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Condições para a participação nos conselhos

CAPÍTULO 3 – Sociedade Civil nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e

3.3 Condições para a participação nos conselhos

Os conselhos são espaços de composição heterogênea e, por isso, comportam diferenças nas representações dos segmentos da sociedade civil e do governo, assim como diferenças no próprio corpo dos segmentos. Essas diferenças são de diversas ordens: condições materiais, informacionais, de poder, status, conhecimento etc., e acabam gerando constrangimentos à participação em condições simétricas de opinião, influência e decisão.

Ao admitir que existem diferenças, não defendemos uma ideia de homogeneização desses espaços. Trata-se de criar condições mínimas, que garantam aos conselheiros, o cumprimento de suas atribuições, de acordo com a importância e com o grau de responsabilidade envolvido no papel de conselheiro. A falta dessas condições acarreta distorções, como, por exemplo, na questão da paridade.

A paridade, quando a legislação foi criada, indica o mesmo número de representantes da sociedade civil organizada e dos representantes governamentais. Ocorre que a paridade numérica não tem significado paridade política, mormente no caso dos conselheiros da sociedade civil. Quando eleitos para o conselho, na maior parte das vezes, têm que se desdobrar entre as funções no seu espaço de trabalho e as atribuições no conselho. E sem nenhum tipo de apoio, pois são tratados ou se autodenominam ativistas militantes voluntários.

Relembrando o artigo 89 do ECA, que determina ser a função de membro do conselho de interesse público relevante, portanto, agentes públicos. Em muitos casos, os conselheiros relatam ter dificuldades de cunho financeiro para participar de todas as atividades dos conselhos. Por sua vez, diversos conselhos não resolveram a questão da disponibilização de recursos para as atividades de representação dos conselheiros.

O depoimento do Entrevistado 7 reforça a discussão realizada no item anterior, qual seja, a incompletude formal e objetiva do lugar dos conselhos no aparelho estatal. O entendimento de que o Tribunal de Contas não encontra respaldo legal para o custeio de despesas dos conselheiros é, no mínimo, discutível.

Antigamente, na gestão em que tive a oportunidade de ser secretário de assistência social, pagávamos a diária para o conselheiro, para qualquer viagem, qualquer saída em que fosse representar o conselho fora, mas por uma questão de o Tribunal de Contas entender que não está na lei, então hoje não se paga. O conselheiro governamental recebe diária, recebe tudo o que tiver direito, e o não governamental recebe um tapinha nas costas. Não temos nenhum tipo de ajuda de custo. Depois que adquirimos o carro, comprado com o próprio recurso do fundo, às vezes, o motorista busca o conselheiro para levar numa representação, para levar à noite em outro local em que vai representar o conselho, para a própria reunião, mas é a única ajuda que existe. (Entrevistado 7).

Sobre tal questão, também cumpre ressaltar que a sociedade civil organizada não tem dado a devida atenção, tampouco condição para que seus representantes no conselho possam ter uma participação mais qualificada. A sociedade civil organizada não tem desenvolvido estratégias de apoio a seus representantes, ficando, na maior parte dos casos, o ônus da participação para o próprio representante e/ou para a organização que representa.

Por exemplo, quando fui representando o conselho para Brasília e levei dois adolescentes, o município disponibilizou, para passar cinco dias em Brasília, R$ 260,00. Para três pessoas. Isso foi a coisa mais vergonhosa que eu passei na minha vida. Com dois, um, inclusive, adoeceu, teve um problema, foi atendido no evento, não participou mais... Na conferência da criança. Foi uma vergonha, uma verdadeira vergonha. E eu tive que botar dinheiro meu. Nem a instituição em que eu trabalho também pôde disponibilizar para mim, porque o tempo que eu passei fora, me dividindo, também a instituição passou por algumas dificuldades. (Entrevistado 5).

Os conselheiros, na maior parte das vezes são eleitos representantes da organização social que trabalham e não têm adequada base de apoio e sustentação. Também são os mais diversos os motivos que levam as organizações sociais a disputarem uma vaga no conselho. Tem sido recorrente, nos discursos, que as organizações decidem participar como forma

de ampliar a possibilidade de acesso a recursos. Os diversos interesses colocados no campo da sociedade civil, que por vezes dificulta e até impede uma unidade de ação, abrem espaços para negociações particulares e/ou corporativas.

Ainda existem várias motivações para as pessoas procurarem o conselho e há um grande equívoco. Na hora das entidades se apresentarem, algumas se candidatam, e nem sempre são eleitas, voltadas para a questão do fundo da criança. O fundo, para alguns, é o fundo da infância, lá, é Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Essa não é uma motivação que eu considere adequada, vamos dizer assim. Quem pode captar recursos, isso é público, não precisa estar lá. (Entrevistado 2).

Este outro depoimento faz uma leitura da transformação da década de 1980 para hoje e dos interesses particulares que sobressaem aos coletivos.

