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Conforme a biografia de Cascardo, publicada no dicionário do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, sua atuação política começou no Rio de Janeiro quando liderou a sublevação do encouraçado São Paulo, na intenção de se juntar aos rebeldes gaúchos liderados por Luís Carlos Prestes. Em 1930, Cascardo participou do movimento revolucionário que depôs Washington Luís. Dois anos depois, combateu fazendo parte do movimento Constitucionalista contra Vargas. Em janeiro de 1935, ingressou na Aliança Nacional Libertadora, sendo eleito presidente da entidade. Em julho daquele ano, Vargas ordenou o fechamento da Aliança e Cascardo foi transferido para São Francisco do Sul, onde “assumiu a delegacia local da Capitania dos Portos e deu continuidade ao seu trabalho de arregimentação de novos militantes para a ANL, que agora atuava fora da legalidade”79.

Estivador é uma categoria profissional que não existe atualmente em Joinville. Até a década de 197080, a cidade possuía um porto fluvial com duas entradas. Era através delas que as matérias- primas entravam na cidade e por elas algumas empresas da região exportavam seus produtos, principalmente madeira e erva-mate81. Em novembro de 1935, foi registrado um movimento grevista entre os estivadores que pleiteavam reajuste salarial. Os trabalhadores dos portos de São Francisco do Sul e Itajaí também reivindicavam o aumento e exigiam acatamento ao regulamento para os serviços de estiva, aprovado pelo Conselho da Delegacia do Trabalho Marítimo.

79 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV) - Centro de Pesquisa e Documentação de

História Contemporânea do Brasil (CPDOC). Herculino Cascardo. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_hercolinocascardo.htm> Acesso em: 15 out. 2009.

80 Em 1976 ocorreu a fusão do sindicato de Joinville com o de São Francisco do Sul.

SINDICATO DOS ESTIVADORES. Histórico. Disponível em: <http://www.estiva- sfs.com.br/historico.html> Acesso em: 15 out. 2009.

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De importância fundamental para o desenvolvimento do município, o porto do Rio Bucarein representou, até a inauguração da via férrea, o único meio de embarque e desembarque de mercadorias. Carlos Ficker, em História de Joinville, acrescenta: “O Porto do Bucarein, ponto estratégico no lugar da confluência do Rio Bucarein com o Rio Cachoeira, ficou dentro da medição das terras dotais do Príncipe de Joinville, e ao mesmo tempo servia de porto de embarque aos moradores do ‘Sítio do Coronel Antônio João Vieira’[...] que ofereceu os seus serviços e escravos, quando em 22 de maio de 1850, chegaram [...] membros da expedição pioneira”. FICKER, Carlos. História de Joinville, Subsídios para a Crônica da Colônia Dona

Uma vez anunciada a exigência de reajuste salarial para os estivadores, imediatamente as associações patronais se manifestaram, como as Associações Comerciais de Joinville, Blumenau e Jaraguá do Sul, suspendendo parte da produção e ameaçando o emprego dos funcionários das empresas que utilizavam o porto. De navio chegava, entre outros produtos, o papel usado na confecção do A Notícia, sendo que o próprio proprietário do jornal, Aurino Soares, fez pessoalmente a cobertura jornalística do movimento grevista. O primeiro editorial escrito por Soares exprime seu ponto de vista sobre os interesses envolvidos na deflagração do movimento grevista. O articulista assim se expressa:

E chegamos a criar assim um conflito de interesses [...] exigindo de todos um estudo e uma meditação muito séria para que se obtenha a solução harmônica por todos desejada. Essa solução é preciso que seja de tal caráter que, contentado as aspirações gerais dela competentes, não redunde em prejuízo completo de uma dúzia de industriais e de uma centena de operários que ficariam sem emprego, para o benefício apenas de uma classe pequena e mais digna de apoio82. A apreciação de Aurino Soares coaduna com a postura adotada pelos comerciantes e industriais da cidade congregados na Associação Comercial. Reunidos no Congresso das Associações Comerciais e Industriais do Estado, poucos dias depois da reivindicação de aumento dos salários dos estivadores, os associados decretaram a paralisação de todas as atividades de exportação e importação por via marítima. Os estivadores, por sua vez, permaneceram exigindo a nova tabela salarial e a garantia dos direitos aprovados no novo regulamento.

