantou a informação de que o governo estadual, dirigido pelo interventor Nereu Ramos, já havia restabelecido a situação no COJ, abrindo uma nova escola noturna. Por fim, encerrou o artigo anunciando seus próximos projetos para o operariado joinvilense, e desafiou seus interlocutores integralistas para que no futuro fizessem uma visita ao seu túmulo no cemitério:

[...] vestido ou não de sua camisa verde, penetrar no cemitério – e sem receio de perturbar a paz do

174 A légua é uma unidade de medida em desuso atualmente no Brasil. Meia légua equivaleria a

meu eterno sono como não conseguiu perturbar a serenidade da minha vida, – riscar sobre a lousa do meu túmulo: “Padre Alberto Kolb, o que roubou 60$000 dos operários”175.

Para a felicidade do padre Kolb, a gestão de Largura perdurou apenas por dois anos devido à extinção dos partidos políticos e à deposição de prefeitos e governadores após a decretação do Estado Novo. A implantação do novo regime não pareceu ter causado nenhum tipo de problema ao sacerdote. Em pouco tempo, o padre, a despeito de não ser brasileiro e manter o hábito de escrever textos em língua estrangeira, transformou-se rapidamente em um defensor inveterado da “Campanha Nacionalizadora”. Sua biblioteca está repleta de livros publicados pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), além de muitas de suas anotações desse período se referirem à importância e ao êxito da Campanha.

2.8 “Concentração Operária”

O sucesso da obra de Kolb foi vertiginoso, visto que dois anos após a criação da entidade, o Círculo já possuía sede própria e um prédio destinado à creche, ambos construídos com recursos provenientes em grande parte de doações. O padre soube criar uma rede de doadores bastante diversificada, a qual incluía desde o bispo de Joinville, D. Pio de Freitas, até políticos de diferentes orientações partidárias, empresários influentes, além dos próprios operários que contribuíam por meio do pagamento das mensalidades.

Entre a pasta de ofícios expedidos por prefeitos, no Arquivo Histórico de Joinville, está uma carta de recomendação escrita pelo prefeito Max Colin, dirigida a Getúlio Vargas. Na carta, Max Colin apresentou Kolb e relatou a importância do trabalho do padre para a conservação da “ordem” no ambiente operário:

O prefeito que subscreve estas linhas não é católico, é protestante luterano, mas é grato como brasileiro e como cristão, ao honrado padre Kolt

175 Jornal de Joinville, 1936. In: KOLB, Alberto. Histórico do Círculo através da imprensa.

[sic] pela sua notável atuação na sociedade de Joinville, que é um dos grandes parques industriais do Brasil, não tem a perturbar-lhe o seu trabalho as idéias de choque que conseguiram medear [sic], embora por pouco tempo, em outros pontos do país176.

Padre Kolb também foi a Florianópolis, onde se encontrou com o interventor Nereu Ramos em busca de subsídios fiscais177. Oito anos após a fundação do Círculo, a entidade possuía nove prédios próprios, distribuídos em uma área de 34.359.80 metros, devidamente pagos e escriturados178.

Essa sucessão de grandes resultados positivos teve seu início um ano após a fundação do Círculo, quando padre Kolb organizou um audacioso evento em Joinville, denominado de “Concentração Operária”. O programa do evento apresentava como principal atração a presença do padre Leopoldo Brentano, responsável pelo “Círculo Operário de Porto Alegre", a mais importante referência e inspiração para o trabalho de Kolb. A programação previa atividades para um dia inteiro e foi dividida em três partes principais.