[...] é meio complexo, a nossa sociedade civil, em geral, já é complexa, hoje. Destoou muito de um entendimento que pensa em participação política da sociedade organizada dos anos 80, por exemplo, até os anos 90 mesmo, porque tínhamos saído de uma ditadura militar; tinha toda uma ação, uma reação, por meio da repressão que existia na época, em relação a todos os direitos das pessoas; então, era diferente. Hoje, avaliamos que, dentro da nossa sociedade organizada, isso mudou bastante. Hoje, tem muitos interesses particulares, que terminam sobressaindo aos interesses coletivos. Isso tem nos feito discutir muito qual a sociedade civil que temos e qual gostaríamos que fosse dentro do conselho. Hoje, temos um grupo de instituições registrado no conselho que gostaria de participar ativamente, às vezes participam ativamente das deliberações do conselho, tanto como conselheiro, ou não, mas é um grupo voltado para as ações do fundo, da captação de recursos, da participação nos editais. (Entrevistado 6).

Gramsci aborda essa questão quando faz distinção entre a “grande política” e a “pequena política”.

Grande política (alta política) – pequena política (política do dia a dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). A grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela

predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política. (GRAMSCI, apud COUTINHO, 2011, p. 125).

É sabido que, entre os representantes governamentais, essa situação também tem ocorrido de forma recorrente. É comum a indicação de funcionários que não dispõem de poder decisório, ou são designados pelos gestores apenas para o cumprimento formal do que a legislação determina. Mesmo quando os indicados são os secretários municipais, ou funcionários que compõem os níveis hierárquicos mais elevados da administração, quase não comparecem às reuniões e outras atividades do conselho, ficando explícita uma atitude retórica de valorização desses espaços. Há que se considerar que tal situação acarreta um esvaziamento do poder decisório dos conselhos, em alto índice de faltas às reuniões e demais atividades, além da rotatividade de membros.

Agora temos outra dificuldade, de entendimento dos outros gestores que são de indicação, que venham pessoas comprometidas com a causa; não adianta colocar um qualquer lá, não adianta, é complicado, deixa perder todo um trabalho que foi feito por vários anos. [...] Mas se não tiver esse entendimento, vamos continuar tendo dificuldade; só tem dois governamentais que comparecem, que é sempre o da assistência social, e o do esporte; às vezes, o da educação, o da saúde nunca vem, o da cultura não tem como, não vem, e não troca, se pede para trocar, não manda ninguém. Existe essa dificuldade, mas vamos trabalhando com o segmento não governamental, com o apoio mínimo do governamental. É isso que tem acontecido até agora, essa é a nossa realidade. Quando o prefeito entender que os conselheiros são as pessoas diretas e gratuitas dele, teremos condições de fazer uma boa gestão. Mesmo que for devagarzinho, aprendendo a ouvir e a ponderar todas essas coisas; deixar de pensar puramente no asfalto, na praça, nas coisas pomposas, em suntuosidade... (Entrevistado 7).

Para mim é burrice, estupidez, e outras coisas mais, se o gestor não estiver atento àquele espaço, então, quando fizer a nomeação dos representantes que vão para o conselho, ele deve saber que precisa de pessoas comprometidas, de pessoas que entendam da política, que tenha de fato interesse em ir para lá para fortalecer, não para blindar, como foi dito pela última gestão. (Entrevistado 5).

Outro fator que compromete a paridade política diz respeito ao acesso às informações necessárias para participação nas atividades do Conselho. Os membros indicados pelo governo costumam ter acesso privilegiado às

informações que subsidiam discussões e decisões do conselho, além do conhecimento da rotina e dos procedimentos da máquina pública, enquanto que os conselheiros da sociedade civil, na maior parte das vezes, tomam conhecimento dos assuntos a serem discutidos no momento da reunião, ou com pouco tempo de antecedência, na maioria das vezes, sem material de apoio técnico e outros que possam contribuir nas decisões.

A dificuldade que enfrentamos hoje é com a informação, porque o conselho é paritário e a máquina está na mão deles. Temos dificuldade muito grande de acesso à informação, lá dentro. E isso é muito ruim, porque tudo o que eles colocam na mesa e contra o governo, em pauta; vamos sendo consumidos por falta de informação. Da legislação, enfim, decreto, e um monte de elementos, em que há um domínio muito grande por parte do governo, que não cria apropriação ainda para a gente. (Entrevistado 1).

É notório que a paridade entre sociedade civil e governo, apesar de elemento fundamental e de um diferencial do formato do espaço conselho, não tem dado conta de garantir equivalência de condições à participação. A legitimidade dos representantes, no espaço dos conselhos, deve estar ancorada numa sociedade civil organizada e atuante para além dos conselhos, com a sociedade em geral, garantindo assim as condições externas para a disputa da hegemonia no interior desses espaços.