O argumento para a paralisação da Associação Comercial estava fundamentado na majoração das despesas totais ocasionadas pelo reajuste salarial exigida pelos estivadores. O Congresso reuniu empresários de Brusque, Blumenau, Itajaí, Mafra, São Bento do Sul e Canoinhas, que aderiram ao movimento. Foram enviados telegramas elucidando a situação ao presidente da república, ministro do trabalho e governador do estado.

Como resposta a solicitação foram enviados a Joinville, por determinação do governador, o inspetor do Ministério do Trabalho em Santa Catarina, Álvaro de Albuquerque, e o chefe de polícia do estado, Claribalte Galvão. A primeira medida do inspetor foi declarar ilegal o Sindicato União dos Operários Estivadores de Joinville. Em reunião na sede do sindicato, Álvaro de Albuquerque mencionou ter encontrado várias irregularidades, por exemplo, atas sem assinatura e o fato do presidente da entidade não residir na cidade. Dissolvido o sindicato, a solução encontrada foi a reorganização da entidade, sendo realizada nova eleição para diretoria. Os jornais não mencionam como esse processo foi efetivado em tão pouco tempo. Porém, essa decisão não foi a mais essencial para a resolução da greve.

Na mesma reunião, o chefe de polícia corroborou as palavras do inspetor e enalteceu a “supremacia das leis”, lembrando que “embora tivesse carta branca, estas questões não são mais destinadas às patas dos cavalos, porque as leis são mais fortes que todas as violências”. Questionou ainda os funcionários da estiva sobre as razões de se deixarem liderar por pessoas que não residiam na cidade. Com a mesma sutileza continuou:

Se outros se dispuserem a fazer o serviço mais barato, cumpre as autoridades garanti-los, ainda que para tanto seja necessário lançar mão da força. Se os estivadores de Joinville não tiverem o apoio da lei, a polícia embora constrangida terá que garantir o operário que queira trabalhar. Espero que tenham compreendido bem as minhas palavras e que nelas hajam igualmente, visto o desejo ardente que me invade de que todos se harmonizem, em seu bem próprio, do Estado e do Brasil83.

Quando o chefe de polícia afirmou que caso o sindicato não “tiver o apoio da lei”, a polícia agiria, referia-se à necessidade imediata de recomposição da entidade e à remoção dos “elementos estranhos”. Sobre a reação dos filiados às imposições do inspetor do Ministério e às ameaças do chefe de polícia, pode-se apenas inferir que não foram acatadas imediatamente, ao passo que o movimento grevista se estendeu por mais quinze dias, totalizando vinte e quatro dias de paralisação.

Falava-se em crise e demissões em razão da greve e o tom alarmista provavelmente colocou a opinião pública contra as reivindicações dos estivadores84.

De um telegrama do Ministro do Trabalho veio a sugestão de organizar uma convenção coletiva, na qual patrões e empregados chegassem a um acordo, todavia, não foi encontrado registro que comprove a ocorrência da convenção. No porto de Itajaí a paralisação foi encerrada com o acordo dos estivadores em trabalhar com a tabela salarial antiga. Em São Francisco do Sul e Joinville, os trabalhadores da estiva permaneceram de braços cruzados. Diante do impasse, a Associação Comercial ameaçou formalmente transferir seus negócios para o porto de Paranaguá, no estado de Paraná. A possibilidade de perda na arrecadação de impostos fez com que medidas urgentes fossem tomadas. Do Ministro do Trabalho partiu a nomeação do novo Presidente do Trabalho Marítimo, Adhemar Siqueira, substituindo o comandante Hercolino Cascardo85. Dessa forma, a greve foi encerrada sem que os trabalhadores recebessem o reajuste salarial.

Uma das consequências da greve foi que a presença do chefe de polícia e do inspetor resultou em “devassa” a todos os sindicatos de Joinville. Ao receber a visita da comitiva, os documentos e atividades das entidades foram analisados. Naquelas em que problemas foram detectados, deu-se um prazo para regularizar a situação86. Provavelmente, a maior parte dos sindicatos estava com a situação regularizada, pois todos eram administrados por Conrado de Mira. A situação e administração dos sindicatos será analisada de forma mais detalhada no terceiro capítulo.

84 A situação continua estacionária. A Notícia, 21 nov. 1935, p. 1. 85 O caso da estiva. A Notícia, 5 dez. 1935, p. 1.