Na parte da manhã, a abertura ficou sob responsabilidade do bispo de Joinville, seguida por uma palestra do padre Leopoldo Brentano. Ao meio-dia, o tema definido para a conferência foi a “questão proletária”. Além das falas de diversos bispos catarinenses, destacou-se a presença do deputado federal joinvilense Carlos Gomes de Oliveira e do médico integralista Rocha Loures, que prestava serviços ao COJ. O período vespertino ficou reservado para o que foi chamado de “préstito cívico”, contando com atividades envolvendo religião e civismo. O canto do “hino proletário-cristão queremos Deus” foi definido para marcar o encerramento do evento. Essa programação foi amplamente divulgada na cidade através de panfletos. Além da programação, outros modelos de panfletos foram distribuídos, alguns destacando a biografia dos convidados, outros pedindo uma boa recepção aos visitantes que chegavam à cidade. Esperava-se para aquela

176 Pasta de ofícios dos prefeitos municipais. Confira em anexo a Imagem 5, que apresenta o

ofício na íntegra.

177 KOLB, Padre Alberto. Reminiscências para a história do Círculo. Caderno 1, p. 8 a 15. 178 MARQUES, Jaqueline L.; BARBOSA, Susana C. Círculos Operários: doutrina e ação da

oportunidade a presença de representantes eclesiásticos e lideranças operárias de todo o estado catarinense.

A “Concentração Operária” foi uma forma encontrada por Kolb para dar visibilidade ao Círculo Operário para aqueles que não o conheciam, ou desconfiavam de suas intenções, esclarecendo a população sobre os desígnios da entidade. Afinal, se o contexto era de formação de sindicatos em todo o país, qual seria a finalidade de mais uma entidade de classe? Responder a esse questionamento que poderia partir de um trabalhador comum parecia ser um dos objetivos do evento. Mas o evento também poderia ter o intuito de deixar claro aos sindicalistas que o Círculo não representava concorrência, tanto que. De tal modo, alguns panfletos traziam a explicação sobre quem poderia ser sócio circulista. Neles se lia que qualquer trabalhador poderia se associar, sem distinção de sexo ou profissão, sindicalizado ou não, bem como os que não estavam incluídos no Decreto Lei 19.770, que regularizava o direito de sindicalização. Embora a entidade fosse ramificação da igreja católica, o padre não fazia restrições nem mesmo de religião, e costumava dizer que bastava ser operário para fazer parte do Círculo:

Ao receber a visita de um novo associado no Círculo eu não lhe pergunto:

- “Você é católico?” Mas só exclusivamente:

- Você é operário? Então venha comigo!179 Os textos dos panfletos também escritos em língua alemã afirmavam ainda que as atividades circulistas não apenas eram compatíveis com a dos sindicatos, mas que procuravam promover aquelas entidades, incentivando o trabalhador a se sindicalizar. Pelo exposto, ficou evidente que o Círculo não desejava representar uma ameaça às demais organizações classistas da cidade, desde que seus princípios e objetivos fossem semelhantes aos dos circulistas180. Esse objetivo foi alcançado em pouco tempo e com êxito pelo padre, pois os

179 Se você é operário venha comigo! Diário Popular, 20 fev. 1937. Trecho da entrevista de

Alberto Kolb ao jornal paulistano em que contava o sucesso do Círculo de Joinville e como agia ao convidar novos sócios. Recorte de jornal sem data. In: KOLB, Alberto. Histórico do

Círculo através da imprensa. Caderno 1, p. 28.

sindicatos, além de se tornarem parceiros nas atividades do Círculo, também instalaram suas sedes nas dependências do COJ.

Como dito anteriormente, o padre costumava lamentar o fato de ter sido muitas vezes vítima das desconfianças alheias. Suas atividades partidárias futuras ajudam a explicar a origem de alguns desafetos. Contudo, sua vida pública esteve continuamente exposta à suspeitas e acusações. Muitas delas revertidas favoravelmente, como foi o caso envolvendo o periódico Jornal de Joinville. Mais tarde esse jornal se tornou um dos parceiros do Círculo, mas na ocasião da realização da “Concentração Operária” dirigiu provocações ao padre. Na mesma página em que publicou o convite do evento, o jornal editou em destaque a seguinte manchete:

Pobre operário! Na sua boa fé, na sua crença em Deus, é eternamente explorado, servindo de escada unicamente para os politiqueiros erguerem-se às alturas cobiçadas, a fim de lá do alto, cuspirem depois nas faces dessa gente laboriosa e honesta. Mas outros dias virão mais alegres e festivos, mais serenos e felizes para o pobre operário!181

Atento, o padre percebeu a afronta do jornal e não se omitiu. Enviou uma carta ao jornal concorrente, A Notícia, na qual afirmou estranhar a atitude do editor, segundo ele, incoerente por publicar concomitantemente o convite do evento e a crítica. Afirmando ser inconsistente aquela acusação, o padre negou as denúncias182. Dias após o evento, o periódico Jornal de Joinville emitiu outra nota em que reafirmou a acusação de partidarização da “Concentração Operária”. O editor assegurou que ao fim da Concentração, a organização do evento puxou um coro em que se ouvia “viva a Frente Única”, dissipando qualquer dúvida sobre suas intenções partidárias. Conforme apresentado no primeiro capítulo, na ocasião, o candidato integralista acabou eleito. Esse evento pode ser considerado, portanto, a primeira atividade partidária na qual padre Kolb esteve envolvido publicamente.

Embora não tenha impedido a vitória integralista, o resultado da “Concentração Operária” foi considerado um “grande triunfo” pelo

181 Pobre operário! Jornal de Joinville, 11 fev. 1936, p. 1.

182 Uma carta. A Notícia. [19--?]. In: KOLB, Alberto. Histórico do Círculo através da imprensa. Caderno 1.

padre Kolb. De acordo com o jornal do “Círculo Operário de Porto Alegre”, o evento teria reunido dezoito mil operários, vindos de todo o estado183. Seus resultados reverberaram não apenas nos dias subsequentes, mas foram recordados em muitos de seus discursos futuros por ter sido um evento que exigiu “audácia”, visto ter sido realizado quando o COJ ainda estava em seu início.

Padre Kolb costumava viajar a outros estados diversas vezes por ano, normalmente em busca de contribuições para o Círculo. Contudo, arrecadar subsídios não era a única finalidade das viagens. O padre mantinha regular contato com Círculos Operários e outras entidades de representação classista, especialmente aquelas ligadas à igreja católica. Ele buscava inspiração, trocava experiências e fazia muita propaganda de seu trabalho. Em outros estados, Kolb representava o “operariado catarinense” e não apenas o Círculo de Joinville. No seu caderno de recortes, há matérias publicadas em jornais de outros estados apenas um ano após a fundação do COJ, em que foi apresentado como “acatada figura da Ação Social Católica”184.

A realização da “Concentração Operária” com pouco tempo de existência do Círculo rendeu fama e respeito ao padre, extrapolando os limites do estado catarinense. Em menos de dois anos, Kolb passou a viajar a São Paulo, para dar palestras a entidades mais tradicionais e experientes que a sua. Em uma visita à “Organização Sindical Paulista” (OSP), em 1937, Kolb descreveu suas atividades em Joinville. Na ocasião afirmou que o COJ já possuía mais de 800 associados e revelou ainda que ajudou a fundar o “Círculo Operário de Itajaí” e o “Círculo Ferroviário da São Paulo – Rio Grande”, entidade que atenderia cerca de sete mil operários185. Não foi encontrada na documentação do COJ nenhuma informação a respeito dessas duas entidades. Chama a atenção o fato de Kolb se corresponder e visitar com maior intensidade as associações de outros estados e pouco se referir a entidades catarinenses em suas anotações.

183 Concentração Operária de Joinville. In: KOLB, Alberto. Histórico do Círculo através da imprensa. Caderno 5.

184 KOLB, Alberto. Histórico do Círculo através da imprensa. Caderno 1.

185 Os Círculos Operários do Brasil. In: KOLB, Alberto. Histórico do Círculo através da imprensa. Caderno 1.

2.9 O dia a dia no Círculo: “Obra cristã, patriótica e